A lactoferrina (LF) é uma glicoproteína não tóxica de ocorrência natural presente no leite, bem como em outras secreções em mamíferos. É considerada uma importante molécula de defesa e tem uma ampla gama de funções fisiológicas, como atividades antimicrobiana/antiviral, imunomoduladora e antioxidante.
Dentre estes, vem ganhando destaque a sua função antiviral frente a síndrome respiratória aguda grave do Coronavírus (SARS-CoV), que está intimamente relacionada com a nova síndrome respiratória aguda grave Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) que causa a Covid-19.
Além disso, a lactoferrina tem características imunomoduladoras e anti-inflamatórias que podem modificar positivamente as respostas do hospedeiro às infecções. Em muitos países, está disponível como um suplemento oral e estudos sugerem que esta suplementação pode tratar ou prevenir uma série de infecções microbianas.
A lactoferrina é uma glicoproteína, presente no soro do leite, que apresenta massa molar de cerca de 80 KDa e possui um ponto isoelétrico (pI) de 8,0 a 8,5. Sua estrutura é composta por uma única cadeia polipeptídica contendo 703 resíduos de aminoácidos dobrados em dois lóbulos globulares. Esses lóbulos, também são conhecidos como regiões C -(carboxi) e N- (amino) terminais.
A composição de aminoácidos da lactoferrina é composta pela cisteína, que fornece grupos tiol para as ligações dissulfeto intramoleculares entre os resíduos dos aminoácidos 16 e 17, estabilizando os lobos em lactoferrinas humana e bovina. A asparagina é responsável por fornecer locais de glicosilação potenciais nos lóbulos N e C. A histidina, duas moléculas de tirosina e o ácido aspártico são essenciais para que haja a ligação do ferro. Por outro lado, a arginina é indispensável para a ligação do carbonato.
A lactoferrina pode ligar-se a dois íons férricos em duas regiões do lobo estrutural. No interior da fenda de cada lobo de ligação ao ferro, um único íon férrico é cercado por três cadeias laterais de resíduos de tirosina, asparagina e histidina. Embora a ligação do ferro seja importante para as funções fisiológicas da lactoferrina, a proteína pode existir em uma forma aberta, sem ligação de ferro (apo-lactoferrina) ou em uma forma fechada, com ligação de ferro (halo-lactoferrina).
A capacidade da lactoferrina de ligar o ferro é duas vezes maior do que a transferrina, que em alguns casos é capaz de doar íons férricos para a lactoferrina. A ligação dos dois íons férricos a esta proteína é tão forte, que pode resistir a pH tão baixo quanto 4,0, enquanto se liga a outros metais com uma menor intensidade.
A lactoferrina pode ser encontrada em fluidos biológicos, incluindo leite, lágrimas, saliva e fluido seminal. Além disso, está presente nas superfícies mucosas e em alguns grânulos de leucócitos polimorfonucleares. A fonte mais abundante dessa proteína é o leite humano. Entretanto, a proteína também está presente no leite de diferentes mamíferos, como o leite bovino, mundialmente o mais consumido, mas também no leite de outras espécies, como búfala, camela, ovelha, cabra, elefanta, porca e rata.
A concentração de lactoferrina no leite varia amplamente com os estágios de lactação e entre as espécies. O colostro humano possui mais de 5g/L de lactoferrina, enquanto o leite materno maduro contém 2 a 3g/L. No colostro bovino, o conteúdo de lactoferrina é aproximadamente 0,8g/L, já no leite bovino maduro varia entre 0,03 a 0,49g/L. A maior quantidade de lactoferrina no colostro fornece proteção aos bebês amamentados, devido as propriedades antibacteriana e anti-inflamatória dessa proteína.
Além das propriedades funcionais citadas anteriormente, a lactoferrina promove a absorção de ferro no corpo humano, modula o crescimento celular, elimina os radicais livres prejudiciais e inibe a formação de vários compostos tóxicos. Devido a isso, a lactoferrina é adicionada em diferentes produtos alimentícios, incluindo formulações para bebês em pó, bebidas terapêuticas, leite fermentado, cosméticos e pasta de dente.
A principal função da lactoferrina é controlar e regular a concentração de ferro livre em fluidos biológicos, por meio da sua capacidade de solubilizar ou sequestrar íons férricos. Essa função é a principal razão por trás dos seus efeitos nutracêuticos, incluindo propriedades antibacterianas, antivirais, anticâncer, anti-inflamatório e estimulantes do sistema imunológico.
A lactoferrina afeta diversas espécies de patógenos Gram-negativos e Gram-positivos. Para bactérias Gram-negativas, a lactoferrina é capaz de desestabilizar sua parede celular. Além disso, a capacidade da lactoferrina para quelar o ferro impede a aquisição de ferro dos patógenos, levando a limitação da sua multiplicação. Outro mecanismo pelo qual a lactoferrina pode exercer sua atividade antimicrobiana é sua ligação direta aos microrganismos.
No caso dos vírus, descobriu-se que a lactoferrina interfere na capacidade de ligação dos retrovírus às células hospedeiras. A lactoferrina também pode exercer efeito antiviral indireto nas células do sistema imunológico, que desempenham papel crucial nos estágios iniciais da infecção viral.
A lista de vírus humanos patogênicos suscetíveis a lactoferrina incluem citomegalovírus, vírus herpes simplex, vírus da imunodeficiência humana (HIV), rotavírus, poliovírus, vírus sincicial respiratório, vírus da hepatite B, vírus da hepatite C (HCV), vírus parainfluenza, alfavírus, hantavírus, papilomavírus humano, adenovírus e outros.
Além disso, estudos recentes relatam a capacidade da lactoferrina de inibir o SARS-CoV pseudotipado com uma concentração inibitória de 50%, uma vez que é o Coronavírus humano que está mais intimamente relacionado ao SARS-CoV-2, que causa a Covid-19.
A lactoferrina também é conhecida por seu efeito antitumoral. De acordo com estudos in vivo, a administração oral de lactoferrina bovina reduziu a produção de câncer que foi induzida quimicamente em roedores. Esse efeito antitumoral é promovido por meio de múltiplos mecanismos, entre os quais está a indução do apoptose (morte celular programada) no tecido tumoral.
O efeito anti-inflamatório da lactoferrina em caso de infecção microbiana pode ser atribuído principalmente a sua capacidade de neutralizar as moléculas microbianas, por meio da ligação ao seu domínio de lipídeo. Adicionalmente, a lactoferrina possui a capacidade de estimular a secreção da citocina anti-inflamatória, além de inibir a síntese de muitas citocinas pró-inflamatórias.
Além de ser considerada uma importante molécula de defesa contra uma variedade de patógenos, a lactoferrina apresenta um valioso papel no sistema imunológico. É capaz de moderar a resposta do hospedeiro a infecções e tem a capacidade dupla de estimular o sistema imunológico para neutralizar a invasão patogênica, ao mesmo tempo que evita o sistema imunológico prejudicial e respostas inflamatórias.
Portanto, diante dos múltiplos benefícios proporcionados pela lactoferrina, a suplementação de produtos alimentícios com essa proteína pode se tornar uma grande aliada no controle e na prevenção de diversas doenças.
Outro segmento que tem crescido consideravelmente, especialmente no mercado externo, é o consumo de lactoferrina em cápsulas. Mas é sempre importante lembrar que o consumo regular de leite e alguns derivados, como iogurte e bebida láctea, auxilia no aporte dessa proteína tão poderosa.
Fonte: Milk Point