A reação de Maillard é uma reação de escurecimento não enzimático, que ocorre entre um grupo amino e uma carbonila, sendo influenciada por diversos fatores, como o efeito da temperatura e do pH.
Diferentes tipos de reações de escurecimento ocorrem frequentemente em alimentos, na presença de calor ou não, no preparo e processamento de alimentos doméstico ou industrial. Essas reações de escurecimento podem ser de dois tipos: enzimático e não enzimático.
Em alguns alimentos é desejado e esperado que aconteça o escurecimento, outras vezes não, e o conhecimento dos fatores que afetam essas reações levam à eficiência do controle, melhorando a qualidade dos produtos.
O escurecimento enzimático está associado a reações catalisadas por uma enzima, a polifenol oxidase (PPO). Essa reação ocorre em frutas e vegetais, em alguns casos sendo desejável (como no chá preto) e em outros não (como na maçã e na batata, por exemplo, quando escurecem após o corte).
O escurecimento não enzimático é dividido em três grupos de reações diferentes entre si em vários aspectos (como, por exemplo, o tipo de substâncias que dão origem a essas reações), mas que têm em comum o fato de gerar escurecimento no produto final. São elas: a reação de Maillard, a caramelização e a oxidação da vitamina C. As duas primeiras estão relacionadas à presença de carboidratos e a reação de Maillard é a mais estudada, pois ocorre em uma gama diversa de alimentos, com efeitos que vão além da alteração de cor.
A reação de Maillard foi descrita pela primeira vez por Louis Camille Maillard em 1912, de quem recebeu o nome. Dessa forma, há mais de 100 anos a reação de Maillard é pesquisada e continua provocando a ciência e a tecnologia de alimentos no desenvolvimento de soluções para controle dos seus fatores positivos e negativos.
É uma reação induzida termicamente, que ocorre nos alimentos entre um grupo amino e uma carbonila. O grupo amino pode ser fornecido por aminoácidos livres, peptídeos e proteínas, que contêm resíduos de aminoácidos reativos à química de Maillard, por exemplo, lisina, arginina, histidina e glutamina. Já para a carbonila, sua fonte principal são os açúcares (que tenham a característica de serem redutores, como a lactose e seus produtos de hidrólise, glicose e galactose), mas também produtos da decomposição de gordura.
Os produtos finais da reação de Maillard são polímeros de cor marrom, chamados melanoidinas, que têm efeito benéfico para a saúde, apresentando atividade antioxidante, anti-hipertensiva, prebiótica e ação anti-inflamatória. Os produtos intermediários da reação são tão importantes quanto os finais, sendo também responsáveis pela cor e flavour em alimentos processados que passam pela reação de Maillard.
O 5-hidroximetilfurfural (HMF) é muito citado na literatura quando se trata desse assunto, sendo um produto intermediário utilizado como indicador em lácteos para mensurar a extensão da reação de Maillard, e também por estar relacionado a alguns efeitos adversos à saúde, como atividades citotóxicas e carcinogênicas.
Os produtos nos sistemas biológicos resultantes da reação de Maillard são referidos como produtos finais de glicação avançada (AGEs, do inglês, Advanced Glycation End-products). O excesso de acúmulo de AGE no tecido corporal pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas, como diabetes, ganho de peso, doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. Além disso, o potencial alergênico de algumas proteínas pode ser aumentado pela reação de Maillard.
Dessa forma, a complexidade dessa reação leva a geração de efeitos concomitantemente benéficos e maléficos para a saúde humana, interferindo positivamente ou negativamente nas propriedades tecnológicas dos alimentos em que ocorre, dependendo do que se espera nas características de cada produto.
O controle da reação de Maillard pelo conhecimento e manipulação dos fatores que a influenciam é fundamental para minimizar os seus efeitos negativos e aprimorar os positivos.
Diversos fatores influenciam a ocorrência, velocidade e intensidade da reação de Maillard, entre eles: efeito da temperatura; efeito do pH; tipos de amina; tipos de carboidrato; atividade de água; presença de catalisadores; e presença de inibidores.
O calor aumenta a velocidade da reação de Maillard, podendo duplicar quando a temperatura aumenta em 10°C (entre 40°C e 70°C). Porém, a reação ocorre mesmo em temperaturas baixas, mas em velocidade menor; daí o seu efeito durante o armazenamento de alimentos.
É consenso que valores de pH ácidos são inibidores por tornar o grupo amino carregado positivamente e, assim, indisponível à reação. Valores de pH próximos à neutralidade ou maiores provocam o aumento da velocidade da reação de Maillard.
