O ácido cítrico, ou citrato de hidrogênio, é um ácido orgânico tricarboxílico presente na maioria das frutas, sobretudo em cítricos como o limão e a laranja. É usado na indústria alimentícia como acidulante e antioxidante na fabricação de refrigerantes, sobremesas, conservas de frutas, geleias, doces e vinhos, bem como na composição de sabores artificiais de refrescos em pó e na preparação de alimentos gelatinosos. Previne a turbidez, auxilia na retenção da carbonatação, potencializa os conservantes, confere sabor frutal característico, prolonga a estabilidade da vitamina C, reduz alterações de cor e realça os aromas.
A produção industrial do ácido cítrico pode ser feita por via química ou via fermentativa, sendo está última a mais utilizada e responsável por mais de 90% da sua produção, uma vez que é mais econômica e simples; uma pequena parte ainda é obtido de frutas cítricas.
A fabricação de ácido cítrico pode ser realizada através de três processos: Koji, no qual o substrato é sólido, sendo utilizada uma linhagem específica de Aspergillus niger; fermentação em superfície, onde o micélio do fungo (Aspergillus niger) cresce sobre a superfície do meio de cultura estático, sendo o produto da fermentação recolhido do meio; e fermentação por cultura submersa, onde o fungo se desenvolve inteiramente submerso no meio de cultura líquido sob agitação, que serve para assegurar a homogeneidade tanto da distribuição dos microrganismos quanto dos nutrientes.
O termo fermentação em estado sólido, ou fermentação semi sólida, ou ainda, fermentação em meio semi sólido, aplica-se ao processo de crescimento de microrganismos sobre substratos sólidos sem a presença de água livre. A água presente nesses sistemas encontra-se ligada à fase sólida, formando uma fina camada na superfície das partículas. A fermentação em estado sólido também apresenta algumas características: a fase sólida atua como fonte de carbono, nitrogênio e demais componentes, além de servir como suporte para o crescimento das células microbianas; o ar, necessário ao desenvolvimento microbiano, deve atravessar os espaços vazios do meio a pressões relativamente baixas; o substrato não deve apresentar aglomeração das suas partículas individuais; e o crescimento microbiano ocorre em condições mais próximas às dos habitats naturais.
Os substratos para a fermentação em estado sólido são, em geral, resíduos ou subprodutos da agroindústria. Farelos, cascas, bagaços e outros materiais são considerados viáveis para a biotransformação. A estrutura desses materiais tem como principais componentes celulose, hemicelulose, lignina, amido, pectina e proteínas, o que os caracteriza como materiais extremamente heterogêneos e que servem tanto como fonte de carbono e energia quanto de suporte para o crescimento microbiano.
Processo koji
Em escala comercial, uma das principais aplicações da fermentação em estado sólido é a produção de ácido cítrico a partir de farelo de trigo. Esse processo é também conhecido por Koji. Antes da esterilização, o pH do farelo é ajustado para ficar entre 4 e 5. Cuidados devem ser tomados para que a concentração final de água no farelo, depois da esterilização, seja de 70% a 80%. Quando o farelo estiver em uma temperatura entre 30°C a 36°C, é inoculado em Koji (preparado prévio contendo amilases e proteases), que é feito com uma cepa apropriada de Aspergillus niger, não tão susceptível à presença de íons de ferro como as usadas em outros processos. A temperatura durante a fermentação não deve exceder 28°C. A adição de 3% a 7 % de massa filtrada de fermentação de ácido glutâmico aumenta a produção. O amido originalmente presente no farelo é sacarificado pela amilase do Aspergillus niger. A adição de α-amilase ao farelo, depois de resfriado, também é proveitosa. O farelo inoculado é distribuído em bandejas com profundidade de 3 a 5 cm, ou disposto em camadas pouco espessas em uma superfície plana. Depois de cinco a oito dias, o Koji é recolhido, colocado em percoladores e o ácido cítrico extraído como água. Os métodos de separação e purificação são essencialmente os mesmos utilizados nos outros dois processos.
Processo de fermentação em superfície
O processo de fermentação em superfície foi o primeiro a fornecer ácido cítrico a baixo preço e ainda é utilizado por muitos fabricantes. Nesse processo, o mosto inoculado é distribuído em bandejas rasas, feitas de alumínio com alto teor de pureza ou de aço inoxidável. Ar úmido é soprado sobre a superfície do mosto por cinco ou seis dias, passando-se, depois a utilizar ar seco. Os esporos germinam dentro de 24 horas e o micélio cobre a superfície do mosto. Oito ou 10 dias depois da inoculação, a concentração de açúcar é reduzida de 20% a 25% para 1% a 3 %. Quando a fermentação termina, o mosto pode ser drenado e substituído por outro novo. Nesse caso, devem ser tomados os cuidados necessários para garantir que o micélio continuará flutuando sobre a superfície, pois se ele for submerso, torna-se inativo. Isso faz com que o tempo do ciclo de fermentação seja reduzido, já que o período inicial de crescimento de três dias, no qual a produção de ácido cítrico é pequena, estará sendo eliminado. As fontes de carbono de escolha são a sacarose e os melaços de cana e de beterraba. Como a concentração de íons metálicos interfere no rendimento da fermentação, devem ser removidos ou ter a sua concentração reduzida quando esses íons estiverem presentes em quantidades indesejáveis no mosto. O pH do meio de cultura para a produção de ácido cítrico é usualmente de 5 a 6 na faixa inicial, caindo na fase de germinação do esporo rapidamente para a faixa de 1,5 a 2,0, devido a remoção de íons de amônio do meio. Se aumentar ou for ajustado para 3,5 (aproximadamente) depois da mudança inicial, ocorre a formação de ácido oxálico no micélio que, às vezes, é excretado para o meio e dificulta a purificação do ácido cítrico. A produção nesse processo é de aproximadamente 80% a 85% da massa de carboidratos inicialmente fornecida.
