A indústria de carnes e derivados tem buscado exaustivamente produtos de qualidade. Por outro lado, consumidores cada vez mais exigentes têm preferido produtos cárneos mais saudáveis e com características sensoriais semelhantes às formulações tradicionais. Com isso, o desenvolvimento de novos sistemas de ingredientes tem surgido para a criação de produtos que forneçam benefícios à saúde e de alta qualidade (Doménech-Asensi et al., 2013; Pearson & Gillett, 1996; Weiss, Gibis, Schuh, & Salminen, 2010).
Nesse contexto, um dos principais desafios da indústria é retardar a oxidação lipídica, que reduz significativamente a vida útil de produtos cárneos. Nesse processo, os ácidos graxos insaturados sofrem uma série de reações envolvendo a formação simultânea de radicais livres. Sensorialmente, a formação desses produtos de degradação é responsável pelo desenvolvimento da rancidez (off flavor), sendo alguns potencialmente mutagênicos e carcinogênicos. Os produtos pré-cozidos armazenados sob refrigeração, por exemplo, podem desenvolver o sabor de requentado, fenômeno conhecido como “warmed-over-flavor” (Jiang & Xiong, 2016; Shah, Bosco, & Mir, 2014).
A solução tem sido buscada com amplas pesquisas dirigidas na identificação de novos compostos com ação antioxidante, extraídos de diferentes partes da planta como raízes, caules, frutos, sementes e cascas. A maioria destes extratos vegetais é rico em compostos fenólicos e proporcionam uma alternativa aos antioxidantes sintéticos. Eles ajudam a inibir a oxidação lipídica e a degradação de pigmentos da carne, retardando o aparecimento de sabores indesejados (Shah et al., 2014). Em contrapartida, estudos têm demonstrado a possibilidade de antioxidantes sintéticos apresentarem efeitos tóxicos, entre outros efeitos fisiológicos. Por esta razão, a busca da indústria por extratos naturais com elevado potencial antioxidante, baixo impacto no sabor e aroma e viabilidade econômica são contínuos.
Dentre muitos tipos de produtos cárneos, a mortadela é um produto consumido em todo o mundo, e em muitas regiões do Brasil assume grande importância na dieta (Horita, Morgano, Celeghini, & Pollonio, 2011). É definida pela legislação brasileira como sendo um produto cárneo industrializado obtido de uma emulsão embutida em envoltório específico e submetido ao tratamento térmico adequado. Como características físico-químicas principais permitem-se um mínimo de 12% de proteína, e máximos de 30% e 65% de gordura e umidade, respectivamente (Brasil, 2000). Este tipo de massa cárnea é um sistema multifásico formado pela cominuição de carne magra, gordura, sal e outros ingredientes (Gordon & Barbut, 1997). Em um produto cárneo, a utilização de carnes de diversas espécies apresenta diferentes características e propriedades, sendo que a gordura possui influência significativa na capacidade de ligação na emulsão e característica oxidativa do produto (Morin, Temelli, & McMullen, 2004; Zorba & Kurt, 2006).
Considerando o que foi dito acima, o principal objetivo deste estudo foi investigar o efeito de um preparado à base de extratos vegetais sobre a estabilidade oxidativas de mortadela tipo Bologna, substituindo totalmente os antioxidantes sintéticos da formulação. O tipo de mortadela selecionada para este estudo foi justificado por apresentar características de formulação e processo que são favoráveis ao processo oxidativo: composição de diversos tipos de matérias-primas cárneas (carne mecanicamente separada de frango, carne bovina e carne e toucinho suíno), passar por processo térmico de cozimento e permanecer armazenada acima da temperatura de refrigeração.
O preparado à base de extratos vegetais utilizado é composto por uma combinação sinérgica de extratos naturais, tecnologia desenvolvida pela área de desenvolvimento e pesquisa de produtos da empresa Duas Rodas, especificamente para aplicação em diversos tipos de produtos cárneos (frescais, cozidos, congelados, fermentados, entre outros).
