A manteiga é utilizada desde a antiguidade como acompanhamento de alimentos prontos (pães, biscoitos, carnes e outros) ou como ingrediente em vários preparos. Portanto, fabricar manteiga de qualidade é um pré-requisito não apenas para a saúde dos consumidores, mas para atender a demanda de um mercado cada vez mais exigente em relação à qualidade sensorial, físico-química e microbiológica dos alimentos. Além disso, é importante ressaltar que alimentos como a manteiga tem seu consumo muito atrelado à sensorialidade e prazer, o que destaca ainda mais a exigência por produtos de qualidade.
A produção de alimentos de qualidade e seguros para consumo começa com a utilização de matéria-prima de boa qualidade, processo tecnológico bem definido e seguindo rigidamente ferramentas que apoiam o aperfeiçoamento da qualidade: boas práticas de fabricação (BPF), procedimento operacional padronizado (POP), análise de perigos pontos críticos de controle (APPCC), dentre outras.
A produção de alimentos de qualidade deve estar atrelada ao cumprimento dos pré-requisitos da legislação vigente para cada produto. Assim, anteriormente à produção de manteiga é preciso esclarecer que existe uma Portaria, nº 146 de 07 de março de 1996, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), que dispõe do Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade para manteiga, definindo-a como “o produto gorduroso obtido exclusivamente pela bateção e malaxagem, com ou sem modificação biológica de creme pasteurizado derivado exclusivamente do leite de vaca, por processo tecnologicamente adequado. A matéria gordurosa da manteiga deverá estar composta exclusivamente de gordura láctea”.
Assim, seguindo as exigências da Portaria, uma das formas de produzir manteiga é seguindo as etapas de: padronização; neutralização; pasteurização; maturação física; bateção; desleitagem; lavagem; salga; malaxagem; e embalagem/estocagem.
Considerando o creme como principal matéria-prima para a fabricação de manteiga, este deve ser de boa qualidade, padronizado para conter teor de gordura em torno de 30% a 40% (m/m), acidez de aproximadamente 0,14% (expressa em % de ácido lático) e, pasteurizado.
O principal mecanismo de desestabilização coloidal envolvido na produção de manteiga é a coalescência parcial. Nela, os glóbulos de gordura do creme devem estar na forma sólida (cristal) e líquida. Por este motivo, as etapas de maturação física (5°C - 8°C/10 - 12 h) e de bateção (10°C - 12°C/40 - 50 min) são de grande importância.
Na maturação física, a consistência da manteiga é modulada. Nela, ocorre a cristalização parcial dos lipídeos e consequente alteração da proporção dos lipídeos sólidos em relação aos líquidos. Na bateção, o creme que é uma emulsão de óleo em água (O/A) sofre inversão de fases, atingindo o chamado ponto de “couve-flor”, isto é, ponto em que os grãos de manteiga são formados e que ocorre a separação de um líquido esbranquiçado, chamado leitelho. Como ocorre a inversão de fases, pode-se dizer que a manteiga é uma emulsão de água em óleo (A/O).
O leitelho deve ser separado da manteiga pela operação de desleitagem. Em seguida, procede-se a lavagem da manteiga, que elimina resíduos de leitelho, reduzindo a umidade por meio da remoção de sólidos hidrossolúveis, além de reduzir a atividade da lipase pela remoção da enzima e corrigir defeitos resultantes da temperatura.
A salga melhora o sabor da manteiga e auxilia na conservação. E, por fim, na malaxagem, os grãos de manteiga são unidos até a obtenção de uma massa homogênea, com umidade uniforme e completa solubilização do sal. Com a manteiga pronta, é embalada e armazenada.
Embora alguns defeitos/alterações estejam associados a uma percepção subjetiva, isto é, dependente do quanto o consumidor se incomoda com aquela determinada alteração, convenhamos que existem imperfeições que são inadmissíveis. Reconhecer e entender essas alterações são formas de prevenção e/ou correção de cada uma delas.
A manteiga está susceptível a diferentes defeitos.
Os defeitos na aparência são aqueles diretamente relacionados com as alterações na cor da manteiga. Estas, que são oriundas de erros que ocorrem durante as etapas de processamento e/ou, pela presença de microrganismos.