Processo por cultura submersa
O processo de fermentação por cultura submersa foi descrito em 1930, usando Aspergillus niger japonicus, borbulhando brandamente uma corrente de ar em um meio de cultura de 15 cm de profundidade, obtendo dessa forma o crescimento do micélio submerso e detectando a presença de ácido cítrico no meio, mas em quantidades inferiores a produção observada na fermentação de superfície. Em 1933, foram descritos os experimentos com um meio sendo agitado e, em 1938, aplicou-se também para a fermentação submersa a ideia de deficiência de fosfato; no entanto, nenhum dos dois reconheceu a influência da presença de traços de íons metálicos no rendimento da fermentação.
Em 1944, foi obtida uma patente para a fermentação de cultura submersa por crescimento de Aspergillus niger em um meio rico em fosfato, com posterior transferência para outro meio sem fosfato, ou pelo método de crescimento do micélio em um meio no qual inicialmente não havia sido fornecida a quantidade adequada de fosfato. Supunha-se que o crescimento do micélio poderia remover todo o fosfato do meio, deixando-o livre dessa substância. Em 1953, descobriu-se que a adição de metanol nos meios de cultura resultava no aumento da produção de ácido cítrico. Todavia, não se obteve um processo comercialmente viável. Em 1947 e 1948, pesquisas demonstraram que quando íons de manganês ou de ferro estavam presentes em concentrações suficientes, pouco ou nenhum ácido cítrico era produzido no meio. Contudo, o Aspergillus niger crescia muito melhor quando esses íons eram fornecidos em quantidades menores.
A remoção dos íons metálicos indesejáveis do meio por troca iônica foi demonstrada em 1949, e o uso do íon cobre como um antagonista do ferro foi descoberto em 1957, tornando possível o uso comercial do processo. As vantagens do processo de fermentação submersa sobre o de superfície em termos de custos de investimento e operação induziram pesquisadores a procurar desenvolvê-lo para a obtenção de ácido cítrico. O meio de cultura no processo de fermentação submerso é esterilizado por meio rápido, ou ultra rápido, por passagem de vapor com fluxo turbulento através de tubos de trocadores de calor com camisas de vapor e imediatamente resfriado até aproximadamente 30°C em outro trocador de calor. O inóculo habitualmente usado são esporos de uma cepa adequada de Aspergillus niger cultivada em meio nutriente sólido. A composição do meio de cultura inclui, além da fonte de carboidratos, a concentração desses íons adicionados ao meio para neutralizar os íons de cobre e os íons de ferro que variam de 0,1 a 50,0mg/l, dependendo da quantidade de ferro presente no meio.
Caso o meio contenha uma quantidade de ferro muito baixa, deve-se suprir essa deficiência, até que se atinja uma faixa de 0,1 a 0,2mg/l. O pH deve ser ajustado antes da inoculação com íon amônio para aproximadamente 4,0. Durante a fermentação, o pH muda rapidamente para a faixa de 1,5 a 2,0. Pouco ácido cítrico é formado antes do pH atingir esse nível. A aeração da cultura submersa deve ser contínua na taxa de 0,5 a 1,15 v/v de solução por minuto e não pode ser interrompida, pois mesmo um breve lapso no suprimento de ar pode cessar o processo por vários dias e a agitação mecânica não é necessária. Agentes antiespumantes devem ser adicionados para evitar perdas devidas ao excesso de espuma. Os fermentadores de aço comum devem ser adequadamente revestidos para evitar a contaminação com íons metálicos. Podem ser usadas também como fontes de carboidratos, para a produção de ácido cítrico, soluções concentradas de xarope de cana-de-açúcar (com 30% a 35% de açúcar invertido, uma mistura de glicose e frutose, ambos os açúcares na mesma proporção), de glicose ou de sacarose, (tratadas com ferrocianeto para a remoção ou complexação do ferro presente no substrato). O processo de fermentação empregado é descontínuo, uma vez que técnicas de fermentação contínua não são adequadas para a produção de ácido cítrico por serem muito dispendiosas e, provavelmente, economicamente inviáveis.
Para a separação do produto desejado, o meio filtrado deverá ser submetido à outra filtração caso esteja turvo, devido à presença de resíduos de antiespumante, de micélio ou de oxalato. O citrato é precipitado da solução por adição de suspensão de hidróxido de cálcio, que deverá ter um baixo teor de magnésio para não haver formação de citrato de magnésio, que é solúvel em água. Em seguida, o citrato de cálcio é filtrado e a massa transferida para um tanque, onde será tratada com ácido sulfúrico para precipitar o sulfato de cálcio. O sobrenadante contendo o ácido cítrico é purificado por tratamento com carvão ativado e desmineralizado por sucessivas passagens através de colunas com resina de troca iônica; a solução purificada é então cristalizada por evaporação, sendo os cristais removidos por centrifugação.
Márcia Fani
Editora