Material e métodos
A unidade experimental para o estudo foi uma formulação comercial de mortadela tipo Bologna. Fabricaram-se três lotes substituindo os antioxidantes sintéticos isoascorbato de sódio (0,1%) e ácidos ascórbico (0,03%) pelo preparado à base de extratos vegetais (0,15 e 0,25%) codificados como AN-1 e AN-2, respectivamente. As mortadelas foram embutidas em tripas plásticas (2,5kg). A avaliação da estabilidade oxidativas das mortadelas foi realizada por métodos físico-químicos e sensoriais durante 90 dias de armazenamento sob temperatura entre 18ºC e 22°C. A determinação de substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) foi realizada segundo metodologia da AOCS - Official Method of Analysis. Para as medições de (L*, a*, e os valores b*) usou-se um color guide 45/0, 20mm (BYK - gardner). A análise sensorial utilizou o teste de comparação múltipla, que consistiu na apresentação de uma amostra padrão e outras codificadas, sendo que uma das amostras codificadas era o padrão em forma de placebo. Solicitou-se ao analista avaliar o grau de diferença das amostras em relação ao padrão, utilizando uma escala numérica de 5 pontos: 1 – Nenhuma, 2 – Ligeira, 3 – Moderada, 4 – Muita, 5 – Extrema. Solicitou-se para 12 julgadores treinados a avaliação dos atributos sensoriais aparência, cor, odor, sabor, textura e rancidez. As amostras foram servidas em recipientes à temperatura ambiente e analisadas de 15 em 15 dias. Os resultados obtidos foram tratados estatisticamente pelo teste de Tukey ao nível de 5%.
Resultados
Os resultados de TBARS são utilizados como análise auxiliar para a identificação da oxidação lipídica. As mortadelas apresentaram valores com variações similares nos tempos analisados. Durante o período de armazenamento, pode-se observar que as mortadelas AN-1 e AN-2 obtiveram valores semelhantes aos da mortadela Padrão, conforme Figura 1.
FIGURA 1 - VARIAÇÕES DE VALORES DE TBARS DE MORTADELAS EM DIFERENTES TEMPOS DE ARMAZENAMENTO. MA: MALONALDEÍDO
Os valores de L*, a* e b* das mortadelas estão apresentados na Tabelas 2. Comprova-se que a cor das mortadelas AN-1 e AN-2 não diferiu significativamente da mortadela Padrão.
TABELA 1 -– MÉDIAS DE L*, A* E B* DE MORTADELAS NO TEMPO 90 DIAS SOB TEMPERATURA ENTRE 18 E 22ºC
| L* | a* | b* |
Padrão | 56,82 a | 13,40 a | 14,51 a |
AN-1 | 56,68 a | 13,38 a | 14,76 a |
AN-2 | 57,54 a | 13,33 a | 15,01 a |
Médias referem-se a três repetições de análises para uma mesma amostra. Letras diferentes dentro das colunas indicam diferenças significativas (p <0,05).
A análise sensorial ratificou os resultados físico-químicos, comprovando a eficácia do antioxidante natural na inibição da oxidação lipídica. Estatisticamente, não se observou diferenças sensoriais significativas entre as mortadelas, exceto no tempo de 90 dias para a mortadela AN-1, onde uma ligeira diferença foi constatada apenas para o atributo sabor. Entretanto, durante as degustações, houve uma grande preferência sensorial pela mortadela AN-1, comparadas às mortadelas Padrão e AN-2.
TABELA 2 - VALORES MÉDIOS PARA OS ATRIBUTOS SENSORIAIS APARÊNCIA, COR, ODOR, SABOR, TEXTURA E RANÇO DAS MORTADELAS. TEMPO: 90 DIAS SOB TEMPERATURA ENTRE 18ºC E 22ºC
Atributos | Aparência | Cor | Odor | Sabor | Textura | Ranço |
Padrão | 1,08 a | 1,17 a | 1,50 a | 1,25 a | 1,08 a | 1,08 a |
AN-1 | 1,33 a | 1,42 a | 1,83 a | 2,33 b | 1,25 a | 1,25 a |
AN-2 | 1,42 a | 1,42 a | 1,75 a | 1,92 a | 1,17 a | 1,17 a |
Letras diferentes dentro das colunas indicam diferenças significativas (p <0,05).
Conclusão
O estudo mostrou a eficácia do preparado à base de extratos vegetais na substituição integral dos antioxidantes sintéticos da formulação, produzindo mortadelas de qualidade. A aplicação das concentrações 0,15% e 0,25% garantiu a conservação dos atributos sensoriais durante 90 dias de armazenamento sob temperatura entre 18ºC e 22°C. Desta forma, além de retardar a oxidação lipídica, o preparado desenvolvido apresentou benefícios como estabilização da cor e manutenção das características sensoriais originais da mortadela tipo Bologna, apresentando-se como uma solução para a indústria que busca produtos mais saudáveis e de alta qualidade.
Esta eficiente solução à base de antioxidantes naturais, desenvolvida pela Duas Rodas, tem atendido à necessidade cada vez mais ampla da indústria de alimentos processados na busca de produtos mais saudáveis e de qualidade.
* André Henrique Marques Luiz é especialista do Departamento de Desenvolvimento e Pesquisa de Produtos da Duas Rodas, líder no Brasil na fabricação de aromas e produtos para a indústria de alimentos e bebidas.
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