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A carragena é um hidrocolóide alimentício derivado de algas marinhas. É um termo genérico usado para descrever um grupo diverso de compostos polissacarídeos sulfatados que são encontrados na matriz da parede celular das algas vermelhas. De uma perspectiva comercial, três tipos principais de carragena são importantes: iota (ι), kappa (κ) e lambda (λ). A carragena é amplamente utilizada para fornecer funcionalidade textural, principalmente para gelificação e viscosidade em uma ampla gama de aplicações alimentícias. Os principais setores de alimentos são carnes processadas, laticínios e sobremesas/geleias. Também é usada em pasta de dente, ração para animais de estimação, como um agente floculante em cerveja e em algumas aplicações industriais, como por exemplo, em géis desodorizantes de ar.
Todos os hidrocolóides possuem propriedades e funcionalidades técnicas diferentes e, portanto, diferentes potenciais de aplicação. A carragena apresenta um conjunto específico de propriedades que a diferencia de outros hidrocolóides e a torna útil em certos alimentos, destacando-se entre suas propriedades, a capacidade de formar géis com íons potássio e cálcio; reatividade com proteínas do leite; formação de géis termorreversíveis e comportamento sinérgico com outros hidrocolóides alimentares.
As carragenas são empregadas na indústria alimentícia na forma refinada ou semi-refinada. As carragenas kappa, iota e lambda refinadas são produzidas usando dois processos básicos de extração, precipitação com álcool e gel press. A carragena kappa é extraída de espécies de Kappaphycus, predominantemente de K. alvarezii, enquanto a carragena iota é extraída de Eucheuma denticulatum e a carragena lambda é extraída principalmente de Chondrus crispus, mas também de alguns tipos híbridos de alto rendimento.
Os processos de extração de carragena refinada são essencialmente os mesmos até certo ponto: a alga seca é enxaguada e hidratada em água doce por mais de quatro horas e, em seguida, tratada com álcali quente a 80°C (hidróxido de potássio) para dissolver a alga marinha e converter os precursores. As impurezas são. Então. removidas por centrifugação e filtração. Nesse ponto, os dois processos divergem e métodos diferentes são usados para separar a carragena. No processo de precipitação do álcool, 60% de álcool isopropílico é usado para precipitar a carragena, que é, então, pressionada mecanicamente para remover o excesso de álcool e água. Esse método pode ser usado para todos os três tipos de carragena. A técnica de gel press utiliza as características de gelificação da carragena kappa, que forma géis fortes e quebradiços na presença de íons K+. Ao invés de uma etapa de precipitação, a carragena é gelificada com cloreto de potássio e, então, pressionada para desidratar. Em ambos os processos, o bolo prensado é seco, moído e acabado.
As carragenas produzidas usando o método de precipitação com álcool são mais puras e possuem muito do matéria insolúvel em ácido (AIM) removido, contendo normalmente mais de 0.1% de AIM. A carragena kappa pressionada em gel contém tipicamente mais de 0,5% de AIM. A carragena iota refinada de Eucheuma possui alta pureza e alta clareza; sua principal aplicação é em produtos de alto valor, como pasta de dente. O iota refinado possui valor de mercado mais alto do que a carragena kappa refinada em gel press, com o preço de mercado sendo normalmente o dobro da kappa refinada. No entanto, a carragena kappa refinada apresenta alta força de gel e alta clareza. A carragena lambda não gelifica, sendo mais usada por suas propriedades de espessamento e por proporcionar uma textura cremosa, ao invés de uma textura de gel típica. É usado principalmente em sobremesas para proporcionar textura cremosa e mouthfeel.
As carragenas híbridas, também conhecidas como kappa-2-híbridos, híbridos de gelificação fraca e graus heterogêneos, são extraídas de diferentes algas pertencentes à família Gigartinaceae. No Hemisfério Norte, incluem a Chondrus crispus e Mastocarpus stellatus e, na América do Sul, principalmente no Chile, a Gigartina skottsbergii, a Sarcothalia crispata, a Mazzaella laminaroides e a Chondracanthus chamissoi. Os esporófitos dessas algas marinhas produzem misturas de híbridos kappa-lambda, enquanto os gametófitos produzem misturas de híbridos kappa-iota.
O processo básico usado para extração das carragenas híbridas também emprega uma extração alcalina em temperatura aproximada de 80°C, com mais ou menos 5% de hidróxido de potássio, sendo a pasta de algas marinhas feita usando álcool e água como solvente e não apenas água. O uso de álcool a água serve para evitar que a carragena se dissolva. Os parâmetros de reação são controlados para promover a funcionalidade necessária das carragenas resultantes e a extração seletiva também é empregada para atingir os componentes individuais iota, kappa e lambda. A temperatura, o pH e a presença de cloreto de potássio são usados para manipular a solubilidade de diferentes carragenas. Embora esse processo empregue a mesma estratégia de um processo semi-refinado, ou seja, a etapa de conversão de carragena ocorre dentro da alga, o teor de AIM dessas espécies híbridas é naturalmente baixo.
