Daqui a um ano entrará em vigor a RDC nº 429 (Resolução de Diretoria Colegiada), ou Nova rotulagem. Essa legislação irá alterar não apenas as artes e as informações dos produtos, como também a maneira como o consumidor os enxergam. Nesse novo cenário, como ficam os derivados lácteos?
Seguindo tendências mundiais, o Brasil, por meio da ANVISA, aprovou em outubro de 2020 a Resolução nº 429, que dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. A lei, que entrará em vigor em outubro de 2022 traz alterações importantes, como a adoção de painéis informativos frontais para alimentos com alto teor de sódio, açúcares adicionados e gorduras saturadas, a padronização das tabelas nutricionais com escrita preta em fundo branco, além da obrigatoriedade de informar a quantidade de açúcares adicionados.
Outra modificação em relação às embalagens atuais será a inclusão da informação por 100g ou 100ml de produto, junto da informação por porção, para permitir que o consumidor compare o valor nutricional de diferentes produtos.
Embora seja uma legislação que visa melhorar a transparência das empresas em relação aos consumidores e incentivar uma alimentação mais saudável, não há uma unanimidade sobre a forma como as regras serão implementadas.
Existem divergências em relação ao modelo de painel adotado (em forma de lupa), ao que será considerado açúcar adicionado e, até mesmo, em relação aos critérios utilizados para isentar ou não alguns alimentos, entre outras.
Divergências naturais, afinal, trata-se de uma regra nova, e como tudo que é novo, gera muitas dúvidas e questionamentos. É provável que a lei seja alterada e aprimorada ao longo dos anos.
Falando especificamente dos laticínios, já se tem uma boa ideia dos impactos e dos desafios em alguns produtos, principalmente relacionados à rotulagem nutricional frontal. Quais produtos terão e quais serão isentos?
Começando pela maior novidade do novo modelo nutricional, a informação de açúcares adicionados será obrigatória na tabela de informações. A própria lei define o que são considerados açúcares adicionados, dentre os quais pode-se destacar a sacarose e a própria lactose do leite. Porém, por definição, açúcares presentes naturalmente nos ingredientes não devem ser considerados. Isso vale tanto para a frutose presente nas frutas quanto para a lactose do leite. Os limites propostos são de 7,5g de açúcar adicionado por 100ml em alimentos líquidos e 15,0g para cada 100g em alimentos sólidos. Acima desses valores, será necessário a lupa.
Como não precisamos nos preocupar com a lactose natural do leite, o principal ponto de atenção passa a ser a sacarose. Dessa forma, praticamente limitamos o impacto desse selo aos iogurtes e bebidas, sobremesas lácteas, doces e leite condensado. Precisamos estar atentos aos impactos tecnológicos da adição de açúcar nesses derivados. É comum pensarmos apenas no sabor ao falar de açúcar, mas esse também desempenha papel fundamental na textura do produto.
Nos fermentados, em geral, o limite de 15g de açúcares pode levar a uma maior utilização de edulcorantes e aromas, mas também poderá incentivar a um consumo maior de estabilizantes, ou mesmo, uma compensação com proteínas lácteas.
As empresas, ao que tudo indica, farão as modificações para não ter seus rótulos “poluídos” com o aviso. O mesmo vale para as sobremesas.
A coisa muda de figura nos concentrados. Doce de leite é “doce”, como já diz o nome. Além do sabor e da textura, o açúcar é fundamental para o controle do desenvolvimento microbiano, pela redução da atividade de água do produto. Tanto para o doce quanto para o leite condensado, produtos baseados em açúcar, as alternativas tecnológicas são escassas e acabam descaracterizando o produto. É um desafio e tanto. Estamos falando de produtos com 45% de açúcar em média. É bom se preparar para ver seu doce predileto com um selo estampado.
Se para os açúcares o leite contava com a colher de chá, nesse componente a régua é a mesma para todos. As gorduras saturadas serão consideradas em sua totalidade, independente da fonte, ou seja, independentemente de ser um alimento exclusivamente feito de leite, se estiver acima de 3,0g para cada 100ml ou 6,0g para cada 100g de alimento, deverá apresentar o selo de gorduras saturadas.
As únicas exceções em lácteos são os leites não formulados (Tipo A, Pasteurizado, UHT, independente da espécie de mamífero) e o leite em pó. Nesses casos, mesmo acima do limite, a rotulagem frontal não será aplicada.
