Existem diversas fake news que acabam se tornando populares em relação ao consumo de leite UHT e que têm impactado de maneira sistêmica o setor lácteo. Nesse sentido, torna-se seriamente importante apresentar dados científicos que passaram pelo julgamento de pesquisadores da área para a comprovação dos fatos. Além disso, a união de todos os elos relacionados ao beneficiamento de leite e derivados é fundamental para eliminação das fake news.
Dessa forma, este artigo técnico foi produzido com o objetivo de informar e desmistificar alguns relatos que constantemente rodeiam o leite UHT. Nele, as inverdades (fake news) propagadas serão refutadas com base em estudos científicos. Além disso, alguns fatos sobre o processamento, presença de componentes e qualidade nutricional do leite UHT serão esclarecidos, com a finalidade de levar informações legítimas para os consumidores desse produto.
Segundo o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), entende-se por leite UAT/UHT (Ultra Alta Temperatura/Ultra Hight Temperature), o leite homogeneizado que foi submetido a um processo térmico (130ºC a 145ºC durante 2 a 4 segundos) de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32ºC e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas.
O consumo de leite UHT tem aumentado nos últimos anos devido ao longo prazo de validade do produto e a possibilidade de transportá-lo para diferentes regiões sem a necessidade de refrigeração. Justamente por essa extensa vida de prateleira, há inúmeras informações que são ditas e precisam ser analisadas. Dessa forma, a seguir serão desmistificadas algumas crenças sobre o leite UHT.
Uma das principais alegações relatadas sobre o leite UHT e os derivados lácteos diz respeito à sua digestibilidade. Muito se fala que esses produtos fazem mal à saúde, pois são de difícil digestão. Essa informação é fake!
Salvo para casos de indivíduos que possuem restrições alimentares, isto é, apresentam intolerância à lactose ou alergia às proteínas do leite, o leite submetido ao processo térmico pelo método UHT passa por um controle de qualidade rigoroso e não apresenta risco à saúde.
Pelo contrário, o processo térmico UHT pode aumentar a atratividade do alimento quando o assunto é digestibilidade. O aquecimento UHT é capaz de promover a desnaturação de proteínas do soro de leite (α-lactoalbumina e β-lactoglobulina), o que não afeta significativamente o valor biológico delas, apenas desfaz parte de suas conformações globulares, podendo torná-las mais digeríveis.
Sendo assim, o que ocorre é que, ao desnaturar, as ligações peptídicas das proteínas ficam mais expostas ao acesso das proteases digestivas presentes no estômago. Com isso, as proteínas são hidrolisadas em moléculas menores, como tripeptídeos, dipeptídeos e aminoácidos, com uma maior taxa de hidrólise. A Figura 1 demonstra o fenômeno de desnaturação das proteínas do soro presentes no leite UHT, o que favorece a ação proteolítica.
O leite UHT deve apresentar o mínimo de 3,0% (m/v) de matéria gorda. Sendo assim, outra etapa envolvida no seu processamento, anterior ao tratamento térmico, e que pode ser diretamente ligada à questão de digestibilidade é a etapa de homogeneização.
A homogeneização é um processo mecânico usado na indústria de laticínios para diminuir o tamanho dos glóbulos de gordura e melhorar sua estabilidade física. A homogeneização leva à ruptura da membrana do glóbulo de gordura, com adsorção de micelas de caseína na superfície dos glóbulos processados, para estabilizar a interface recém-formada. Essa etapa acontece em equipamentos chamados de homogeneizadores e é realizada em condições específicas de temperatura e pressão. Além de contribuir para a digestão, a etapa de homogeneização do leite UHT é essencial para deixá-lo mais branco, melhorar seu aspecto e sua palatabilidade.
Outra inverdade muito recorrente em relação ao leite UHT refere-se a presença de conservantes em sua formulação. Passar embaixo de uma escada ou ver um gato preto em uma sexta-feira treze dá azar? Óbvio que não! Assim como dentro das caixinhas de leite UHT não existem conservantes.
A esterilização pelo processo UHT tem como objetivo a obtenção de um produto bacteriologicamente estéril. Após o tratamento térmico, o leite é acondicionado assepticamente em embalagens estéreis, de tal maneira que não é preciso o uso de conservantes.
Na verdade, as combinações do processamento UHT, de envase asséptico em embalagens estéreis e da remoção do ar no momento do fechamento da embalagem, garantem ao leite UHT a preservação de suas propriedades sensoriais e nutritivas, sem a necessidade de adição de conservantes e da etapa de refrigeração. Sendo assim, a esterilização comercial indica que o leite UHT é microbiologicamente estável, contribuindo para uma maior shelf life (vida de prateleira).
