O leite bovino é um dos alimentos mais completos em termos nutricionais para alimentação humana e, industrialmente, é uma matéria-prima atrativa a partir da qual se produz diversos derivados. Entretanto, é altamente perecível devido aos fatores intrínsecos como pH próximo a neutralidade (6,6 a 6,8), alta atividade de água (0,99), alta disponibilidade de nutrientes e potencial de oxirredução positivo. Além disso, essa matéria-prima pode ser muito manipulada durante a sua obtenção, o que favorece a contaminação microbiológica que pode levar à deterioração do leite, comprometendo a qualidade e a segurança dos produtos finais.
Dessa forma, é indispensável a adoção das boas práticas de ordenha, além do resfriamento imediato e o beneficiamento em menor tempo possível para minimizar os riscos de contaminações e preservar a qualidade do leite cru e de seus derivados.
A higiene pessoal é um dos requisitos fundamentais para a produção de um leite de qualidade e se baseia nos cuidados de asseio que os ordenhadores devem respeitar, já que são eles os responsáveis pelo contato direto com o leite durante a ordenha, manipulação dos utensílios e armazenamento e transporte do leite. O não cumprimento das boas práticas de ordenha do leite pode contribuir para uma contaminação cruzada, que se dá pela contaminação biológica, química ou física na matéria-prima por meio do manipulador.
Além da higiene pessoal, é importante que seja realizada, imediatamente após cada ordenha, a higiene do ambiente, dos equipamentos, utensílios e instalações para assegurar a inocuidade dos produtos lácteos, uma vez que os resíduos de leite se aderem rapidamente aos equipamentos e utensílios, dificultando sua retirada posterior.
A qualidade do leite cru está diretamente relacionada à integridade físico-química e microbiológica, além das características sensoriais (aroma e sabor). A qualidade do leite cru, além de depender das boas práticas de ordenha, também está intimamente relacionada às condições de saúde do rebanho e ao cumprimento das obrigatoriedades exigidas pelas legislações vigentes, como a refrigeração do leite a 5°C em até três horas após a ordenha.
A Contagem Padrão em Placas (CPP) fornece informações a respeito da qualidade microbiológica do leite cru. De acordo com a IN 76 de 2018 (BRASIL, 2018a), o leite de vaca cru refrigerado de tanque individual ou de uso comunitário deve apresentar médias de CPP de no máximo 300.000 UFC/ml, já na usina de beneficiamento, o leite cru refrigerado deve apresentar limite máximo de até 900.000 UFC/ml antes do seu processamento. Nesse contexto, quanto maior a contagem de microrganismos no leite cru, provavelmente, maiores serão as alterações sobre os constituintes do leite, o que irá reduzir a qualidade da matéria-prima comprometendo a qualidade do produto final.
Uma matéria-prima com elevada contagem microbiológica tem um impacto negativo na qualidade dos derivados lácteos. Isso se deve, principalmente, à presença de enzimas (proteases e lipases) termorresistentes produzidas por microrganismos psicrotróficos que, ao agir sobre proteína e gordura, liberam compostos responsáveis pelo desenvolvimento de gosto amargo, sabor de ranço e off-flavor em queijos, iogurtes, manteiga, doce de leite, sorvetes, dentre outros. Já em leites UHT, a presença dessas enzimas termorresistentes produzidas pelos psicrotróficos pode provocar gelificação e sedimentação do produto durante a estocagem . Além disso, a baixa qualidade microbiológica do leite cru favorece a acidificação precoce do leite, o que diminui a estabilidade térmica dessa matéria-prima. Isso compromete o processamento para fabricação de leite de consumo, leites fermentados, bebidas lácteas, doce de leite e outros.
Dessa forma, a qualidade da matéria-prima influencia diretamente na qualidade do produto final. Portanto, é de suma importância o emprego de hábitos higiênicos adequados para a produção de leite e derivados de qualidade e seguros para o consumidor.
A aptidão do leite para o processamento e consumo está diretamente relacionada às condições higiênico sanitárias durante a obtenção, resfriamento, coleta, transporte e recepção nos laticínios. Conhecer os pontos críticos de contaminação do leite, bem como os possíveis microrganismos responsáveis, possibilita a adoção de medidas de controle, garantindo a segurança, rendimento e qualidade da matéria-prima e de seus derivados.
Portanto, as boas práticas de manejo de ordenha são imprescindíveis para a produção de um leite que esteja em consonância com o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade, atendendo às expectativas dos consumidores.
Fonte: Milk Point