Anteriormente à fabricação da manteiga, o creme deve ser preparado e no caso de se desejar adicionar corantes para intensificar ou corrigir a cor, estes devem ser incrementados nesta etapa. Assim, garante-se a completa distribuição do corante e redução do risco de alterações na cor da manteiga, que podem variar de amarela palha, a um amarelo bem intenso.
Cremes com partículas de gordura desestabilizada ou que sofreram um superaquecimento no maturador influenciam na formação de pontos amarelados. Já cremes ácidos, maturados biologicamente de forma intensa, ocasionam o aparecimento de pontos brancos, que são resultado da agregação de partículas de caseínas.
Não se limitando às alterações de cor com pontos amarelos e brancos, a mesclagem entre essas cores e considerando alguns erros operacionais, temos o que é conhecido como defeito de marmorização, que pode ser observada quando diferentes manteigas que passaram por alguns erros operacionais (como lavagem, malaxagem e salga irregular) são misturadas.
A etapa de envase/embalagem pode ocasionar alguma retenção de ar e a consequente formação de “bolsões de ar” na manteiga. Nesse caso, para evitar esse tipo de defeito, recomenda-se a revisão periódica do equipamento de envase do produto.
Embalagens permeáveis ao vapor d’água também ocasionam defeitos na aparência do produto. A dessecação superficial na “casca” da manteiga contribui para a formação da coloração amarela intensa.
Outras alterações na cor da manteiga são as causadas pela presença de microrganismos, como fungos filamentosos, bactérias e leveduras. Cada tipo de microrganismo em específico está relacionado com a formação de diferentes cores (verde, marrom, rosácea, cinza, dentre outras).
O maior constituinte da manteiga é a gordura, cerca de 80% (m/m). Se a fase de maturação física não for efetuada conforme recomendado, a proporção de lipídeos líquidos e sólidos fica desconforme, contribuindo para a difusão espontânea da matéria gordurosa para a sua superfície. Assim, a manteiga fica com aspecto oleoso.
A presença de gotículas de água visíveis na manteiga também é um tipo alteração comum de estrutura causada por malaxagem insuficiente, isto é, não distribuição uniforme do conteúdo de água ao longo da “massa” gordurosa.
Além disso, temperaturas de armazenamento inadequadas podem contribuir para a formação de perceptíveis gotículas de água decorrentes de fenômenos de desestabilização coloidais, conhecidos como coalescência e maturação de Ostwald.
A incompleta solubilização do sal, a presença de partículas difíceis de serem fundidas (por exemplo, temperos utilizados na fabricação de manteigas) e outros fatores, são exemplos que auxiliam na formação de manteiga arenosa.
Por fim, a aeração excessiva do creme também é um ponto crítico na fabricação, pois resulta na diminuição da coesão da manteiga, que passa a ter estrutura laminar, ou seja, quando é cortada a frio a estrutura destaca-se em várias “lâminas” que parecem ter sido unidas em uma estrutura maior.
Espera-se que a consistência de uma manteiga não seja dura/quebradiça, nem tampouco, mole a ponto escorrer. Assim, deve-se estar atento à composição da matéria gordurosa, aos tratamentos térmicos e, no geral, às etapas de fabricação. Ácidos graxos com alto ponto de fusão contribuem para a solidificação da matéria gordurosa. O inverso, para solidificação insuficiente e obtenção de manteiga mole. O perfil lipídico do leite e, consequentemente, do creme está diretamente relacionado com a alimentação das vacas. A principal etapa relacionada com a consistência da manteiga é a maturação física. Entretanto, a etapa de lavagem pode ser usada para corrigir efeitos da temperatura. Controle de temperatura da matéria gordurosa e/ou do ambiente de produção são formas preventivas de se evitar erros de consistência.
Os defeitos relacionados ao aroma e sabor são considerados os de maior percepção do consumidor e, normalmente estão associados à matéria-prima de baixa qualidade, contaminada, por exemplo, por bactérias psicotróficas resistentes ao tratamento térmico e, com alta concentração de enzimas lipolíticas responsáveis pela hidrólise enzimática. A utilização de creme de boa qualidade e a lavagem da manteiga de forma adequada são formas de reduzir a hidrólise enzimática e consequente formação de aroma e sabor de ranço. A bateção em excesso e a estocagem inadequada também são pontos críticos que desencadeiam oxidação e sabor de oxidado na manteiga.
Enfim, conhecendo o processo de fabricação e os pontos críticos a serem controlados é possível produzir uma manteiga de excelente qualidade!
Fonte: Milk Point