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Ácido linoléico conjugado como ingrediente funcional

O leite contém uma série de componentes com propriedades benéficas. Um desses compostos associado à fase gordurosa é o ácido linoleico conjugado (Conjugated Linoleic Acid - CLA), que possui potenciais benefícios para a saúde dos seres humanos.

O ácido linoleico conjugado, mais conhecido como CLA, refere-se a uma mistura de isômeros posicionais e geométricos de ácido linoleico (cis-9, cis-12, C18:2), com duas ligações duplas conjugadas em várias posições de carbono na cadeia de ácido graxo. É formado como um intermediário durante a biohidrogenação do ácido linoleico pela isomerase da bactéria ruminal Butyrivibrio fibrisolvens, ou da conversão endógena do trans-11, C18:1 (ácido transvacênico), outro intermediário da biohidrogenação ácida do linoleico ou linolênico por ∆9-dessaturase na glândula mamária.

O CLA inclui 28 isômeros posicionais e geométricos dos quais apenas cis-9, trans-11 e trans-10, cis-12, tem provado possuir atividades biológicas. Dos dois isômeros fisicamente importantes, cis-9, trans -11 (ácido rumênico) é o mais prevalente, compreendendo 80% a90% do CLA total em produtos alimentícios de ruminantes onde, trans-10, cis-12 está presente em pequenas quantidades em 3% a 5% do CLA total.

A formação dos isômeros do CLA no leite é realizada por meio de reações de isomerização e biohidrogenação dos ácidos graxos insaturados presentes na ração e no regime alimentar dos animais. Essas reações são produzidas pelas bactérias ruminais e pela atividade enzimática da Δ9-dessaturase na glândula mamária. O ácido linoleico ingerido na dieta é primeiramente isomerizado em ácido rumênico (C18: 2 cis9, trans11) pela enzima cis-12, trans-11 isomerase e, então, biohidrogenado em ácido vacênico (C18: 1 trans11) no rúmen pelo bactéria Butyrivibrio fibrisolvens. Essa bactéria anaeróbia também é responsável pela formação dos ácidos rumênico e vacênico a partir dos ácidos α-linolênico (C18: 3 cis9, cis12, cis15) e ɣ-linolênico (C18: 3 cis6, cis9, cis12). Se a isomerização inicial do ácido C18: 2 cis9, cis12 envolve a ligação dupla cis12, o isômero C18: 2 cis9, trans11 é produzido, enquanto se a ligação dupla inicial isomerizada é o cis9, o isômero C18: 2 trans10, o cis12 é produzido principalmente.

Na glândula mamária, a reação bioquímica da enzima Δ9-dessaturase com o ácido vacênico leva à produção de 70% a 90% do isômero C18: 2 cis9, trans11. Os outros isômeros do CLA, incluindo o C18: 2 trans10, cis12, são produtos intermediários das reações de biohidrogenação no rúmen. Assim, suas concentrações no leite são inferiores às do ácido rumênico.

O CLA ocorre em muitos alimentos, no entanto, suas principais fontes dietéticas são laticínios e outros alimentos derivados de ruminantes.

A gordura do leite é a fonte dietética natural mais rica de ácido linoleico conjugado. O leite contém em média 4,5mg de CLA/g de gordura. Estudos recentes mostraram que o conteúdo de ácido linoleico conjugado da gordura do leite pode ser acentuadamente aumentado pela manipulação da dieta, especialmente aquelas envolvendo a adição de óleos vegetais, que são ricos em ácidos graxos insaturados. O aumento dietético de ácido linoleico e ácido linolênico é uma das estratégias de alimentação para aumentar a concentração de ácido linoleico conjugado no leite.

A concentração de CLA no leite de vaca normalmente varia entre 2 a 37mg/g de gordura. Em leites pasteurizados o teor de CLA pode chegar 30mg/g de gordura.