A reatividade é diferente para cada aminoácido, sendo a lisina o mais susceptível, embora outros aminoácidos também possam reagir, desde que o grupo amino esteja livre. A velocidade da reação é influenciada pelo pH, pois afeta os aminoácidos devido a diferentes valores de ponto isoelétrico.
Apenas carboidratos redutores participam da reação de Maillard. Os monossacarídeos são os mais reativos; nesse grupo estão presentes a glicose e a galactose (produtos da hidrólise da lactose). Os dissacarídeos não são todos reativos, a lactose é, já a sacarose não (embora a sacarose não participe da reação da Maillard, participa da reação de caramelização, outro tipo de reação de escurecimento não enzimático). A maioria dos polissacarídeos, como o amido, não são redutores.
Quando a atividade de água é muito alta (maior que 0,9) ou muito baixa (menor que 0,25), há diminuição da velocidade da reação de Maillard. O escurecimento é maior quando a atividade de água está entre valores intermediários (entre 0,5 e 0,8).
A reação de Maillard é acelerada com a presença de fosfatos e citratos, e também por íons cobre.
O dióxido de enxofre é o principal inibidor da reação de Maillard, pois bloqueia os carboidratos impedindo que participem da reação.
Embora a reação de Maillard tenha consequências desejáveis em muitos alimentos, por exemplo, café, torradas e chocolate, de uma forma geral, em lácteos são vistas como negativas, pois podem gerar propriedades que descaracterizam os produtos.
Há o desenvolvimento de cor marrom e sabores estranhos, ligeira perda de valor nutritivo (a lisina é um aminoácido essencial que fica indisponível quando entra na reação) e perda de solubilidade em leite em pó. Por outro lado, a reação de Maillard parece prevenir ou retardar a gelificação durante o armazenamento em produtos de leite UHT. Quanto mais intenso o tratamento térmico, maior é a perda de lisina, podendo chegar a 13% em leite autoclavado.
Além da alteração da cor pelo escurecimento, na reação de Maillard também há a formação de compostos relacionados ao sabor cozido, afetando principalmente os produtos lácteos processados, como leite em pó, leite UHT, leite pasteurizado e fórmulas infantis.
Produtos lácteos sem lactose estão mais sujeitos ao escurecimento não enzimático, pois os produtos da hidrólise da lactose - glicose e galactose - são mais reativos do que a própria lactose. Por isso, a ação do calor tem maior impacto nesses produtos, gerando problemas de escurecimento excessivo, sabor cozido e redução do valor nutricional.
Em leite condensado adoçado é inevitável que ocorra reação de Maillard e a coloração é mais forte à medida que a temperatura de armazenamento é mais elevada, o leite é evaporado a uma concentração maior e é aplicado um aquecimento mais intenso. Se houver a adição de açúcar invertido (que consiste na sacarose hidrolisada em glicose e frutose) a reação é mais intensa.
O doce de leite é um produto concentrado, sendo submetido ao processo de evaporação e, assim, tem-se uma reação de escurecimento mais acelerada, pois há um aumento de temperatura durante o processo, abaixamento da atividade de água e pH favorável mais elevado, tais fatores contribuem para que ocorra a reação e dê as características particulares do produto. No doce de leite é importante o controle da reação de Maillard para adequação da intensidade de sua coloração com as demandas de diferentes mercados.
A galactose está correlacionada com o escurecimento de queijos durante o aquecimento. O principal fator responsável pela galactose residual é o metabolismo das culturas iniciadoras utilizadas na fabricação do queijo.
A intensidade da cor está relacionada aos níveis residuais de lactose e galactose no queijo e à extensão da proteólise que libera aminoácidos para a reação de escurecimento. As manchas escuras que aparecem durante o aquecimento de muçarela para pizzas ocorrem devido à reação de Maillard.
Em queijos tipo Parmesão ocorre um evento curioso. Um escurecimento indesejado, associado à formação de sabores estranhos, pode ocorrer durante o último período de maturação, apesar da relativa ausência de açúcares redutores e altas temperaturas tipicamente associadas à reação de Maillard.
Isso ocorre devido à formação de metilglioxal (MG) proveniente do metabolismo microbiano de açúcares e aminoácidos por bactérias de ácido lático. O MG reage com os peptídeos presentes no queijo gerando produtos de estágio avançado de reação de Maillard, como as melanoidinas.
Fonte: Milk Point