Os grandes afetados por esse selo serão os alimentos à base de creme de leite. Desde as versões UHT leve (15% de gordura total) até a manteiga (84% de gordura total). A gordura saturada representa de 60% a 70% do total de gorduras lácteas. Sendo assim, todos os derivados de gordura láctea estão bem acima do limite e deverão portar a lupa.
Os queijos também poderiam estar nessa lista, pois o processo de coagulação e corte da coalhada levam a uma retenção das gorduras. Atualmente, a maioria dos queijos tem teores de gordura total acima dos 15%, o que implica em gorduras saturadas acima de 10g por 100g. Porém, a rotulagem nutricional de queijos será vedada (não deve ser aplicada), desde que não se adicionem outras fontes opcionais de gordura saturada.
Os limites para sódio são de 300mg por 100ml de líquidos ou 600mg por 100g de sólidos. O leite possui naturalmente um certo teor de sódio, que está bem abaixo dos limites estabelecidos. Isso implica que o selo de sódio só estamparia o rótulo de um derivado em caso de uma adição de sódio externa ou pela secagem (um leite em pó desnatado tem em média 630mg para cada 100g. Porém, o leite em pó é isento de rotulagem frontal).
Entre as tecnologias dos derivados lácteos, as principais fontes de sódio são os estabilizantes (fosfatos, citratos etc.) e o próprio “sal de cozinha”. E essas são fontes realmente potentes em sódio; 2g de sal possui 780mg de sódio, ou seja, qualquer queijo ou manteiga com essa adição de sal já ultrapassa o limite.
Para as manteigas, não há o que fazer. Se ficar acima dos 600mg, é lupa! Já nos queijos, as coisas são um pouco mais complicadas.
Antes é importante mencionar que o sal, assim como o açúcar, não tem função sensorial apenas. Sua função tecnológica e como conservante é até mais importante em queijos. Como vimos, não será aplicada a rotulagem frontal em queijos, assim como ocorre para a gordura saturada, desde que não sejam adicionados ingredientes opcionais que agreguem sódio. Esse último ponto é fundamental nos queijos.
Considera-se como base, a legislação específica de cada queijo para definir se o sal é um ingrediente obrigatório ou opcional. Ao avaliar cada Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade (RTIQ), verificamos que a maioria dos queijos tem o sal como ingrediente obrigatório.
Queijos como Minas Padrão e Parmesão, embora tenham em média 2% de sal, não terão o aviso de sódio, pois o RTIQ contempla o sal. Mas os queijos que não definem o sal como obrigatório deverão ser estampados com a lupa. Esse é o caso dos queijos sem RTIQ (Queijos regionais) e do requeijão.
Graças a esse entendimento, poderemos ter queijos de 2,0% de sal com o aviso de “Alto teor de sódio” na embalagem. E queijos de 2,5% ou mais, como os tipo gorgonzola (que de acordo com o RTIQ dos queijos azuis, tem adição de sal como obrigatória) sem a rotulagem.
Quanto ao sal em queijos, a substituição é um grande desafio, pois envolve, como mencionado, questões tecnológicas e caracterização do produto. Para os requeijões, a solução é mais plausível. A redução do sal pode ser realizada com mais margem por se tratar de um produto fundido.
Mas os sais fundentes utilizados também contribuem para o teor de sódio final. Esses sais também são opcionais, segundo o RTIQ. Nesses casos, a solução passa pela utilização de sais fundentes a base de potássio e outros sais que não o sódio.
Ainda faltam 12 meses para que a lei passe a vigorar e é bem possível que a ANVISA faça algumas modificações ou esclareça melhor alguns desses pontos.
Toda mudança para melhor é bem-vinda, mas também deve ser bem preparada para que os efeitos sejam aqueles mesmo desejados. Enquanto profissionais da cadeia do leite, é preciso melhorar a comunicação com o público durante essa transição para que não se criem mais mitos à respeito do consumo de lácteos.
É preciso ouvir, esclarecer e ajudar os consumidores para que não se sintam ainda mais confusos e deixem de consumir alimentos saudáveis, como o leite.
Um exemplo: o sódio é essencial ao organismo. Deve ser moderado, mas não evitado, pois a falta de sódio pode trazer problemas iguais.
A verdade é que o consumo em excesso de nenhum alimento faz bem. Nesse ponto, o papel dos profissionais da cadeia do leite é trazer soluções e formulações equilibradas quando possível, mas conscientizar um consumo adequado sempre que necessário.
Fonte: Milk Point