A Portaria 146/96 do MAPA, que trata do Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade dos produtos lácteos, determina as características físico-químicas e microbiológicas que o leite UHT deve apresentar. O regulamento também discorre sobre os ingredientes obrigatórios, aditivos e coadjuvantes de tecnologia/elaboração que podem estar presentes no leite. Como exemplo, pode-se citar: citrato de sódio, monofosfato de sódio, difosfato de sódio, trifosfato de sódio, separados ou em combinação, em uma quantidade não superior a 0,1g/100ml expressos em P2O5. Esses compostos atuam como estabilizantes no leite UHT, logo, não são conservantes.
Em nenhum momento, em termos legais, é evidenciado que na formulação de leite UHT pode haver presença de substâncias como a soda cáustica e o formol. Essas substâncias são agentes de adulteração. Portanto, quando a presença desses componentes for detectada no leite UHT, é configurada como fraude.
A adulteração do leite é crime e traz riscos à saúde do consumidor. Para isso, análises de controle de qualidade (incluindo a pesquisa de resíduos agentes inibidores do crescimento microbiano) no leite cru são realizadas em todos os lotes de leite que chegam na plataforma de recepção. Somente após a classificação como leite apto para o processamento que a matéria-prima segue para o beneficiamento.
Quase que uma superstição, as pessoas acreditam que os quadradinhos coloridos na parte inferior das caixinhas de leite UHT referem-se a produtos que já entraram no mercado, foram reprocessados pela indústria e voltaram para as prateleiras. Isso gera muita confusão, principalmente para as pessoas sem conhecimentos sobre tecnologia de alimentos.
Porém, essa informação é completamente fake. As barrinhas coloridas no fundo da caixinha de leite, na verdade, são devido a um teste de cores para garantir a qualidade de impressão nas embalagens. A impressão é feita nas empresas que fazem a produção da embalagem, e não tem nada a ver com o produto que será armazenado ali. Dessa forma, não é necessário que esse teste seja feito em 100% das embalagens, por isso tem caixinhas de leite que apresentam as barras coloridas e outras não.
Outra crença popular em relação ao leite UHT é que ele perde todas as vitaminas, minerais, e proteínas durante o processamento, de forma que o leite pasteurizado seria mais saudável que o leite de caixinha UHT.
Contudo, em uma revisão que estudou o efeito do tratamento UHT sobre alguns nutrientes, como as vitaminas, foi observado que o leite submetido ao processo UHT apresentou perdas de vitaminas em pequenas proporções, semelhantes às causadas pela pasteurização rápida (HTST).
Assim, de forma geral, as vitaminas analisadas não apresentaram perdas significativas. Apenas a vitamina C apresentou maiores perdas (cerca de 25%) quando comparada às demais vitaminas analisadas (A, D, E). Portanto, quando se trata dos principais nutrientes do leite, como proteínas, cálcio e vitamina D, o valor nutricional do leite UHT é o mesmo do leite pasteurizado.
Um fato que muito se fala sobre o leite UHT é diferença do seu sabor quando comparado ao leite fresco e ao leite pasteurizado. Muitas pessoas relatam que o leite UHT tem um ligeiro gosto de cozido. Isso é verdade! O tratamento térmico empregado no processo UHT promove pequenas alterações sensoriais.
No entanto, com o desenvolvimento da tecnologia e o aperfeiçoamento do processo UHT com a aplicação dos métodos de aquecimento direto, isto é, com maior taxa de aquecimento e resfriamento, essas alterações nas características sensoriais vem sendo reduzidas ao longo dos últimos anos.
Um outro mito que muitas vezes é propagado como fake news é que cálcio do leite não é biodisponível. Contudo, isso não é uma verdade. A biodisponibilidade de um nutriente está relacionada com a capacidade que o alimento tem de ser absorvido e utilizado pelo organismo.
Um estudo sobre biodisponibilidade do cálcio dietético mostrou que o leite de vaca e derivados se constituem nas fontes mais ricas e com maior percentual de absorção de cálcio. A presença de vitamina D, da lactose, caseinato e citrato no leite facilita a absorção de cálcio no intestino, contribuindo com uma maior solubilidade deste micronutriente. Além disso, o pH do leite e derivados também favorece a absorção.
É evidente a importância econômica do leite UHT no mercado de produtos lácteos e na alimentação da população brasileira. Entretanto, pelo presente artigo, fica claro que as informações falsas sempre permearam as notícias em torno do leite UHT, principalmente sobre seu processamento, composição e valor nutricional.
Dessa forma, é extremamente importante realizar a checagem dessas informações, apresentando estudos científicos como ferramentas indispensáveis para afirmar categoricamente se um fato é realmente verídico ou não. Por fim, todas as questões apresentadas neste artigo sobre o leite UHT são fake news!
Fonte: Milk Point