O termo rancidez é usado para descrever vários mecanismos pelos quais os lipídios se deterioram.
Os lipídios, ou seja, os óleos e as gorduras, constituem os principais componentes insolúveis em água presentes em alimentos, sendo encontrados quase sempre na forma de trigliceróis. Compostos por ácidos graxos, os trigliceróis desempenham importante papel na qualidade sensorial dos alimentos e em seu valor nutritivo, por serem fontes de energia, de ácidos graxos essenciais (principalmente o ácido linoléico) e de vitaminas lipossolúveis.
Em alimentos, os ácidos graxos podem ser saturados ou insaturados. Os ácidos graxos insaturados apresentam as configurações cis ou trans e são as estruturas mais susceptíveis ao processo oxidativo. Os ácidos graxos na configuração trans estão presentes naturalmente em gorduras de animais ruminantes (devido ao processo de biohidrogenação) e em produtos alimentícios industrializados, como margarinas, cremes vegetais, biscoitos, sorvetes e outros (devido ao processo de hidrogenação de óleos vegetais).
Durante o processamento e o armazenamento de alimentos que contém lipídios em sua constituição, o principal mecanismo de deterioração é a oxidação lipídica que pode tornar o alimento inaceitável sensorialmente, bem como produzir substâncias potencialmente tóxicas.
Alimentos com elevado teor de lipídios são altamente perecíveis devido, principalmente, a ocorrência de processos oxidativos aos quais os óleos estão expostos.
A oxidação dos constituintes lipídicos constitui uma reação importante que limita a vida de prateleira de vários alimentos. As alterações na qualidade dos alimentos podem ser percebidas pelas mudanças nas características sensoriais, no valor nutricional e pela produção de compostos potencialmente tóxicos. Esses processos de oxidação lipídica envolvem a reação de ácidos graxos insaturados com o oxigênio. Dessa forma, a estabilidade de determinado alimento fonte de lipídios depende da proporção de ácidos graxos saturados e insaturados.
Os principais problemas decorrentes da oxidação lipídica são as alterações sensoriais, envolvendo o desenvolvimento de aromas desagradáveis (ranço), o que torna o alimento impróprio para consumo. A rancidez oxidativa ocorre em lipídios contendo ácidos graxos insaturados, que podem sofrer oxidação formando aldeídos, cetonas, ácidos, alcoóis e hidrocarbonetos, os quais identificam o fenômeno da rancidez, que representa importante causa de rejeição de produtos pelo consumidor, podendo provocar alterações na sua qualidade nutricional, devido a degradação de vitaminas lipossolúveis e de ácidos graxos essenciais, principalmente do ácido linoléico, o qual é rapidamente perdido.
A magnitude de processos oxidativos depende de fatores do próprio alimento (teor de água e a presença de substância pró-oxidantes) e das condições de processamento e armazenamento, como sua exposição à atmosferas gasosas e à luz. Alguns componentes presentes no alimento, como ácidos graxos livres e fosfolipídios podem aumentar potencialmente as taxas de oxidação lipídica. Por outro lado, as proteínas são capazes de inibir a oxidação lipídica.
Os processos oxidativos ocorrem principalmente quando o alimento apresenta valores de atividade de água inferiores a 0,3, pois nessa faixa atinge-se a zona de adsorção que propicia a ação catalítica dos metais, favorecendo o desenvolvimento das reações de oxidação de lipídios.
As emulsões de óleo em água, como por exemplo as observadas em alimentos como leite, maionese, molhos para saladas, sopas, bebidas e cremes, podem sofrer oxidação lipídica rapidamente devido a sua grande área superficial.
Durante o processamento de alimentos por meio de fritura, o óleo utilizado também é passível de sofrer diversas reações, incluindo os processos oxidativos (hidrólise e oxidação) e a polimerização.
A deterioração de alimentos ocorre durante o seu processamento e armazenamento, podendo estar relacionada com processos oxidativos e microbiológicos que levam ao desenvolvimento de características que tornam o produto impróprio para o consumo.
A rancidez constitui um importante problema técnico nas indústrias de alimentos e pode ocorrer através de duas formas diferentes: rancidez oxidativa, causada pela auto-oxidação dos triacilgliceróis com ácidos graxos insaturados por oxigênio atmosférico; ou rancidez hidrolítica, causada pela hidrólise da ligação éster por lipase ou agente químico na presença de umidade.
Os processos oxidativos abrangem a oxidação enzimática, a auto-oxidação e a foto-oxidação.
A oxidação por via enzimática ocorre pela ação das lipoxigenases (linoleato: oxigênio oxidoredutase) que são dioxigenases que catalisam a adição do oxigênio molecular ao sistema cis, 1,4 - pentadieno dos ácidos graxos poliinsaturados, formando hidroperóxidos.
A auto-oxidação é o processo mais comum que leva a deterioração oxidativa e consiste na reação espontânea do oxigênio atmosférico com os lipídios.
Outro processo que desencadeia a deterioração oxidativa é a foto-oxidação, uma rota alternativa levando à formação de hidroperóxidos, ao invés dos mecanismos de radicais livres.
A prevenção da ocorrência de processos oxidativos durante o processamento e o armazenamento de alimentos assume importância fundamental para manter a segurança e a qualidade dos produtos alimentícios. Evitar a ocorrência de processos oxidativos em alimentos exige a redução da ação dos fatores que os favoreçam. Assim, deve-se preservar o alimento dos fatores temperatura e luz que beneficiam o processo de composição dos radicais livres, impedindo a presença de traços de metais e o contato com o oxigênio.
Na indústria de alimentos, além do controle dos procedimentos físicos (temperatura, luz e oxigênio) pode-se também acrescentar aos alimentos agentes antioxidantes, que bloqueiam as reações de oxidação, retardando a formação de compostos desagradáveis.
Os compostos antioxidantes mais utilizados são butilhidroxianisol (BHA), butilhidroxitolueno (BHT), butilhidroquinona terciário (TBHQ), no caso dos antioxidantes sintéticos, e os tocoferóis, ácidos fenólicos e extratos de alecrim e sálvia, no caso dos antioxidantes naturais.
O antioxidante deve estar muito bem incorporado e de maneira bastante homogênea. Quanto antes for incorporado no processo de produção, melhor será a ação protetora. Se a sua incorporação não for bem homogênea, várias moléculas ficarão desprotegidas e poderão sofrer oxidação, reduzindo a vida útil do produto final.