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Os desafios tecnológicos e nutricionais na formulação de produtos sem glúten

O glúten é uma proteína amorfa, composta basicamente pela mistura de cadeias proteicas longas de gliadina e glutenina, encontradas dentro de grãos de trigo, cevada e centeio, mais precisamente no endosperma, que é a reserva nutritiva do embrião da planta. Sua fração proteica apresenta propriedades únicas para a construção das estruturas que são usadas no processamento de alimentos.

Tanto a gliadina, quanto a glutenina, são importantes para a formação da rede e da qualidade do produto final. A gliadina é a fração proteica da farinha de trigo, solúvel em etanol a 70%, e está essencialmente presente nos extratos de grãos de trigo como proteínas monoméricas. A glutenina, por outro lado, é a fração proteica que não pode ser extraída com água, soluções salinas diluídas e etanol a 70%, sendo frequentemente chamada de glúten polimérico. Nessa rede de proteínas, a gliadina fornece aumento da viscosidade, enquanto as propriedades elásticas da rede e da massa de farinha de trigo derivam predominantemente da fração de glutenina.

Além da formação da rede, a funcionalidade do glúten nos alimentos inclui ligação à água e a produção de viscosidade, o que faz do glúten um aditivo alimentício amplamente utilizado na indústria de alimentos.

O glúten está presente em muitos alimentos consumidos diariamente, como pão, macarrão, biscoito e, inclusive, na cerveja. É encontrado nos cereais e possui grande valor nutricional, com alto índice de proteínas e baixo conteúdo de carboidratos. Tanto os grãos como as sementes são alimentos dos quais se obtém fibras, todas as vitaminas do complexo B, carboidratos, potássio, selênio, ferro e magnésio, sendo uma excelente fonte de proteínas.

O glúten mais utilizado é o proveniente do trigo. Além da sua aplicação em diferentes preparações culinárias, é muito útil na elaboração de alimentos para conferir aparência mais espessa ou para unir ingredientes, já que se pode adicionar a ele farinha e água, formando uma massa.

A importância do glúten na indústria de alimentos se deve essencialmente as propriedades de suas proteínas. Funcionalmente, em preparações que necessitam de crescimento, o glúten forma finas membranas que retêm as bolhas de gás promovidas pelo fermento. Além disso, em contato com o calor, o glúten desnatura, formando uma crosta que limita os orifícios produzidos pela expansão do gás no interior da massa e confere uma característica crocante aos produtos.

Uma das maiores aplicações do glúten é na indústria de panificação. Embora não seja um componente direto da formulação desses produtos, é formado quando a farinha de trigo, a água e os demais ingredientes do pão são misturados e sofrem a ação de trabalho mecânico. À medida que a água começa a interagir com as proteínas insolúveis da farinha de trigo (glutenina e gliadina), a rede de glúten começa a ser formada. O interesse pelo glúten nos processos de panificação está basicamente ligado à sua capacidade de fornecer extensibilidade e consistência à massa, além de reter o gás carbônico proveniente da fermentação, promovendo o aumento de volume desejado.

No setor de panificação, o glúten é utilizado para a fortificação de farinhas com teor de proteína menor do que o desejado; e aumento da qualidade da farinha, deixando-a equivalente a uma farinha com alto teor proteico. Também é recomendado para a produção de pães especiais, com adição de fibras, cereais, grãos e outros ingredientes inertes, onde as partículas grandes adicionadas danificam a rede gasosa da massa; e, ainda, para uso na produção de panetones, em que a etapa de fermentação é longa, sendo o volume de grande importância, ou quando a farinha de trigo utilizada possui baixa quantidade ou qualidade de glúten.

A ausência de glúten resulta, frequentemente, em uma massa líquida em lugar de uma massa pré-cozida e pode resultar em um pão cozido com textura esmigalhada, cor pobre e defeitos na qualidade.

