O leite de vaca apresenta em média 3,23% (m/m) de proteínas, sendo 2,6% (m/m) caseínas (αs1-, αs2-, β- e κ-caseína) e 0,63% (m/m) proteínas do soro (β-lactoglobulina, α-lactoalbumina, albumina do soro bovino (BSA), imunoglobulinas e glicomacropeptídeo (GMP), além de pequenas concentrações de lactoferrina, lisozima e lactoperoxidase. Ou seja, as proteínas do soro representam aproximadamente 20% do total de proteínas do leite.
As proteínas do soro são solúveis em ampla faixa de pH, apresentam estrutura globular com hidrofobicidade relativamente alta e são ricas em aminoácidos contendo sulfeto, como cisteína e metionina. Além disso, possuem pontes dissulfeto que conferem um determinado grau de estabilidade estrutural.
Ao contrário das caseínas, as proteínas do soro não precipitam em seus pontos isoelétricos, porém desnaturam quando submetidas ao aquecimento.
Além de amplamente aplicadas na indústria de alimentos devido as suas propriedades funcionais (p. ex. solubilidade, emulsificação e formação de gel e espuma) e nutricionais, as proteínas do soro de leite, como a BSA, são biopolímeros naturais utilizados para veicular moléculas bioativas e protegê-las contra a oxidação e a degradação.
A BSA tem sido amplamente estudada devido a sua capacidade de transporte e proteção de uma variedade de substâncias benéficas à saúde, como a luteína, o β-caroteno e a curcumina. Logo, a BSA apresenta-se como uma molécula promissora para aplicação na tecnologia de alimentos nutracêuticos e de fármacos.
A BSA é a principal proteína solúvel no plasma sanguíneo de bovinos e desempenha um importante papel fisiológico, principalmente no transporte de uma variedade de substâncias endógenas e exógenas, incluindo ácidos graxos, aminoácidos, metais e fármacos no organismo. No leite, sua concentração é, em média, 0,4 g L-1.
A BSA consiste em uma cadeia única de 582 aminoácidos, sendo uma proteína globular com 17 resíduos de cisteína (oito ligações dissulfeto e um grupo tiol livre). É dividida em três domínios linearmente dispostos (I, II e III), com cada domínio composto de dois subdomínios (A e B). Além disso, possui dois resíduos de triptofano (Trp): o Trp134 localizado na superfície do domínio I (subdomínio IB) e o Trp213 localizado dentro da cavidade hidrofóbica do domínio II (subdomínio IIA).
Diferentemente da BSA, a albumina do soro humano (HSA) é composta por 585 aminoácidos, possuindo apenas um resíduo de triptofano (Trp214). Apesar da similaridade entre HSA e BSA (76% das sequências de aminoácidos são idênticas), as duas proteínas apresentam propriedades de ligação diferentes.
Frequentemente, a BSA é escolhida como proteína modelo em estudos de interação com moléculas bioativas devido a sua importância médica, abundância, facilidade de purificação, solubilidade em meio aquoso e estabilidade físico-química.
Devido a presença de resíduos de Trp em sua estrutura química, a BSA emite fluorescência quando excitada a 295 nm. Entretanto, quando a BSA interage com pequenas moléculas em regiões próximas aos resíduos de Trp (fluoróforos), a sua fluorescência intrínseca diminui com o aumento da concentração do ligante.
Assim, a técnica de espectroscopia de fluorescência pode ser utilizada para estudar o processo de interação entre a BSA e diversas moléculas de interesse.
Diversos compostos bioativos, como os carotenoides (luteína, astaxantina, β-caroteno, dentre outros), tem seu uso limitado na tecnologia de alimentos e fármacos devido a sua baixa solubilidade em água e instabilidade em diferentes condições de processamento em função do pH, temperatura, força iônica, luz e oxigênio.
Nesse contexto, proteínas carreadoras como a BSA têm um papel fundamental no transporte e proteção destes componentes bioativos em alimentos funcionais devido à sua capacidade de formar complexos proteína-ligante, possivelmente protegendo os componentes ligados contra oxidação e degradação.
Por exemplo, a formação de complexo entre a BSA e β-caroteno aumentou a estabilidade deste carotenoide à luz. O β-caroteno é amplamente utilizado como corante na indústria de alimentos, logo, a interação com a BSA contribui para a manutenção das suas propriedades, incluindo as atividades biológicas como antioxidante e de proteção contra doenças como arteriosclerose, cardiovasculares e carcinomas.
A BSA também demonstrou capacidade de interação com a luteína, formando um complexo estável possivelmente capaz de proteger esta importante molécula bioativa contra fotodegradação e oxidação. De acordo com estudo realizado por meio da técnica de fluorescência, a luteína liga-se preferencialmente ao sítio IB da BSA.
Apesar deste ser predominantemente hidrofóbico, resíduos de tirosina (Tir160) e ácido glutâmico (Glu140) formam ligações de hidrogênio com os grupos hidroxilas de cada extremidade da cadeia de polieno da luteína.
Assim, a luteína fica protegida no interior da BSA. Consequentemente, aumenta-se a solubilidade dessa molécula bioativa e, possivelmente, a sua estabilidade sob diversas condições de processamento de alimentos nutracêuticos e fármacos.
Resultados de vários estudos vêm demostrando que a BSA é uma proteína promissora para o transporte e proteção de diversos compostos, com potencial para melhorar a solubilidade e estabilidade de moléculas bioativas durante o processamento e armazenando de alimentos e fármacos.
Entretanto, é importante a intensificação de pesquisas, principalmente relacionadas à fatores que podem alterar a capacidade de complexação da BSA, tais como a presença de diferentes sais (p. ex., os sais caotrópicos e cosmotrópicos da série Hofmeister), variações de pH e de força iônica, além de mudanças conformacionais na proteína (seja por meio de desnaturação térmica ou pelo uso de tecnologias emergentes como o ultrassom).
As propriedades de absorção, distribuição, metabolismo e excreção, assim como a estabilidade dos compostos bioativos, podem ser significativamente afetadas pela interação com a BSA. Diante disso, mais estudos práticos também devem ser conduzidos para compreensão do comportamento do complexo BSA-moléculas bioativas em diferentes matrizes alimentares e em sistemas in vivo.
Fonte: Milk Point