As carragenas híbridas têm aplicação, particularmente, em produtos lácteos devido as suas propriedades de visco-gelificação, que fornecem atributos únicos de mouthfeel. Caracteristicamente fornecem géis muito elásticos e macios que fornecem espessamento sem a pegajosidade de outros hidrocolóides, atributos altamente desejáveis para os formuladores de alimentos.
As carragenas kappa e iota semi-refinadas são produzidas a partir de Kappaphycus e Eucheuma, respectivamente. O processo começa da mesma forma que o refinado, com a alga sendo enxaguada, hidratada e tratada com álcali quente, ou seja, em temperatura maior que 80°C e com 5% a 8% de hidróxido de potássio. No entanto, nas carragenas semi-refinadas, a temperatura é mantida abaixo de 80°C para evitar que as algas se dissolvam e para manter a conversão dos precursores dentro das algas. O próprio álcali quente e as etapas de lavagem são usadas para remover impurezas, como minerais, proteínas e gorduras, mas não há precipitação ou etapa de gelificação para separar a carragena.
As carragenas semi-refinadas são por natureza ligeiramente turvas, pois o conteúdo de AIM não é removido, porém, a clareza não é um problema para as principais aplicações em que são usadas, sendo a principal delas, em produtos cárneos.
Propriedades funcionais da carragena
Cada hidrocolóide possui as suas próprias propriedades intrínsecas características, comportamento funcional, mecanismo de gelificação e natureza do sistema coloidal que é formado. Também se comporta de maneira diferente sob diferentes condições de processamento e em diferentes formulações. Temperatura, pH, presença/ausência de açúcares e sais afetam parâmetros importantes, como solubilidade e estabilidade do gel e, portanto, adequação geral em aplicações finais. A carragena é particularmente conhecida por sua capacidade de formar gel na presença de íons potássio e cálcio; reatividade com proteínas do leite; formação de géis termorreversíveis e comportamento sinérgico com outros hidrocolóides alimentícios.
Com relação a solubilidade, as moléculas de carragena kappa e iota precisam ser aquecidas para solubilizar. Uma vez quentes, se solubilizam formando bobinas e, conforme ocorre o resfriamento, os fios de carragena formam hélices, as quais se agregam e se unem se os íons K+ ou Ca2+ estiverem presentes, como no leite ou no caso da carragena kappa prensada em gel, que sempre contém níveis residuais de cloreto de potássio do processo de extração. A agregação resulta na formação de um gel. Na água fria, as moléculas kappa e iota tendem a inchar, mas as moléculas lambda são solúveis. A lambda também é solúvel em leite frio, o que oferece uma série de benefícios para aplicação em laticínios.
A gelificação na carragena é causada pela formação de uma hélice e só pode ocorrer quando uma ponte 3, 6 anidro está presente na unidade B da molécula de carragena. Essas pontes anidro não estão presentes nos precursores nativos da carragenina, mas são criados durante a extração pela eliminação de sulfato dos ésteres de sulfato que estão presentes nos precursores. O maior teor de 3,6-AG e o menor teor de éster resultam em maior potencial de gelificação. O conteúdo de sulfato de éster das carragenas kappa, iota e lambda é de aproximadamente 25%, 32% e 35%, respectivamente. A carragena kappa geralmente possui conteúdo mais alto de 3,6-AG do que a carragena iota. Assim, apresenta alta capacidade de gelificação e forma géis fortes e quebradiços, com alta resistência de gel. Os géis de carragena Iota são tipicamente mais macios e mais elásticos. Os híbridos kappa-iota formam géis intermediários, pois o componente iota reduz a resistência e fragilidade do componente kappa. A lambda pura não possui as 3,6 pontes anidro necessárias para formar géis. Os híbridos lambda apresentam fraca capacidade de gelificação, o que contribui ainda mais para uma funcionalidade de espessamento do que de gelificação.
A proporção dos copolímeros em carragenas comerciais é, portanto, importante, pois quanto maior o teor de kappa ou iota, maior a força do gel.
Os géis de carragena kappa e iota são termorreversíveis, ou seja, não sofrem alteração permanente com o aquecimento. Também exibem histerese, o que significa que possuem temperatura de gelificação e de fusão diferente.
Os géis iota derretem acima de 50C a 100°C e os géis kappa acima de 100C a 200°C. No resfriamento, se re-gelificam, o que é particularmente útil na medida em que permitem que vários ciclos de calor sejam realizados sem danos significativos à força final do gel. Os géis iota também são tixotrópicos e se reformam após destruição mecânica, propriedade que os tornam ideais em aplicações onde o enchimento a frio é necessário, como por exemplo, sobremesas multicamadas e em produtos onde a suspensão é necessária. Ambas as propriedades são vantajosas do ponto de vista do processamento.
Uma desvantagem dos géis de potássio kappa é que normalmente a sua sinérese aumenta com o tempo à medida que o gel se contrai. Outros hidrocolóides, como a goma xantana, e outros galactoglucomananos, podem ser adicionados aos géis de carragena kappa para diminuir a sinérese. A carragena iota apresenta pouca ou nenhuma sinérese, sendo um excelente aglutinante de água e podendo ser misturada com kappa para reduzir ou eliminar a sinérese. Os graus do híbrido kappa-iota também apresentam menor sinérese devido ao componente iota.