O estágio de lactação, a microflora ruminal e o tipo de alimento oferecido aos animais são alguns dos fatores que influenciam a concentração de CLA no leite. Porém, levando-se em consideração que os isômeros de CLA são sintetizados principalmente a partir dos ácidos graxos insaturados ingeridos pelos animais, a dieta é o fator que mais afeta o conteúdo de CLA na gordura do leite.

Comercialmente, o CLA pode ser produzido pela isomerização do ácido linoleico sob fortes condições alcalinas, que produz misturas complexas de CLA contendo dois isômeros predominantes: 9c, 11t-18:2 (43% a 45%) e 10t, 12c-18:2 (43% a 45%). Esses dois isômeros principais são acompanhados por pequenas quantidades de outros isômeros de CLA com ligações duplas nas posições 8,10 ou 11,13. Além dos isômeros cis-trans e trans-cis, são formados os isômeros CLA allcis e all-trans. Variando o solvente utilizado (etilenoglicol, glicerol, propilenoglicol, terc-butanol, água, dimetilsulfosídeo (DMSO), N, N-dimetilformamida (DMF), os catalisadores (hidróxido de lítio, sódio ou potássio) ou os vasos de reação, é possível obter várias misturas de CLA com diferentes propriedades e enriquecimento de isômeros únicos.

Os isômeros de CLA puros também podem ser produzidos por sínteses estereosseletivas totais em múltiplas etapas, em pequenas quantidades (até 1g); a pureza isomérica pode ser superior a 98%. A síntese estereosseletiva garante a estrutura química exata da molécula final e limita a formação de subprodutos devido aos diversos procedimentos de purificação realizados durante a síntese.

Os conteúdos de CLA são atualmente determinados usando cromatografia gasosa (GC) acoplada a um detector de ionização de chama (FID). Para obter uma boa separação dos isômeros de CLA, são utilizadas colunas capilares polares de 50 e 100 m de comprimento. Embora uma boa separação dos isômeros CLA possa ser alcançada, alguns dos isômeros posicionais, por exemplo 7t, 9c-18: 2 e 9c, 11t-18: 2, coeluem e as amostras devem ser analisadas usando outras técnicas.

A determinação estrutural exata dos isômeros de CLA é possível usando diferentes métodos espectroscópicos. A análise geralmente é feita usando GC juntamente com espectrometria de massa (MS). Portanto, os FAME são transformados em um aduto 4-metil-1,2,4-triazolina-3,5-diona (MTAD) ou um derivado 4,4-dimetiloxazolina (DMOX). O uso desses derivados em GC-MS permite a localização da posição da ligação dupla na molécula de ácido graxo. Para obter informações sobre a configuração da ligação dupla, é aplicada a espectroscopia de infravermelho transformada por GC-Fourier (FTIR).

O CLA é encontrado em vários produtos alimentícios, em maiores proporções nos lácteos e carne bovina e, em quantidades menores, na carne suína e aves.

As concentrações de CLA em produtos lácteos variam de 2,9 a 8,2mg/g de gordura, sendo que o isômero cis-9, trans-11 representa entre 73% a 93 % do total de CLA. Os leites de espécies ruminantes, como bovinos, caprinos, ovinos e bubalinos, são os que apresentam maior concentração de CLA, devido a capacidade desses animais de converter ácidos graxos insaturados em ácido linoleico conjugado.

No leite, o conteúdo de CLA pode ser modificado pela manipulação da alimentação dos animais lactantes. Concentrações maiores de CLA foram observadas no leite de animais alimentados com pasto fresco, em detrimento daqueles alimentados com ração.

Maiores teores de CLA no leite também podem ser obtidos a partir da suplementação das rações com óleo ou sementes oleaginosas ricas em ácido linoleico e α-linolênico, como linhaça, girassol, canola e soja ou, ainda, óleo de peixe.

Em relação aos derivados lácteos, a concentração de CLA é determinada pela concentração inicial deste no leite empregado como matéria-prima ou devido ao enriquecimento do produto. Em relação ao teor de CLA em iogurte, o tipo de leite e a tecnologia de fabricação interferem de forma significativa, sendo que os valores variam na faixa de 0,128g/100g até 1.501g/100g de gordura.

