Aromatizantes, reguladores de pH, agentes tamponantes e agentes de fermentação, são algumas das várias funções desempenhadas pelos ácidos na indústria de alimentos.
Definidos como toda a substância que aumenta a acidez ou confere um sabor ácido aos alimentos, os ácidos alimentícios possuem perfis gustativos muito diferentes e solubilidade distintas.
Os principais ácidos e seus derivados incluem acético, cítrico, láctico, málico, fosfórico e tartárico.
Descoberto pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele e sintetizado pela primeira vez em 1843, pelo químico alemão Adolph Kolbe, o ácido acético tem sua origem na fermentação acética do álcool. Para ocorrer essa reação, necessita-se da presença da bactéria Acetobacter aceti, presença de oxigênio e temperatura de 25°C a 30°C. Pode ser obtido também através da oxidação de acetaldeído quando para uso comercial.
É um ácido carboxílico e apresenta-se na forma de um líquido claro, viscoso, com cheiro picante e solúvel em água. Quando resfriado abaixo de 16,7°C, sofre solidificação, formando cristais brilhantes, incolores e transparentes com aspecto de gelo. Devido a esse fato, o ácido acético, quando puro, recebe o nome de ácido acético glacial.
O ácido acético é usado amplamente para reduzir o pH dos mais variados produtos, controlar o crescimento microbiano ou como aromatizante. Na forma pura é pouco usado na indústria de alimentos, porém é largamente empregado na forma de vinagre, sendo obtido, primeiramente, por fermentação alcoólica e, posteriormente, acética.
Quando presente na natureza, apresenta-se sob a forma de acetatos, sendo o ácido orgânico mais usado, em particular, na fabricação de acetona ou acetatos metálicos.
Já o ácido cítrico é derivado das frutas cítricas, podendo também estar presente em muitas outras frutas, vegetais e, inclusive, no leite.
Descrito pela primeira vez pelo químico inglês Sir Hans Adolf Krebs, o ácido cítrico teve a sua concentração e cristalização a partir de limões obtida pela primeira vez em 1784, pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele, também descobridor do ácido acético e láctico e de muitos outros compostos químicos.
Em 1892, descobriu-se que o ácido cítrico podia ser produzido a partir de certos fungos; mas somente em 1920, que pesquisadores norte-americanos e europeus desenvolveram meios de produção em escala industrial de ácido cítrico a partir de Aspergillus niger, um fungo pertencente à mesma família da penicilina. A produção em escala comercial teve início em 1923, sendo que após 1945, foram introduzidas grandes melhorias na qualidade das cepas utilizadas em sua produção.
O ácido cítrico é comercializado como anidro monohidratado e como sal sódico. Na indústria alimentícia é usado na fabricação de refrigerantes, sobremesas, frutas em conserva, geleias, doces e vinhos. Também é utilizado na composição de sabores artificiais de refrescos em pó e na preparação de alimentos gelatinosos. Previne a turbidez, auxilia na retenção da carbonatação, potencializa os conservantes, confere sabor frutal característico, prolonga a estabilidade da vitamina C, reduz alterações de cor, realça os aromas e tampona o meio. É utilizado, também, em enologia para reequilibrar a acidez dos vinhos, com o propósito de estabilizá-los contra uma eventual casse férrica (turvação do vinho devido ao elevado teor de ferro).
O ácido láctico foi descoberto em 1780, também pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele, isolado a partir do leite azedo, na forma de um xarope de cor marrom, com impurezas, recebendo o nome de Mjölksyra, do sueco mjölk (leite) e syra (ácido).
Durante séculos, o ácido láctico foi um ingrediente natural em uma ampla gama de produtos. Muito antes de se tornar comercialmente disponível, era obtido pela fermentação natural de produtos como queijo, iogurte, levedura, preparados à base de carne e vinho.
Atualmente, o ácido láctico possui cor cristalina e é produzido pela fermentação de açúcar e água ou por processo químico, sendo normalmente comercializado na forma líquida. Apresenta-se sob duas formas: L (+), incorporada em muitos processos alimentícios, bem como em aplicações cosméticas e industriais, e D (-), a qual não é utilizada em aplicações alimentícias.
O ácido láctico apresenta ampla gama de possibilidades de utilização na indústria alimentícia, sendo um ingrediente importante para a produção de produtos cárneos curados, leites fermentados, picles e produtos marinados. Também é utilizado em refrescos e refrigerantes.
O ácido málico foi introduzido na indústria alimentícia em 1922, mas somente começou a ter real disponibilidade comercial a partir de 1964.