Nutricionalmente, o glúten é um termo usado para se referir a determinadas prolaminas de cereais, ou seja, proteínas de trigo, centeio, cevada, seus grãos cruzados e aveia, solúveis em etanol. Essas prolaminas são muito importantes no contexto da doença celíaca, sensibilidade não celíaca ao glúten, ataxia do glúten e dermatite herpetiforme. Para as pessoas que sofrem dessas doenças, o único tratamento eficaz consiste em eliminar o glúten completamente da sua dieta.

Além disso, a busca por um estilo de vida mais saudável vem influenciando as decisões alimentares e, cada vez mais, os produtos glúten free são vistos como saudáveis em comparação a seus equivalentes convencionais.

Contudo, desenvolver produtos sem glúten é uma tarefa desafiadora, principalmente no setor de panificação, cuja qualidade do produto é muito dependente das propriedades e funcionalidades do glúten; assar pão sem glúten remove essencialmente o ingrediente mais crucial para a estrutura e a qualidade do produto. Além disso, produtos sem glúten são frequentemente consumidos por pessoas que tiveram a oportunidade de experimentar e desfrutar de alimentos que contém glúten e que, portanto, já têm expectativas do produto em termos de textura, estrutura, sabor e qualidade geral. Além de projetar produtos sem glúten que imitam a textura de produtos contendo glúten, tais produtos também precisam conter o mesmo perfil sensorial e prazo de validade.

Primeiramente, a formulação de massas glúten free requer o conhecimento profundo das propriedades dos componentes das farinhas e amidos sem glúten para, em seguida, selecionar os aditivos apropriados que podem para promover uma massa coesa no produto.

Na tentativa de imitar a coesão e elasticidade de uma massa contendo glúten, uma ampla gama de ingredientes e/ou aditivos alternativos foi testada. Os mais promissores na substituição do glúten incluem amidos, farinhas de cereais/pseudocereais, hidrocoloides e proteínas. Os ingredientes adicionados selecionados para ajudar a construir e fortalecer a massa sem glúten são enzimas e emulsificantes. Tais combinações são frequentemente usadas para melhorar as características reológicas do produto sem glúten.

O amido ocorre naturalmente em produtos à base de trigo, sendo que 80% da farinha de trigo consiste em amido. Embora a atuação do amido seja quase inerte durante as fases iniciais da panificação, parte do amido gelatiniza após o cozimento, desempenhando, portanto, papel fundamental na definição da estrutura. Nos produtos sem glúten, uma opção é o uso de fontes alternativas de amido, como por exemplo, farinha de mandioca, tapioca, milho, batata, feijão e arroz. Outra opção são as farinhas de pseudocereais, como amaranto, trigo sarraceno, chia e quinoa, ou ainda, as farinhas de cereais que não contêm glúten, como sorgo, arroz e milho. Além destas opções, as farinhas de leguminosas (grão de bico, ervilha, alfarroba e soja) e de castanhas também podem ser usadas com sucesso no desenvolvimento de produtos sem glúten.

Quanto aos aditivos alimentícios, um dos mais utilizados como auxiliar de processamento para melhorar a qualidade do produto sem glúten é a fibra alimentar, cuja adição não apenas compensa a perda nutricional ao excluir a farinha de trigo ou a farinha integral da receita do produto, mas também introduz um ingrediente com excelente capacidade de ligação à água, aumento de viscosidade e formação de gel, resultando na reintrodução das características de espessamento e texturização do produto no processo sem glúten. Algumas fibras alimentares usadas em produtos sem glúten são β-glucana, inulina, oligofrutose, mucilagem de linhaça, bagaço de maçã, fibra de alfarroba, fibra de bambu, polidextrose e amido resistente. Já entre os hidrocoloides mais populares na substituição do glúten estão a goma xantana e a hidroxipropilmetilcelulose, além da pectina, goma guar, goma alfarroba, agarose, goma tragacanta, goma de semente de agrião e carboximetilcelulose.

