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A percepção multissensorial do sabor

Até recentemente, duas grandes escolas de pensamento dominavam a área da neurociência que estudava a percepção do sabor. Alguns pesquisadores acreditavam que os sinais de diferentes receptores eram direcionados para partes diferentes, embora interligadas, do cérebro. Outros neurocientistas acreditavam que os sinais de todos os receptores de sabor convergiam em um mesmo centro, facilitando a criação de um sabor específico.

Os dados atuais relatados por pesquisas mudaram a opinião da comunidade científica em favor da primeira hipótese. Descobriu-se que os neurônios ganglionares, ligados às células receptoras gustativas, possuem claras preferências de sabor e, para cada tipo de receptor, existem células dedicadas no cérebro que recebem informações das papilas gustativas.

Mas essa descoberta é apenas uma parte da história. Além das papilas gustativas e de seus receptores químicos, a cavidade oral ainda contém outros receptores: mecanorreceptores, termorreceptores e nociceptores (receptores da dor), que são responsáveis pela percepção da textura, temperatura, adstringência e dor, que combinados aos demais sentidos - olfato (retronasal e ortonasal), visão (cores, volume e formato), audição (sons da mastigação) e sistema motor (mastigação e deglutição) -, constituem o aparato sensorial utilizado na interação com os alimentos.

A percepção do sabor é a mais multissensorial das experiências cotidianas e a mais complexa. As pesquisas mais recentes de neurocientistas revelam cada vez mais as complexas interações multissensoriais que dão origem às experiências de sabor, demonstrando como dependem da integração de sugestões de todos os sentidos humanos. Essa perspectiva explora as contribuições de sentidos distintos para a percepção dos alimentos e a percepção crescente de que as mesmas regras de integração multissensorial que foram exploradas em interações entre audição, visão e tato também podem explicar a combinação dos sentidos do sabor.

Um dos fatores mais intrigantes sobre o sentido do sabor é que o ser humano possui diferentes gostos. As diferenças individuais na densidade dos receptores gustativos na língua são muito mais altas do que em qualquer outro dos sentidos; algumas pessoas possuem 16 vezes mais papilas gustativas em suas línguas do que outros indivíduos.

O sabor envolve a combinação de estímulos gustativos e olfativos, dando origem a descritores. Vale mencionar que é importante distinguir entre cheiro ortonasal, quando o ar é pulsado para dento da cavidade nasal (aspiração do aroma do alimento) e cheiro retronasal, quando o ar é pulsado para fora da cavidade nasal (engolir o alimento). Embora a distinção entre esses dois sentidos do olfato tenha sido reconhecida há mais de um século, só recentemente os pesquisadores puderam fornecer suporte empírico para a afirmação de que diferentes substratos neurais podem estar envolvidos no processamento desses dois tipos de informação olfativa. São os aromas retronasais que, combinados com sugestões gustativas, dão origem aos sabores.

Embora seja natural pensar que o gosto, ou seja, a gustação, desempenha papel fundamental na percepção multissensorial do sabor, a maioria dos pesquisadores concorda que é o sentido do olfato que realmente contribui com a maioria das informações.

Os estímulos olfativos regularmente combinados com alimentos doces, amargos, salgados ou mesmo azedos podem melhorar a qualidade do sabor associado, mesmo quando apresentados em um nível abaixo do limiar. Tais interações intermodais tornam ainda mais difícil traçar uma linha clara entre experiências de gosto e de sabor, lembrando que esses dois atributos não têm o mesmo significado e que cada um possui particularidades e funções diferentes. Enquanto o gosto é a reação química entre o alimento e as papilas gustativas, o sabor é a riqueza de sensações que o paladar, em conjunto com o olfato, proporciona.

A visão também contribui para a percepção multissensorial do sabor. Mais de 150 estudos examinaram a influência da visão sobre o sabor, demonstrando que mudar a tonalidade e/ou a intensidade da cor adicionada a um alimento ou, mais frequentemente, a uma bebida pode influenciar a identidade percebida e/ou a intensidade do sabor. Contudo, esse efeito crossmodal nem sempre é encontrado, o que pode ser explicado pelas diferentes expectativas individuais de sabor pela mesma cor do alimento.

Uma das observações mais comuns relatadas pelos estudos foi que mudar a tonalidade de uma bebida muda o sabor percebido, ou seja, uma bebida com sabor de cereja pode ser percebida com gosto de lima se a sua cor for verde, ao mesmo tempo em que se percebe o gosto de laranja se a cor for laranja.

Embora sempre apareça no final da lista de classificação quanto a importância relativa de cada um dos sentidos para melhorar a percepção, os sinais auditivos (crocante, quebradiço, carbonatado e, inclusive, cremoso) desempenham papel importante na percepção multissensorial dos atributos dos alimentos. Um dos estudos clássicos sobre esse tema demonstrou que a percepção sobre a nitidez e frescura de batatas fritas pode ser sistematicamente modificada alterando os sons da mordida. Isso é um exemplo de como os estudos sobre audição, tato e visão podem fornecer ideias e abordagens úteis quando se trata de entender a natureza multissensorial da percepção do sabor humano.

As influências cognitivas também afetam a percepção multissensorial dos sabores. Fatores cognitivos como marca, rotulagem, embalagem e preço desempenham papel importante na determinação das expectativas sensoriais discriminativas e hedônicas.

Existem várias evidências que sugerem que as expectativas cognitivas em relação ao sabor podem ter profunda influência em alguns dos primeiros locais neurais onde as informações olfativas e gustativas são processadas; a simples leitura da palavra sal, por exemplo, demonstrou ativar muitas áreas quando um sabor salgado é experimentado na boca.

A descrição de um alimento desempenha papel particularmente importante quando as expectativas ao ver um prato (chamado de sabor visual) são ambíguas ou diferentes do sabor real do prato. O significado do que os consumidores veem ou, em outras palavras, as suas expectativas em relação ao sabor provável de um alimento ou bebida, pode ser radicalmente alterado em função de informações adicionais sobre o alimento. Os efeitos da rotulagem tendem a ser especialmente pronunciados quando o próprio estímulo é ambíguo.

Outra área crescente de interesse no estudo da percepção multissensorial de sabores é a das correspondências intermodais. A pesquisa mais recente mostra a tendência na associação de gostos, aromas e sabores a outros sinais sensoriais não relacionados de maneiras surpreendentemente consistentes, como a tendência da combinação de gostos com sons, com cores específicas e com formas. Embora a origem de muitas dessas correspondências ainda esteja sendo debatida, um crescente número de pesquisas está sendo realizado para documentar a gama de correspondências crossmodais no mundo dos sabores e aromas.

Por outro lado, nos últimos anos houve um rápido crescimento da compreensão das redes neurais subjacentes à percepção multissensorial de sabores. As pesquisas revelaram que os estímulos gustativos se projetam da língua para o córtex gustativo primário, mais especificamente, a ínsula anterior e o opérculo frontal ou parietal, enquanto os estímulos olfativos se projetam diretamente para o córtex olfativo primário, ou seja, a piriforme. A partir disso, as entradas de ambos os sentidos se projetam para o córtex orbitofrontal (OFC). Segundo as pesquisas, os estímulos gustativos se projetam para o córtex orbitofrontal caudolateral, enquanto os estímulos olfativos se projetam para o córtex orbitofrontal caudomedial. Ocórtex orbitofrontal desempenha papel central na representação da "simpatia" por um alimento ou bebida.

Ao pensar na percepção multissensorial de sabores é importante distinguir entre expectativas de sabor e experiências de sabor. Na maioria das condições cotidianas, o primeiro influencia profundamente o segundo.








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