Alternativas à gordura hidrogenada em recheios cremosos e coberturas
A gordura hidrogenada não é uma novidade na indústria alimentícia. Ela já é utilizada há muito tempo graças à sua funcionalidade em textura, estabilidade oxidativa e custo competitivo. Porém, tornou-se alvo de preocupação crescente devido à presença de ácidos graxos trans, lipídeos que estão cientificamente associados ao aumento do risco cardiovascular, diabetes tipo 2 e inflamação crônica. Com a regulação cada vez mais restritiva em vários países e o crescente apelo por rótulos clean label, surge a necessidade de alternativas tecnológicas para sistemas lipídicos em recheios e coberturas, especialmente em confeitaria e panificação industrial.
Função da gordura hidrogenada em recheios e coberturas
A gordura hidrogenada tem função fundamental em diversos aspectos tecnológicos de recheios cremosos e coberturas, especialmente em produtos como bolos, tortas, sobremesas refrigeradas e confeitaria em geral. A sua estrutura semissólida e perfil de cristalinidade conferem propriedades reológicas e funcionais que dificilmente são obtidas com ingredientes alternativos sem ajustes de formulação ou aditivos coadjuvantes.
PRINCIPAIS FUNÇÕES
- Estabilização de emulsões complexas: a gordura hidrogenada cria uma matriz lipídica densa, capaz de aprisionar água e outros ingredientes em emulsões do tipo óleo/agua ou agua/óleo, prevenindo a separação de fases durante o armazenamento.
- Controle preciso do ponto de fusão: isso garante que a gordura permaneça estável em temperatura ambiente, mas derreta ao entrar em contato com o calor da boca, proporcionando sensação cremosa e derretimento controlado.
- Aeração e retenção de ar: essencial para sistemas batidos como coberturas tipo chantilly e mousses, em que a retenção de bolhas de ar depende da plasticidade da gordura.
- Shelf-life prolongado: a estrutura hidrogenada confere proteção contra a oxidação lipídica, retardando o lançamento e preservando a qualidade sensorial por mais tempo.
- Termoestabilidade: evita a fusão precoce ou sinérese (liberação de líquido), mantendo a consistência do recheio ou cobertura mesmo em condições adversas de transporte e exposição.
Essas funções são particularmente importantes em produtos sujeitos a variações de temperatura e umidade durante a cadeia logística. Assim, a remoção da gordura hidrogenada exige uma reengenharia meticulosa da formulação, considerando fatores como compatibilidade de ingredientes, comportamento de fusão/cristalização, e impacto sensorial geral.
Nas formulações de recheios e coberturas cremosas, a gordura hidrogenada contribui para:
- Estrutura e estabilidade da emulsão;
- Ponto de fusão ajustado, garantindo derretimento adequado na boca;
- Aeração estável em coberturas batidas;
- Shelf-life prolongado devido à resistência à oxidação;
- Consistência termicamente estável, evitando separação de fases em condições de transporte e estocagem.
A remoção dessa gordura exige, portanto, uma reengenharia precisa das matrizes lipídicas para manter essas funcionalidades.
Principais alternativas tecnológicas
1. Gorduras interesterificadas
Produzidas por reação enzimática ou química entre ácidos graxos e triglicerídeos, oferecem excelente controle do ponto de fusão, sem formação de trans.
Vantagens: perfil plástico similar às gorduras hidrogenadas; estabilidade térmica e oxidativa; boa performance em emulsões.
Limitações: podem requerer ajustes em emulsificantes para manter aeração.
2. Misturas de óleos vegetais estruturados
Combinam óleos líquidos (como girassol, algodão, canola) com agentes estruturantes como mono e diglicerídeos, ceras vegetais (carnaúba, arroz) e amidos modificados.
Vantagens: flexibilidade na formulação; perfil de ácidos graxos mais saudável; rótulo mais limpo.
Limitações: desafio de estabilidade em ambientes de calor elevado.
3. Oleogéis (géis oleosos)
Sistemas estruturados com uso de oleogelificantes naturais (fitosteróis, tocoferóis, ceras, lecitinas) que transformam óleos líquidos em sistemas semi-sólidos.
Vantagens: mimetizam a textura da gordura sem ácidos graxos trans ou saturados em excesso; permitem uso de óleos funcionais (ex: óleo de linhaça).
Limitações: requerem conhecimento em reologia; custo dos agentes estruturantes pode ser elevado.
4. Gorduras de palma e suas frações
Incluem estearina de palma e palm kernel, naturalmente sólidas em temperatura ambiente.
Vantagens: boa estabilidade; excelente capacidade de formar cristais ß'; custo competitivo.
Limitações: impacto ambiental e percepção negativa do consumidor; necessidade de certificação RSPO.
5. Emulsões base aquosa com substitutos lipídicos
Inovações recentes usam fibras solúceis (inulina, betaglucana), hidrocolóides (carregenina, xantana) e proteínas vegetais para simular a fase lipídica.
Vantagens: redução calórica; posicionamento clean label; possibilidade de formulações veganas.
Limitações: nem sempre oferecem mesma sensação de boca da gordura tradicional.
Aspectos regulatórios e percepção de mercado
A proibição total de ácidos graxos trans industriais já é realidade em mercados como Estados Unidos, União Europeia e Brasil (desde 2023). Isso tem impulsionado a reformulação de diversos produtos, especialmente em confeitaria e panificação, onde o consumidor tem alta sensibilidade a mudanças no sabor e textura. Segundo levantamento da Innova Market Insights (2022), 34% dos lançamentos de sobremesas e confeitos globalmente já declaram "sem gordura trans" e 26% buscam alguma menção a “óleo vegetal não hidrogenado”.



