Composto basicamente de leite e derivados lácteos e/ou outras matérias-primas alimentícias, o sorvete é um alimento saboroso e nutritivo. É um produto obtido pelo congelamento, sob continua agitação, de uma mistura pasteurizada de produtos lácteos ou não, açúcares, corantes, aromatizantes, estabilizantes e emulsificantes, em diversas proporções, visando atender aos padrões recomendados. O produto final apresenta textura e grau de plasticidade que deve se manter até o momento do consumo, desde que armazenado em condições de temperatura e higiene adequadas.
A seleção de bons ingredientes e a manipulação adequada são fatores de suma importância no processamento, garantindo sabor limpo, fresco e palatabilidade adequada. Os diferentes componentes utilizados na elaboração do sorvete exercem funções relativas à qualidade do produto, como corpo, textura, cremosidade, cor, aroma e sabor. Outros componentes também podem ser adicionados à massa e no produto final, caracterizando, assim, o sabor final do sorvete.
Vários ingredientes disponíveis no mercado apresentam efeitos importantes na qualidade do sorvete. Esses ingredientes podem ser classificados em componentes lácteos e não lácteos de várias fontes. Os ingredientes que afetam a qualidade do sorvete incluem açúcar, gordura, sólidos não gordurosos de leite (MSNF - Milk Solid Non Fat), água, emulsificantes e estabilizantes.
Os açúcares, além de conferirem sabor doce, são determinantes para o ponto de congelamento, para a textura e para a palatabilidade do produto final.
O açúcar é um componente incongelável que atua retardando o congelamento e, portanto, “oposto” ao processo de congelamento. Além disso, de acordo com a sua origem, atua como modificador do processo de congelamento. Como consequência, à medida que se agrega mais açúcar na água, diminui-se a temperatura de congelamento da mistura água-açúcar.
No sorvete, uma consistência adequada e uniforme pode ser obtida quando as soluções a serem congeladas se encontram com valores de açúcares totais mínimos de 18%, dependendo, logicamente, da porcentagem dos outros ingredientes que constituem a mistura e que, de certa forma, os modificam, como ocorre com a gordura, os sólidos não gordurosos e os estabilizantes.
Entre várias misturas de açúcar disponíveis comercialmente, os sólidos de xaropes de milho com baixa conversão são os preferidos, porque não afetam as características do sorvete e aumentam o total de sólidos. A sacarose executa várias funções no sorvete. Além de adoçar, a aplicação de açúcar no sorvete controla a fusão e o congelamento, assim como a viscosidade da mistura, melhora a capacidade de mistura da massa e ajuda a conferir aroma. O açúcar fornece a maioria dos sólidos, bem como corpo e textura ao sorvete, evitando a formação de cristais de gelo e a cristalização da lactose no mesmo.
Contudo, o excesso na adição de açúcar causa efeitos negativos, como sabor suave devido à falta de doçura, mascaramento do sabor desejado, empapamento, depressão do ponto de congelamento, congelamento lento e o endurecimento requer baixa temperatura.
A presença de gordura no sorvete contribui para o desenvolvimento de uma textura suave e melhora o corpo do produto. A gordura láctea é o ingrediente de maior importância no sorvete e pode variar de 0% a 24%. A gordura fornece energia, ácidos graxos essenciais, esteróis e interage com outros ingredientes, desenvolvendo o sabor e a estrutura.
A melhor fonte de gordura láctea é o creme de leite fresco, mas também podem ser utilizadas outras fontes, como o creme de leite congelado, a manteiga, a gordura láctea anidra, a gordura láctea fracionada e misturas de leite concentrado.
O tipo de gordura, sua composição e ponto de fusão têm influência decisiva sobre as características organolépticas e estabilidade do sorvete durante a sua conservação. A principal gordura utilizada na fabricação do sorvete em adição ou substituição da gordura láctea é a gordura vegetal hidrogenada, devido aos baixos teores de colesterol e plasticidade. Outros tipos utilizados para fabricação do sorvete são a gordura de coco, de palma, de cacau, de algodão e de colza.
A diferença mais facilmente observada entre o sorvete de baixa ou elevada quantidade de gordura é a sensação de frio. Os sorvetes com baixos teores de gordura parecem mais frios ao degustá-los, enquanto os com altos teores de gordura reduzem a sensação bucal de frio, possuem alta sensação cante na boca e são macios e cremosos.
Estudos mostram que glóbulos de gordura concentrados na superfície das células de ar durante o congelamento do sorvete, principalmente de fonte láctea, melhoram o sabor.
Com o aumento da gordura no sorvete, os sólidos não gordurosos do leite (SNGL) devem ser diminuídos para se evitar a formação de arenosidade, que se deve a cristalização da lactose no sorvete. Na prática, a quantidade de ar incorporada em relação ao volume do produto (overrun) define a área superficial do ar a ser recoberta pela gordura livre e pelos glóbulos isolados.
Os sólidos não gordurosos do leite contribuem para o sabor lácteo, corpo, mastigabilidade e textura, além da capacidade de formação das bolhas de ar.
Embora cada um dos ingredientes mencionados tenha uma função específica, dependendo da fonte que são obtidos e do processo de fabricação, podem perder parcialmente a sua funcionalidade, por isso utilizam-se outros ingredientes para compensar esta perda ou até mesmo para melhorar os atributos do produto original.
