Após dois anos de pandemia, o setor lácteo atravessou diferentes momentos. Em 2020, ainda em meio uma crise mundial, as indústrias presenciaram um aumento no consumo de lácteos. No entanto, ano passado, o cenário se inverteu: a demanda passou a enfrentar severas tempestades, ocasionando uma redução no consumo de leite e derivados.
Neste ano, frente a um aumento exponencial nos casos de Covid em todo mundo, misturado a um panorama de incertezas políticas e econômicas, exacerbadas pelo fato de estarmos em pleno ano eleitoral no Brasil, a pergunta que fica é: como esse imbróglio impactará o mercado de leite?
Aliado a isso, temos no setor de lácteos um novo olhar sobre a questão da sustentabilidade. As indústrias estão vivenciando um momento em que os consumidores, mais conscientes do seu papel e, por isso, mais exigentes, cobram por ações que minimizem os impactos ambientais, exigindo uma postura sustentável em todos os elos da cadeia. Isso faz com que as empresas necessitem voltar seus esforços para o desenvolvimento de tecnologias que contribuam com o planeta.
Para colocar um pouquinho mais de “tempero” nesse cenário de múltiplos desafios, o setor lácteo ainda tem que lidar com as chamadas fake news e as Novas Regras de Rotulagem, que exigem uma postura assertiva das indústrias. No Dairy Vision 2021, foi exposto dados de outros países, nos quais as novas regras de rotulagem - apesar de não serem idênticas as do Brasil -, demonstram que os consumidores reduziram o consumo de lácteos de produtos que contenham o selo nas embalagens.
Em face de todas essas incertezas que rondam o mercado, prosperar e apresentar resultados positivos exige das indústrias, principalmente às ligadas ao setor lácteo, que tiveram as margens achatadas no último ano, um olhar mais cauteloso, voltado para identificar internamente os pontos que podem ser melhorados e otimizados para permitir as empresas se sobressair neste panorama que se apresenta.
Mas como fazer isso? O caminho se inicia com uma “pisada no freio”. Agora, é hora de olhar para dentro, de reorganizar a “casa” e de repensar formas de atuação e tomada de decisão em todos os setores da empresa.
Nesse contexto, avaliar as parcerias com fornecedores na busca de produtos com menor custo (se possível), que sejam sustentáveis, produzidos por meio de tecnologias limpas, que utilizem ingredientes ambientalmente corretos ou que promovam maior produtividade nos processos produtivos, pode ser um bom começo.
As inovações nas indústrias de suprimentos/ingredientes acontecem a uma velocidade que, às vezes, não é acompanhada pelas indústrias de laticínios. Vários insumos existentes no mercado já possuem as características apontadas acima. Mas o corre-corre nas indústrias as impede de analisar seus processos com o intuito de agregar valor e/ou cortar custos. No máximo, o que muitas indústrias fazem é tentar identificar produtos que vão ajudá-las a otimizar custos de produção, sem parar para pensar nas consequências estratégicas dessa ação.
Uma adequada gestão de suprimentos pode auxiliar as indústrias de lácteos a se colocar novamente nos rumos do crescimento e, a partir de agora, crescimento com sustentabilidade. Importante nesse caso, avaliar todas as formulações de produtos, identificando aqueles que podem ter algum insumo substituído por um mais sustentável, ou que apresente maior rendimento/produtividade ou que apresente menor custo.
O próximo passo seria identificar fornecedores alternativos e “desenvolver” esses fornecedores para efetuar alguma modificação no processo produtivo, caso essa seja necessária para manter a padronização do produto final.
Nesse ponto, é fundamental a implementação ou o aperfeiçoamento da gestão de estoques, visando maior eficiência, menor número de itens estocados e menor capital empatado. Com isso, além de otimizar os processos, gerando economia de recursos, é possível atuar de forma sustentável.
Durante esse processo, é essencial acompanhar os indicadores da empresa, pois a modificação proposta também pode ser utilizada para melhorar os indicadores de produtividade. Caso a empresa não possua a avaliação de desempenho baseada em indicadores, talvez esse seja o momento de iniciar as discussões nessa área. Para quem se interessar pelo assunto, vale a pena ler o artigo “Indústria do leite: nem todo número é bom indicador!"
Por fim, é preciso comunicar essas transformações ao maior interessado: o consumidor. Este precisa estar ciente que a indústria repensou, modificou seus métodos de produção, reformulou produtos e que iniciou uma trajetória mais sustentável.
Ainda há um longo caminho a percorrer, mas o passo inicial foi dado. Essa comunicação é essencial, principalmente, diante do momento no qual estamos vivendo, onde a confiança e credibilidade, valores tão importantes nas relações humanas e que interferem nas escolhas dos consumidores, estão em desuso.
Muitos dirão que tudo isso é utopia, que não terão tempo para repensar todo processo produtivo, rever insumos, formulações de produtos, parceiros/fornecedores, na busca de processos que utilizem uma tecnologia mais limpa, de produtos que promovam o bem-estar social, que utilizem insumos mais saudáveis, que não agridam o meio ambiente.
Porém, aquelas empresas que conseguirem fazer essa análise e implementar mudanças para alcançar qualidade com sustentabilidade, não esquecendo da gestão de custos, poderão colher os frutos lá na frente.
Por outro lado, muitas indústrias continuarão a operar da mesma forma como fazem há anos, insistindo na ideia de que os consumidores fiéis não deixarão de comprar seus produtos e, portanto, que não teriam razões para mexer no status quo. Além disso, justificam-se baseando na premissa de que o consumidor não está disposto a pagar mais por um produto que incorpore todas essas premissas.
Ao examinar o mercado e os dados de várias empresas especializadas em comportamento do consumidor, o que se observa é que os consumidores mais sensíveis à questão ambiental estão preferindo evitar o consumo de produtos que possam contribuir para as mudanças climáticas e, com o andar da carruagem na área ambiental, esse comportamento será estendido a outros consumidores.
Enfim, não está na hora de lamentar pelo recuo das margens apresentadas pelas indústrias neste momento pandêmico. O que passou deve servir de aprendizado. Apesar de doloroso, o aprendizado alcançado nessas situações que expuseram a tamanha vulnerabilidade fez com que se percebesse que conseguimos enfrentar crises e sobrevivê-las.
Aprender com o que passou pode auxiliar as empresas a olhar para frente, partindo-se de uma análise do ambiente interno e fazendo uma leitura do que está se tornando tendência e o que já vale para as indústrias do setor lácteo. Analisar, planejar e tomar a decisão com base em fatos ainda é o melhor remédio para enfrentar esse cenário que está se vislumbrando.
Fonte: Milk Point