Apresentado sob a forma de um pó branco, produzido por hidratação de ácido maléico e fumárico, possui sabor ácido limpo, maduro e suave, tendo papel essencial no metabolismo dos carboidratos e, consequentemente, na produção de energia para o ciclo celular. É precursor do ácido oxalacético e, consequentemente, um passo importante no ciclo de Krebs.
O ácido málico é utilizado na indústria para mascarar o gosto desagradável da sacarina e como agente tamponante. Em comparação com o ácido cítrico, apresenta maior potencial realçador de flavour nos alimentos, portanto tem emprego como acidulante em pó para refrescos, sucos de frutas, bebidas e sobremesas, objetivando a redução de custo. Avaliações sensoriais mostram que o ácido málico torna mais aceitáveis os adoçantes artificiais em bebidas.
Ao contrário dos demais ácidos, o fosfórico é o único ácido inorgânico usado para fins alimentícios.
É principalmente utilizado nas bebidas do tipo cola, em root beer e algumas outras bebidas carbonatadas. Em pequenas quantidades, também é empregado para dar o sabor ácido em molhos de saladas, bem como para diminuir a atividade biológica, prevenindo a degradação desses molhos. Seu uso em gorduras e óleos previne a rancidez por oxidação em margarinas e óleos vegetais. Também ajuda no processo de clarificação do açúcar e, na indústria de geleias e gelatinas, é utilizado especialmente no preparo de geleias firmes e que não perdem água, como as utilizadas para recheio de bolos e pães. Juntamente com o ácido cítrico e o ácido tartárico, é utilizado como agente tampão para controlar a acidez, dando a firmeza de gel da pectina e, ao mesmo tempo, para complexar cátions, como o ferro, que dá uma cor opaca para as gelatinas.
Isolado pela primeira vez pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele, em 1769, o ácido tartárico e alguns de seus sais, como o cremor de tártaro (tartarato hidrogenado de potássio) e o sal de Rochelle (tartarato sódico de potássio), são obtidos como subprodutos da fermentação do vinho.
O cremor de tártaro é um pó cristalino, branco. Quimicamente, trata-se de um tartarato hidrogenado de potássio, ou seja, o sal de potássio ácido do ácido tartárico. É usado como agente de fermentação nos fermentos para panificação, atuando diretamente no processamento da massa.
O sal de Rochelle é um sal cristalino ortorrômbico, entre o incolor e o branco azulado, de gosto salgado e com sabor fresco. É também chamado de sal de Seignette, por ter sido Pierre Seignette, um farmacêutico francês da cidade de La Rochelle, que produziu esse sal pela primeira vez, em 1672. Quimicamente, trata-se de um tartarato sódico de potássio. É solúvel em água, apresenta ponto de fusão a 750C e gravidade específica de 1,79. É usado na medicina como laxante suave, frequentemente sob a forma de pós efervescentes de Seidlitz. Também é utilizado como ingrediente na solução de Fehling para diferenciar entre os grupos funcionais cetona e aldeído.
O ácido tartárico não possui uma escala tão ampla de utilização, porém apresenta grande importância na indústria alimentícia. Pode ser classificado como agente inativador de metais, agindo por inativação do efeito catalítico em reações de oxidação por traços de metais.
Além dos ácidos alimentícios mencionados, dois outros produtos de grande interesse para o setor são a glucona-delta lactona e o ácido lactobiônico.
A glucona-delta lactona e sua forma hidrolisada, o ácido glucônico, estão presentes em produtos naturais, como o mel, a uva, além da cerveja. São produtos da oxidação da D-glicose e obtidos via microrganismos. A glicose sofre fermentação aeróbica e a glucona-delta lactona é extraída via cristalização.
A glucona-delta lactona apresenta-se na forma de um pó branco cristalino, incolor, com gosto doce. Quando dissolvida em água, é lentamente hidrolisada em ácido glucônico e passa a ter um sabor ácido bastante suave.
Por apresentar pouco gosto ácido, a glucona-delta lactona é muito procurado pelos processadores de frios e carnes. Nessas aplicações, a acidificação é necessária para transformar os nitratos em nitritos e favorecer, assim, o aparecimento de cor (em reação com a mioglobina do músculo). Também é importante ter uma acidificação do meio para facilitar o desenvolvimento de floras desejáveis levando à aceleração do processo de cura.
O ácido lactobiônico é obtido por um processo patenteado de oxidação da glicose via fermentação. Sua capacidade acidulante é a mais fraca de todos os ácidos alimentícios e particularmente interessante devido a seu gosto absolutamente neutro.
Márcia Fani
Editora