Entre os produtos lácteos utilizados, destacam-se creme de leite, manteiga, leite, soro de leite, caseína e caseinato. Os produtos não lácteos mais utilizados são carboidratos, estabilizantes, emulsificantes, essências e corantes. Outros ingredientes, como amidos, ovos ou derivados, por exemplo, também podem ser adicionados.
A composição do sorvete interfere nas suas características físicas, pois está relacionada com o processo que influenciará diretamente o estado de agregação dos glóbulos de gordura, a quantidade de ar incorporada, o tamanho das bolhas de ar, a viscosidade da fase aquosa e o tamanho e estado de agregação dos cristais de gelo.
Grande parte do sorvete é composto por água, entre 55% a 64% em peso, que durante o congelamento se converte em gelo.
A água é o meio onde são dissolvidos ou dispersos todos os ingredientes da formulação; mantém a fase contínua no sorvete, sendo adicionada na forma sólida ou líquida. Produtos de origem láctea também contribuem com o conteúdo de água, a qual atua como solvente e fornece o meio líquido.
Durante a preparação do sorvete, a saturação é criada pela incorporação de ar na mistura para aumentar o volume. A manutenção da quantidade uniforme de ar e sua qualidade são essenciais no controle da boa qualidade do sorvete. A quantidade de ar no sorvete é importante devido a sua influência na qualidade do produto final, ao qual confere maciez. A interface entre ar e material disperso na fase aquosa é estabilizada por um filme fino de material não congelado e glóbulos de gordura parcialmente misturados.
A incorporação de ar acima de determinado nível causa defeitos no sorvete, como redução no tamanho dos cristais de gelo, redução no ponto de fusão e baixa dureza.
Os estabilizantes, também chamados de espessantes, aglutinantes e hidrocoloides, são compostos macromoleculares que se hidratam intensamente com água e formam soluções coloidais, controlando, assim, a movimentação da água através da formação de pontes de hidrogênio e da formação de uma rede tridimensional que impede a mobilidade da água.
Os estabilizantes são usados em pequenas quantidades (0,1% a-0,5%) na mistura de sorvete, conferindo uniformidade e maciez ao corpo do produto. Sua utilização tem por objetivo evitar o crescimento de cristais de gelo e de lactose, e a recristalização, causada pelas flutuações de temperatura durante a conservação do sorvete.
Os estabilizantes também melhoram as propriedades de batimento, aumentam a viscosidade da calda, contribuem para o melhoramento do corpo e textura do produto final, melhoram as propriedades de derretimento, evitam a separação do soro, facilitam a incorporação e a distribuição de ar durante a fabricação do sorvete, promovem melhor estabilidade durante o armazenamento e não têm efeito no ponto de congelamento.
Contudo, se não incorporados na medida certa, podem restringir a capacidade de chicoteamento, formar uma estrutura pesada e encharcada e produzir propriedades de fusão indesejáveis.
Os emulsificantes são substâncias químicas com uma parte da molécula hidrofóbica e outra hidrofílica que possibilitam a formação de uma emulsão, reduzindo a tensão superficial. No sorvete existem dois tipos de emulsão: emulsão gordura em água e emulsão ar em calda, parcialmente congelada.
No sorvete, os emulsificantes são usados para promover a uniformidade durante o batimento, reduzir o tempo de batimento da calda, controlar a aglomeração e o reagrupamento da gordura durante a etapa de congelamento (estabiliza a emulsão de gordura) e facilitar a distribuição das bolhas de ar, produzindo um sorvete com corpo e textura cremosa típica. Seu uso também reduz os efeitos negativos causados pela flutuação da temperatura e aumentam a resistência ao derretimento.
O uso excessivo de emulsificante pode resultar em derretimento muito lento e alterações nas características desejáveis de corpo e textura.
Os emulsificantes mais utilizados para a fabricação de sorvete são mono e di-glicerídeos e monoestearato de sorbitana.
Os corantes e aromatizantes são utilizados para intensificar as propriedades de cor, aroma e sabor do alimento. Tais substâncias podem ser naturais ou artificiais.
As essências apresentam duas características importantes: tipo e intensidade. Geralmente, as essências de sabores pouco intensos são mais facilmente misturadas e tendem a não ser rejeitadas em altas concentrações.
O total de sólidos inclui a soma de todos os ingredientes sólidos e secos do sorvete. Gordura, açúcar, MSNF, estabilizantes e emulsificantes contribuem para o total de sólidos do sorvete. As propriedades do sorvete são melhoradas especialmente pela adição de sólidos de soro de leite e gema de ovo, creme de leite e ovos. Entre as principais funções estão a melhoria da textura e do corpo, melhoria da capacidade de chicoteamento, redução do ponto de congelamento e aumento da saturação. O excesso de total de sólidos no sorvete pode causar diminuição do resfriamento e estrutura encharcada e pesada.
Os sólidos de gema de ovo são de alto valor alimentício, aumentam a viscosidade, conferem corpo e textura, e possuem pouca influência no ponto de congelamento.
O sorvete é um alimento extremamente complexo e o entendimento dos ingredientes, do processamento, da microestrutura, da textura e da relação entre esses itens permite a elaboração de produtos de alta aceitabilidade no mercado.
Márcia Fani
Editora