Alimentos processados e ultraprocessados têm uma má reputação. Mas feito da maneira certa, o processamento de alimentos pode oferecer nutrição sustentável, de acordo com Ciarán Forde, pesquisador da Universidade de Wageningen, na Holanda.
Mais de dois terços da energia consumida em todo o mundo vem de alimentos processados ou ultraprocessados, de acordo com os padrões de classificação atuais. Mas na última década, a percepção do processamento de alimentos se deteriorou. Muitos acreditam que quanto mais processado é um produto alimentar, mais insalubre ele é. Essa discussão se expandiu para além da academia em diretrizes alimentares em todo o mundo. Na França, Brasil e Bélgica, por exemplo, as recomendações dietéticas oficiais aconselham a redução do consumo de alimentos e bebidas ultraprocessados.
De acordo com o professor Ciarán Forde, presidente da Divisão de Ciência Sensorial e Comportamento Alimentar de Nutrição Humana da Universidade e Pesquisa de Wageningen, não devemos ser tão rápidos em julgar. "O processamento e a formulação de alimentos são muito mais complexos do que simplesmente os 'mocinhos' versus os 'bandidos'", disse Forde.
O processamento de alimentos não é um conceito novo. “Estamos processando matérias-primas em alimentos mais nutritivos ou mais atraentes sensorialmente há muitos, muitos anos, desde a invenção do fogo”, explicou o pesquisador.
De fato, ao longo dos séculos, os seres humanos reuniram uma gama impressionante de técnicas de processamento, desde fermentação até fritura, cozimento sob pressão, enlatamento de alimentos, geladeiras, pasteurização, extrusão de alimentos, fast food, forno de micro-ondas, liofilização, cozimento sous-vide, processamento molecular gastronomia, alimentos OGM e processamento de alimentos com eletricidade pulsada.
Curiosamente, raramente novos processos alimentares substituem os antigos. É um caso de “evolução ao invés de extinção”, explicou o professor Forde, o que significa que há menos pressão para aceitar inovações no processamento de alimentos.
De acordo com Forde, a controvérsia em torno das novas tecnologias foi intensificada por novos sistemas de classificação, como o NOVA, que divide os níveis de processamento de alimentos em quatro classificações, desde alimentos crus e minimamente processados, até ingredientes culinários processados, alimentos processados e alimentos ultraprocessados. Esta última categoria é uma “criação industrial” por definição.
Alguns alimentos ultraprocessados merecem sua má reputação. Mas nem todos, argumenta o professor Forde. “Claro, não há dúvida de que alguns alimentos são indefensáveis em termos de teor de nutrientes. Mas outros produtos “saudáveis”, como alimentos fortificados com ômega-3, ou ingredientes especializados usados na nutrição esportiva, também estariam classificados como alimentos ultraprocessados de acordo com a classificação da NOVA”, defendeu Forde.
Há uma série de benefícios associados ao processamento de alimentos, incluindo sua capacidade de melhorar a sustentabilidade. “Hoje, cerca de um terço dos alimentos produzidos é perdido ou desperdiçado por meio de práticas ineficientes. É importante enfatizar que, se você deseja mudar para dietas mais sustentáveis, o futuro também passa por alimentos processados. Em termos de escopo e escala do processamento de alimentos para fabricar alimentos de maneira mais sustentável, é incrivelmente importante adotar o processamento e a reformulação, não tentar removê-los”, observou Forde.
A reformulação, uma estratégia projetada para aumentar a densidade de nutrientes dos alimentos, também é uma forma de processamento de alimentos. Mais comumente, os fabricantes de alimentos trabalham para reduzir o teor de gordura, sal ou açúcar, no entanto, outros esforços de reformulação incluem adição de nutrientes, produtos fortificantes, adição de isolados de proteína para nutrição esportiva e remoção de alérgenos.
A reformulação alimentar é uma prática comum. Tanto que a Food Drink Europe estima que 50% dos produtos nas prateleiras hoje desaparecerão em cinco anos, pois os produtores de alimentos continuam inovando na formulação e produção de seus produtos.
No entanto, se ao reformular um alimento ele ainda é classificado atualmente como ultraprocessado, na verdade, a reformulação o torna ainda mais ultraprocessado, explicou o professor Forde. “Devemos ter cuidado para não desconsiderar o potencial de aprimoramento, fortificação e reformulação de nutrientes para aumentar o suprimento de alimentos. Devemos adotar o processamento e a reformulação de alimentos se quisermos reduzir o risco de excessos de nutrientes ou densidade energética em nossa dieta”, alertou Forde.
Outra oportunidade para abraçar o processamento de alimentos está na “limpeza da sua imagem”. Segundo Forde, pelo menos parte do motivo da rejeição dos consumidores ao processamento e a formulação é que o conceito tem um problema de imagem.
Forde destaca o desafio para os produtores e pesquisadores de alimentos comunicarem com precisão como os alimentos são produzidos e distribuí-los de uma maneira que informe a escolha do consumidor com base em fatos, ao invés de “medo” ou “emoção” associados ao processamento de alimentos. “Quer você goste ou não, os alimentos processados estão aqui para ficar. E o consumo de alimentos processados provavelmente aumentará no futuro, à medida que pressionarmos pela sustentabilidade e reformulação. Devemos defender a importância do processamento de alimentos no sentido de fornecer acesso a alimentos atraentes e nutritivos, que proporcionem segurança alimentar e sustentabilidade a milhões de pessoas em todo o mundo”, concluiu o Professor Forde.
Fonte: Food Navigator