Os géis de carragena kappa não são considerados estáveis ao congelamento-descongelamento, uma vez que perdem completamente a estrutura do gel e escoam água ao descongelar. No entanto, os géis de iota possuem boa estabilidade de congelamento e descongelamento e esta é uma das principais propriedades que permite a sua aplicação em sobremesas congeladas.
A carragena kappa apresenta forte sinergia com as proteínas do leite, em particular a caseína, o que resulta na formação de um gel de leite. Em doses baixas (100 a 400 ppm) e na presença de Ca2+ ou K+, é estabelecida uma rede de gel fraca que pode atuar como estabilizante e agente de suspensão. Como a interação kappa-caseína reforça a rede de gel no leite, a quantidade de carragena necessária para formar o gel é cerca de 1/5 da necessária para obter o mesmo na água. Essa é uma propriedade exclusiva da carragena kappa e permitiu o desenvolvimento de uma aplicação de nicho em achocolatados e em alguns leites fortificados com minerais. Partículas de cacau são bem suspensas nessa rede, onde tanto a kappa refinada quanto a semi-refinada podem ser usadas. A forte reatividade de proteínas e a baixa necessidade de dose de kappa significa que é o estabilizante e agente de suspensão mais econômico para muitos produtos lácteos, incluindo achocolatados.
A carragena iota possui reatividade proteica moderada e a lambda apresenta reatividade proteica baixa. A reatividade proteica mais baixa gera viscosidade, ao invés de uma textura de gel, o que também é importante em sobremesas lácteas que requerem cremosidade. Assim como acontece com a carragena kappa, a quantidade de lambda necessária para dar viscosidade no leite é cerca de 1/10 da necessária em um sistema de água.
A carragena também é usada para estabilizar bebidas lácteas não lácteas, como soja ou amêndoa. A reatividade da proteína não é tão forte como com a caseína e, em geral, a quantidade de carragena necessária é proporcional a qualidade da proteína utilizada. Outras gomas, como LBG e gelana, são frequentemente usadas em combinação com a carragena em tais produtos.
A carragena kappa interage com outras gomas do tipo galactomanana e glucomanana, incluindo goma alfarroba, konjac, xantana, tara e acácia para formar géis que são mais fortes e de textura diferente dos géis apenas de kappa.
A goma alfarrobapode ser usada com kappa para formar géis que se aproximam da textura da gelatina, ou seja, menos quebradiços e mais elásticos. A goma alfarroba aumenta a resistência à quebra e traz coesão e rigidez ao gel. A adição de xantana torna o gel kappa mais macio, mais elástico e coeso. Também reduz a sinérese, mas um aspecto negativo é que os géis kappa/xantana tendem a reter as bolhas de ar.
A carragena kappa não é sinérgica com a goma guar e as carragenas iota e lambda não apresentam sinergia com essas outras gomas.
Conforme mencionado anteriormente, as principais áreas de aplicação para carragena são em carnes processadas, laticínios e sobremesas e geleias. Com o seu conjunto específico de propriedades funcionais, não é difícil entender por que a aplicação é mais adequada para essas áreas. As diferentes propriedades de gelificação e espessamento das carragenas iota, lambda e kappa proporcionam boa flexibilidade em uma série de setores de aplicação e também em áreas de produtos que requerem muitas texturas diferentes, como por exemplo, sobremesas lácteas.
A reatividade com a proteína do leite dá à carragena kappa uma vantagem imbatível em termos de custo quando usada em achocolatados e sorvetes, assim como a capacidade de usar carragenas semi-refinadas em carnes e laticínios também traz benefícios de custo.
Além dos segmentos-chave já citados, a carragena tem aplicação em uma gama mais ampla de produtos alimentícios, mas em grau muito menor, incluindo fórmulas infantis, diferentes produtos lácteos, iogurtes, análogos de queijo, molhos, xaropes e preparações de frutas.
A palavra “carragena" é derivada de “carrigan” ou “carrageen”, termo irlandês para Chondrus crispus ou Irish Moss, como é comumente conhecida e como foi cunhada em 1820, na Irlanda. O potencial de gelificação da carragena foi observado pela primeira vez em 1819, pelo botânico inglês Dawson Turner, ao estudar o que ele acreditava ser a alga marrom Fucus crispus, mas que, na verdade, era a alga Chondrus crispus. Na época, Dawson escreveu que a alga derrete ao ferver e depois endurece em uma gelatina, e que embora tenha falhado em seus esforços para torná-la útil, com certeza, posteriormente, seria empregada para fins úteis. Dawson estava correto ao pensar que deveria haver algum emprego útil para essa propriedade de gel, mas provavelmente não deve ter imaginado que a sua descoberta se tornaria uma indústria global de mais de um milhão de dólares.
Márcia Fani
Editora