O teor de CLA em queijos pode variar de 0,05 a 2,86g/100g de gordura, onde o tipo de leite, a alimentação e a origem geográfica afetam a concentração desses ácidos graxos. Quanto ao tipo de queijo, o período de maturação interfere nos teores de CLA, sendo maior para aqueles mais maturados, enquanto o processo tecnológico (cozimento ou não da massa) e o teor de umidade não interferem significativamente.

Diante dos efeitos benéficos atribuídos ao CLA, uma das alternativas para aumentar o seu teor em leite e derivados é a utilização de métodos de enriquecimento.

Nesse sentido, o setor lácteo é o mais promissor, uma vez que algumas espécies microbianas que possuem a capacidade de produzir CLA também são responsáveis pela fermentação de produtos lácteos, o que possibilita a produção de leite fermentado com superior teor de CLA, adicionado naturalmente ao produto.

Como o leite e seus derivados são os alimentos que fornecem as maiores quantidades de CLA na dieta humana, diversas alternativas tecnológicas têm sido avaliadas para aumentar a concentração de CLA nesses produtos de forma natural.

A manipulação da dieta dos animais tem permitido aumentar o teor de CLA no leite, enquanto a fermentação com microrganismos com atividade de linoleato isomerase tem sido empregada como uma promissora alternativa tecnológica para a fabricação de produtos lácteos fermentados com alto teor de CLA.

No entanto, muitos fatores podem influenciar a concentração de CLA no leite e nos leites fermentados. Embora os mecanismos que regem a biossíntese do CLA durante a fermentação do leite ainda sejam desconhecidos, é evidente que essa reação depende principalmente do tipo de cepa. Várias cepas de microrganismos de qualidade alimentar, como Bifidobacterium, Lactobacillus e Propionibacterium, mostraram capacidade de produção de CLA a partir do ácido linoleico em meios de cultura à base de leite.

A composição do substrato também é um fator importante na produção de CLA em leites fermentados. A adição de fibras de frutas e prebióticos, como maltodextrina e FOS, tem se mostrado um método eficaz para aumentar a concentração de CLA em leites fermentados fabricados com culturas tradicionais de iogurte em combinação com cepas probióticas como L. acidophilus, que podem ser um indicador dos efeitos sinérgicos que ocorrem na produção de CLA nesse tipo de lácteo. Da mesma forma, a suplementação com ácido linoleico levou a aumentos significativos na concentração de CLA no iogurte e outros leites fermentados. No entanto, a adição de ácidos graxos livres pode, por um lado, aumentar os custos de produção e, por outro, ser restrita devido à toxicidade que esse tipo de composto pode proporcionar em altas concentrações.

O uso de células permeabilizadas pode ser uma alternativa tecnológica de baixo custo para a produção de CLA, pois supera os problemas relacionados à purificação da enzima linoleato isomerase dos microrganismos e à baixa permeabilidade do ácido linoleico às células microbianas. Além disso, esses biocatalisadores podem ser reutilizados várias vezes sem perda perceptível de atividade.

Tecnologias como a hidrólise enzimática, associada a transesterificação ou ao emprego de dióxido de carbono supercrítico, contribuem para a obtenção de gordura com maior teor de CLA.

A adição direta de CLA também é apontada como uma possível alternativa aos baixos conteúdos do ácido graxo poliinsaturado em alimentos. Contudo, o desenvolvimento de sabor e aroma indesejáveis, bem como a perda da qualidade nutricional nos alimentos enriquecidos com CLA, pode ocorrer devido à baixa estabilidade oxidativa de suas insaturações conjugadas.

A microencapsulação do CLA, antes da sua incorporação em alimentos, pode ser considerada uma alternativa. Diante da dificuldade de incorporação direta do CLA em alimentos, a síntese deste composto a partir da ação de bactérias ácido lácticas pode representar uma alternativa à produção de alimentos enriquecidos com CLA, com características sensoriais agradáveis.




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