A segurança e a qualidade dos alimentos são a principal preocupação das indústrias alimentícias, principalmente em uma época em que os consumidores estão mais conscientes sobre os parâmetros de segurança alimentar. Essa demanda abriu novos caminhos para o uso de conservantes biológicos que evoluíram de plantas, animais ou fontes microbianas, como é o caso das bacteriocinas, que oferecem uma solução viável para a conservação natural dos alimentos.
As bacteriocinas são peptídeos antimicrobianos sintetizados nos ribossomos e produzidos por espécies bacterianas que possuem atividade antagônica à cepa produtora. Esses peptídeos antimicrobianos são produzidos por várias bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e por bactérias do ácido láctico, tendo grande potencial para serem utilizados nas indústrias de alimentos por serem geralmente reconhecidos como seguros (GRAS) e por inibirem uma grande variedade de patógenos transmitidos pelos alimentos.
Quando produzidas por uma bactéria, as bacteriocinas são inibidoras de outras bactérias da mesma espécie, sendo classificadas como de espectro estreito; quando apresentam atividade de inibição contra bactérias de outro gênero, são conhecidas como bacteriocinas de amplo espectro.
Uma grande diversidade de bacteriocinas tem sido descrita na literatura científica, as quais diferem entre si quanto a composição de aminoácidos, biossíntese, transporte e modo de ação.
As bacteriocinas podem ser divididas em quatro classes. A classe I é composta pelos lantibióticos, representada pela nisina, que reúne peptídeos termoestáveis de muito baixo peso molecular (<5 kDa), caracterizados pela presença de lantionina e derivados. A classe II é composta por pequenos peptídeos termoestáveis (<10 kDa) divididos em três subclasses: IIa (pediocina e enterocina), IIb (lactocina G) e IIc (lactocina B). A classe III é representada por peptídeos termolábeis de alto peso molecular (> 30 kDa), como a helveticina J, enquanto a classe IV é representada por grandes complexos peptídicos com carboidratos ou lipídios.
Das bacteriocinas já descritas, grande parte é oriunda de bactérias Gram-positivas, destacando-se os gêneros Bacillus, Enterococcus, Lactobacillus, Lactococcus e Streptococcus. Estima-se que estejam disponíveis e descritas 177 bacteriocinas, das quais 156 (88%) são de bactérias Gram-positivas e somente 18 (10%) de bactérias Gram-negativas.
As bacteriocinas possuem muitas propriedades que as tornam aplicáveis na preservação de alimentos, como seu status GRAS; inativação por proteases digestivas; não toxicidade para células eucarióticas; e ativação em uma ampla faixa de pH e temperatura.
O potencial de aplicação de uma determinada bacteriocina pode ser predito por suas propriedades. Características como estabilidade à temperatura, pH e espectro de ação estão entre as mais importantes.
A atividade das bacteriocinas no alimento pode ser afetada por diversos fatores, como por exemplo, mudança na solubilidade e na carga eletrostática das bacteriocinas; ligação das bacteriocinas aos componentes do alimento; inativação das bacteriocinas por proteases; e mudanças na parede ou na membrana celular dos microorganismos alvo como resposta a fatores ambientais.
Alguns estudos descreveram os fatores que podem influenciar na difusão das bacteriocinas em alimentos, tais como concentração de sal, pH, nitrito e nitrato, fase aquosa disponível para difusão, conteúdo lipídico e superfície lipídica disponível para solubilização. Os estudos destacaram, ainda, que a distância que a molécula de bacteriocina precisa percorrer para alcançar a célula-alvo e o número dessas células com relação a quantidade do antimicrobiano são considerações importantes a serem feitas na predição de sua atividade.
Um dos estudos demonstrou que a Listeria monocytogenes adaptada a ambientes ácidos é mais resistente a ação de bacteriocinas, provavelmente, devido a algumas modificações que ocorrem na sua membrana celular. Essa pesquisa chama a atenção para o fato de que sistemas de resistência devem ser considerados quando a nisina é utilizada em alimentos minimamente processados.
A eficácia da ação de diferentes bacteriocinas já foi testada em vários alimentos, principalmente em produtos cárneos e laticínios. No entanto, a autorização para que uma dada bacteriocina seja regulamentada para uso em alimentos depende dos alimentos nos quais ela será usada e o seu propósito nos mesmos.
Um grande número de bacteriocinas é utilizado como conservante em uma ampla gama de produtos alimentícios, incluindo frutas, vegetais, frutos do mar, laticínios e produtos à base de carne.
As bacteriocinas têm amplas aplicações na indústria de laticínios, especialmente durante a fermentação do produto. O uso de bactérias produtoras de bacteriocina como cultura starter para a biossíntese in situ durante a fermentação do leite torna-se uma estratégia alternativa eficaz para incorporar a bacteriocina nos laticínios. A estirpe produtora de lacticina 3147, Lactococcus lactis DPC 3147, usada como cultura protetora em queijo cheddar. Outras cepas de bactérias do ácido láctico, como L. Plantarum WHE92, usada como adjuvante da cultura starter, reduzem Listeria monocytogenes, Listeria innocua e Escherichia coli O157: H7, contam no queijo como consequência da produção de plantaricina.
Na indústria cárnea, entre as várias bacteriocinas, a nisina é o único aditivo comercialmente aprovado para preservação de carne processada, apresentando grande atividade contra Listeria monocytogenes e Clostridium perfringens.
As bacteriocinas também são usadas na preservação de frutas e vegetais, mas apenas a nisina e a pediocina PA-1 são aprovadas como aditivo alimentar.
Na indústria de sucos de frutas, as bacteriocinas podem ser incorporadas diretamente na forma purificada ou semi purificada, atuando contra a Alicyclobacillus acidoterrestris, a principal causa de contaminação na indústria de sucos de frutas pasteurizados.
As bacteriocinas do ácido láctico desempenham papel muito importante na preservação de alimentos fermentados e em sua segurança microbiana, atuando principalmente na redução de Listeria monocytogenes.
Atualmente, os desafios impostos aos fabricantes de alimentos com relação à naturalidade e benefícios à saúde levaram os cientistas a explorarem meios inovadores para atender às demandas de segurança, qualidade e nutrição. Não é por acaso que as bacteriocinas estão na vanguarda dessa revolução alimentar. Seja através de culturas starter, co-culturas ou in situ, as bacteriocinas têm o potencial de cobrir um amplo campo de aplicação na indústria de alimentos, garantindo benefícios na qualidade, shelf life e segurança dos alimentos.
Nos últimos anos, o conhecimento do potencial das bacteriocinas na conservação de alimentos, adquirido por pesquisas realizadas nessa área, aumentou ainda mais a compreensão sobre os seus efeitos globais no ecossistema alimentar e licenciou abordagens mais estáveis para a sua aplicação em produtos alimentícios.