O queijo é um dos produtos lácteos mais apreciados no mundo. Esse derivado pode ser comercializado fresco ou maturado e de acordo com a legislação brasileira é classificado em função do teor de matéria gorda e do conteúdo de umidade. Outros autores também classificam os queijos em relação ao tipo de leite, tipo de coagulação, tratamento da massa, formato da casca, processo de maturação, entre outros.
Nesse sentido, os queijos frescos podem ser definidos como aqueles que estão prontos para o consumo logo após a fabricação e, na maioria das vezes, possuem uma umidade superior ao queijo maturado, além de apresentarem um sabor mais suave. Dentre os principais, destacam-se o queijo Minas Frescal e o queijo Coalho.
Já os queijos maturados são aqueles que sofreram uma série de alterações físicas, bioquímicas e microbiológicas quando armazenados sob condições controladas de temperatura e umidade por um determinado tempo para o desenvolvimento das características sensoriais necessárias de cada variedade. São exemplos de queijos maturados o Provolone, Gorgonzola, Reino, Gouda, Parmesão e vários outros.
A maturação dos queijos é um fenômeno complexo em virtude das diversas transformações que ocorrem devido a presença de um ecossistema complexo, formado por diversos grupos microbianos e enzimas que proporcionam o desenvolvimento do aroma, sabor e textura dos produtos finais.
Durante esse processo, os queijos são armazenados em câmaras de maturação com temperatura e umidade ajustadas para cada tipo de queijo. Entretanto, na produção artesanal, na maioria das vezes, os queijos são maturados à temperatura ambiente de cada região.
O controle da temperatura e da umidade relativa é fundamental para modular a microbiota que irá prevalecer e reduzir a ação dos microrganismos indesejáveis. A maioria dos queijos são maturados em temperatura variando entre 7°C e 14°C e umidade relativa entre 75% e 95%. Por exemplo, se o ambiente estiver muito úmido, pode atrair fungos indesejáveis ou outros defeitos, como a não formação da casca, tornando-a pegajosa ou visguenta.
Nesse sentido, essas condições de armazenamento, bem como as características intrínsecas de cada queijo, como teor de umidade; pH; teor de sal; microbiota presente; tipo e quantidade de coagulante; dentre outros fatores, afetam diretamente as reações que irão acontecer durante a maturação e, consequentemente, alteram as características do produto final.
Além do controle da temperatura e da umidade, o ajuste do tempo de maturação é essencial para que cada tipo de queijo apresente sua característica própria. Dessa forma, o tempo de maturação varia de acordo com o tipo de queijo e as características que se deseja alcançar, podendo ocorrer em algumas semanas ou até alguns anos.
Como exemplo, podemos citar o queijo Gorgonzola, que deve ser maturado por 60 a 120 dias em câmaras de maturação com temperaturas ajustadas entre 5°C e 7°C e umidade de 90% e, após 15 a 20 dias de fabricação, os queijos devem ser perfurados com o objetivo de favorecer a penetração de oxigênio em seu interior para desenvolvimento da microbiota específica. Por outro lado, queijos como o Parmesão apresentam um tempo de maturação de, no mínimo, seis meses, podendo ultrapassar os dois anos.
No geral, quanto maior o tempo de maturação dos queijos, mais intenso será o sabor. Por outro lado, um menor tempo de maturação proporciona um queijo com sabor mais suave. Entretanto, esse tempo de maturação, bem como as outras variáveis do processo devem ser otimizadas para atingir as características desejáveis para cada tipo de queijo.
Portanto, em função das diversas variáveis impostas durante a maturação, verifica-se o quão desafiador é essa etapa para o desenvolvimento de um produto seguro, com sabor agradável e característico ao paladar do consumidor.
Durante o fenômeno da maturação, existem três eventos bioquímicos principais que podem ocorrer: glicólise, proteólise e lipólise. Nesse sentido, uma série de reações primárias e secundárias dos componentes do leite proporcionam o desenvolvimento de compostos que influenciam diretamente na aparência e no sabor do produto final.
As enzimas são os principais percursores dessas reações e são provenientes de bactérias adicionadas intencionalmente como fermento (culturas starters) ou provenientes de enzimas naturais do leite, enzimas da microbiota láctica do leite e do próprio coagulante utilizado na fabricação.
Especificamente, a glicólise consiste na hidrólise parcial da lactose pela ação de microrganismos homo ou heterofermentativos, que a partir da glicose produzem ácidos orgânicos, como o ácido láctico e outros compostos. Esses compostos são responsáveis pelo sabor lácteo característico e por conferir acidez ao produto. Por isso, essa reação deve ser controlada tanto em extensão, quanto na velocidade para obtenção de um produto com adequado sabor e textura.
Consiste na hidrólise das proteínas do leite em hidrolisados proteicos de diferentes pesos moleculares. Em níveis avançados, pode-se atingir a obtenção de aminoácidos livres, bem como o catabolismo desses aminoácidos em compostos secundários. Essas reações afetam diretamente a textura e o sabor dos queijos maturados. Nesse sentido, o amolecimento inicial se deve a hidrólise da rede proteica pela ação das proteases, bem como a solubilização do fosfato de cálcio coloidal devido ao abaixamento do pH.
Em relação ao sabor, a liberação de peptídeos hidrofóbicos durante os estágios iniciais da proteólise, bem como a liberação de aminoácidos, como histidina, valina e triptofano, acarretam na formação de gosto amargo; glicina e alanina geram gosto doce e o ácido aspártico confere gosto ácido. A formação do gosto amargo pode resultar em rejeição por parte dos consumidores, o que pode ser modulado em função do nível de proteólise, tipo e concentração do coagulante utilizado.
Na maioria das variedades de queijo, a proteólise inicial, também conhecida como primária, é devido a ação das enzimas presentes nos coagulantes, que são adicionadas para promover a coagulação do leite durante a fabricação dos queijos, bem como as enzimas naturalmente presentes no leite, como é o caso da plasmina. Já a hidrólise dos fragmentos proteicos em peptídeos de baixo peso molecular e/ou aminoácidos se deve a ação das proteases microbianas residuais, que são provenientes do fermento e nativas do próprio leite.
Para avaliar o grau de maturação, a proteólise é o principal parâmetro utilizado como indicador. Para isso, analiticamente, é realizado a determinação do índice de extensão e de profundidade da maturação, que, de forma geral, avalia o grau de hidrólise da caseína (principal proteína dos queijos), por meio da determinação das proporções entre os conteúdos de proteína solúvel (nitrogênio solúvel em pH 4,6 e nitrogênio solúvel em ácido tricloroacético) e proteína total (nitrogênio total). Com o avanço da maturação, esses índices tendem a aumentar em virtude do aumento no conteúdo de proteína solúvel.
Já a lipólise é devido a ação das lipases naturalmente presentes no leite ou provenientes das culturas lácticas, que agem hidrolisando os lipídios (triglicerídeos) em ácidos graxos livres, que após serem liberados ou transformados em produtos secundários, contribui fortemente no aroma e no sabor do produto final.
O fenômeno da maturação dos queijos é uma arte altamente complexa em virtude das diversas reações que acontecem simultaneamente durante esse processo. O controle das variáveis é fundamental para a garantia da qualidade e segurança do produto final. Para o futuro, o conhecimento multidisciplinar é essencial para inovar, diminuir perdas e oferecer aos consumidores experiências singulares.
Fonte: Milk Point