O glúten é essencialmente uma proteína e explorar proteínas alternativas para compensar a perda da funcionalidade em produtos sem glúten é, logicamente, o caminho mais óbvio. A proteína mais promissora em termos de aumento de volume é a albumina. Sensorialmente, a proteína de ervilha se mostra mais adequada do que a proteína de soja nessa substituição. Alguns exemplos de proteínas utilizadas são as de leguminosas, ovos, laticínios e cereais sem glúten. Essas proteínas ou fontes de proteínas alternativas também exibem um melhor perfil de aminoácidos do que o glúten, que é deficiente em aminoácidos essenciais, como a lisina e, portanto, não pode ser considerado uma proteína equilibrada.

Além de serem preferidas em substituição ao glúten do ponto de vista nutricional, essas proteínas alternativas também apresentam características sensoriais muito apreciadas, pois estão envolvidas nas reações de escurecimento (reação de Maillard), que não apenas melhoram a cor do produto, mas também o seu sabor, em comparação, por exemplo, com produtos sem glúten à base de hidrocoloides. No entanto, o aumento do escurecimento nem sempre pode ser percebido como o desejável.

Como auxiliares de processamento, as enzimas são frequentemente escolhidas com base no seu potencial de induzir a formação de interrupções entre os polímeros presentes na receita do produto, desencadeando a formação de uma rede semelhante à do glúten, bem como a despolimerização. Algumas dessas enzimas incluem as transglutaminase, glicose oxidase, tirosinase e lacase. Além disso, a proteólise, através da adição de peptidases, também é uma alternativa viável. Na farinha de arroz, por exemplo, a degradação da fração proteica de alto peso molecular do arroz é necessária para permitir que pequenos agregados de proteína reticulem através de ligações dissulfeto. Esse processo ajuda a garantir melhores propriedades reológicas, melhor retenção de gás durante o cozimento e aumento da qualidade geral do produto. As enzimas hidrolisantes de amido, como a alfa-amilase e a amiloglicosidase, também podem ser adicionadas em algumas receitas de produtos. Uma das razões para a adição de alfa-amilase é a produção in situ de açúcares para sustentar a atividade das leveduras.

Em produtos de panificação sem glúten, emulsificantes como ésteres diacetiltartáricos de monoglicerídeos, mono- e diacilglicerol, lecitina e estearoil-2-lactilato de sódio são usados para estabelecer melhores interações entre os diferentes ingredientes. Os emulsificantes também podem desempenhar papel na estabilização de interfaces água/ar ou água/lipídios.

Além da escolha racional de ingredientes e aditivos, diferentes alternativas de processamento para alterar o conteúdo de glúten de farinhas que contêm glúten e melhorar as propriedades reológicas de produtos sem glúten, principalmente massa sem glúten, foram amplamente exploradas. Entre as tecnologias que eliminam, ou reduzem significativamente os níveis de glúten, destacam-se a hidrólise de proteínas e a fermentação.

Os produtos da hidrólise devem ser divididos em menos de nove aminoácidos para não provocar nenhuma reação no trato gastrointestinal de pessoas que sofrem de doença celíaca. Da mesma forma, o uso de grãos germinados para formular produtos seguros para pacientes celíacos baseia-se em extensa hidrólise de proteínas, reduzindo a resposta imune ao glúten hidrolisado no produto. Neste último caso, as condições de germinação precisam ser rigorosamente controladas e monitoradas, não apenas para garantir a hidrólise adequada do glúten, mas também para reter alguma funcionalidade da farinha de trigo.

A fermentação da massa é outra estratégia plausível para reduzir o nível de glúten que desencadeia a resposta imune. Nessa estrutura, a seleção correta de bactérias do ácido láctico que exibem atividade da peptidase, hidrolisando as ligações peptídicas apropriadas, é crucial.

A substituição do glúten em vários produtos alimentícios é desafiadora, mas não impossível. Pesquisas e experimentos levaram à evolução desse mercado nos últimos anos e hoje, ingredientes como grãos antigos e leguminosas estão adicionando fibras e outros atributos de saúde a essa classe de produtos, além das formulações mais recentes também possuírem proteínas, fibras e outros nutrientes.








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