A valorização dos atributos de qualidade e de responsabilidade social vem crescendo significativamente no mercado mundial de alimentos. Quando se fala em alimentos de qualidade, dois aspectos devem ser considerados: os atributos do produto que atraem o consumidor, como por exemplo, as suas características sensoriais; e os atributos que o consumidor considera como pré-requisitos, como por exemplo, a ausência de perigos para a sua saúde. Nesse cenário, garantir a qualidade do produto passa a ser primordial para que se estabeleça uma relação entre o consumidor, o produto e o fabricante.
Órgãos específicos, sistemas de informação e mecanismos de identificação de qualidade foram criados para assegurar ao consumidor maior segurança no consumo. Esses mecanismos podem ser identificados através da rastreabilidade, dos selos de qualidade e da própria marca do produto, oferecendo ao consumidor, no ato da compra ou do consumo, um padrão mínimo de qualidade. Essas informações são fundamentadas em legislações e normas que são repassadas ao consumidor, geralmente, na embalagem do produto, contendo sua composição, técnicas de produção e, algumas vezes, a origem do alimento. No ato da compra, o papel do consumidor passa a ser fundamental no que se refere a segurança, exigindo mais qualidade e garantias, como certificados confiáveis que atestem e garantam a existência de atributos de qualidade nos alimentos adquiridos; essas informações geram a sensação de que existe um controle e que o alimento é seguro para consumo.
Por trás dessas informações transmitidas ao consumidor, existe um complexo processo de garantia da qualidade realizado pelas indústrias alimentícias, que está diretamente ligado a segurança alimentar e a segurança de alimentos, itens que vem ganhando cada vez mais relevância entre os consumidores e, consequentemente, entre os fabricantes de produtos alimentícios.
Nesse contexto, é importante explicar a diferença entre os termos segurança alimentar e segurança de alimentos. O primeiro termo refere-se ao direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidades suficientes. Já o termo segurança de alimentos é definido pelos Princípios Gerais de Higiene Alimentar do Codex Alimentarius como sendo o alimento que quando consumido não causará danos à saúde do consumidor.
O conceito de segurança alimentar surgiu na década de 1970, com base na produção e disponibilidade de alimentos em nível global e em cada nação. Na década de 1980, foi acrescentada a necessidade de acesso aos alimentos para uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, para cobrir as necessidades nutricionais e preferências culturais para uma vida saudável e ativa.
Embora os significados sejam diferentes, fica obviamente clara a relação entre esses dois termos; não pode haver segurança alimentar sem segurança de alimentos. Este é um pilar básico que garante o acesso a alimentos de qualidade e que não prejudiquem a saúde do consumidor.
Para integrar esses dois pilares foi criada, em 1947, a ISO - International Organization for Standardization, ou Organização Internacional para Padronização, entidade de padronização e normatização criada em Genebra, na Suíça, que congrega os grupos de trabalho de padronização e normalização de 170 países. No Brasil, a ISO está relacionada, também, à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que normatiza determinadas questões que devem ser seguidas por todas as instituições nacionais.
A ISO tem como objetivo criar normas que facilitem o comércio e promovam boas práticas de gestão e o avanço tecnológico, além de disseminar o conhecimento obtido através dessas boas práticas reconhecidas e transformadas em padrões internacionais. A norma técnica mais conhecida e utilizada mundialmente é a ISO 9001 - Sistema de Gestão da Qualidade -, criada em 1987. A partir dela, várias outras normas ISO foram desenvolvidas, implementadas e reconhecidas internacionalmente, cada uma atendendo a um processo. Entre elas, está a ISO 22000 - Sistema de Gestão da Segurança Alimentar -, que se baseia nos princípios do HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Point, ou Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) do Codex Alimentarius.
O enfoque da ISO 22000 é a segurança alimentar em todas as etapas da cadeia de fornecimento, combinando elementos fundamentais e normalmente reconhecidos para garantir a segurança de alimentos ao longo da cadeia, incluindo gestão de sistema; comunicação interativa; controle de riscos de segurança de alimentos através de programas de pré-requisitos e planos HACCP; e melhoria e atualização contínua do sistema de gestão de segurança de alimentos.
A primeira versão da ISO 22000 foi estabelecida em 2005, como uma norma com base na ISO 9001, embora criada para as empresas do segmento de produção de alimentos. Inclui parâmetros atribuídos a definição do sistemas de Gestão em Segurança de Alimentos e a obrigação de fazer a análise de perigos do sistema com base na ferramenta HACCP. Em 2018, essa norma passou por uma revisão, com o propósito de atender à crescente demanda mundial dos consumidores por uma produção de alimentos segura e sustentável, combinada com a transparência nas cadeias de suprimentos. Assim, a nova versão também contempla como princípios o foco no cliente, liderança, engajamento das pessoas, abordagem de processo, melhoria, tomada de decisão baseada em evidência e gestão de relacionamento.
Embora as duas normas estejam relacionadas à qualidade e uma tenha sido originada da outra, a principal diferença entre ambas é o foco. Na ISO 9001, o foco é em todas as características da qualidade exigidos por requisitos legais, estatutários e pelo cliente. Na ISO 22000, o foco é direcionado a um atributo específico da qualidade, ou seja, a segurança dos alimentos. Além disso, a ISO 9001 é aplicável a todas as empresas e indústrias do ramo de serviços, enquanto a ISO 22000 é aplicável às organizações incluídas na cadeia produtiva dos alimentos, o que abrange equipamentos, embalagens, transporte e armazenamento. Com relação aos parâmetros mais importantes para a implementação das normas, a ISO 9001 destaca o cliente, liderança, parceria com os fornecedores, tomada de decisões baseadas em fatos, envolvimentos das pessoas, abordagem de processos e dos sistemas. Já na ISO 22000 os elementos principais são a comunicação interativa, sistemas de gestão, APPCC e programas de pré-requisitos.
A ISO é a mais antiga norma de padronização e normalização de produtos e serviços reconhecida internacionalmente, e dela derivam vários outros protocolos de certificação existentes hoje no mercado, reconhecidos globalmente e que atendem aos requisitos mínimos do GFSI (Global Food Safety Initiative), como a FSSC 22000, o IFS e BRC.
A FSSC 22000 (Food Safety System Certification - Certificação do Sistema de Segurança Alimentar) é um sistema baseado na ISO e internacionalmente aceito como certificação para auditorias de segurança de alimentos nos setores de alimentos e bebidas. Esse sistema de gestão da qualidade utiliza as normas ISO 22000, ISO 22003, além de especificações técnicas do setor. É uma norma voltada especificamente ao setor de fabricação de alimentos, rações e embalagens, assim como aos setores de armazenamento e distribuição, serviços de catering e varejo/atacado.
O IFS (International Food Standard - Padrão Internacional de Alimentos) é um padrão comum de segurança de alimentos com um sistema de avaliação uniforme, utilizado para qualificar e selecionar fornecedores, que compreende oito padrões diferentes para alimentos e não alimentos, cobrindo os processos ao longo da cadeia de fornecimento. O IFS não especifica como esses processos devem ser realizados, apenas fornece uma avaliação baseada no risco. Os diferentes padrões do IFS são agora usados por fabricantes e varejistas em todo o mundo para atender aos novos requisitos de qualidade, transparência e eficiência resultantes da globalização.
O BRCGS (Brand Reputation through Compliance - Reputação da Marca por meio de Conformidade) é um padrão global para segurança de alimentos criado para garantir a conformidade do fornecedor e assegurar a capacidade das distribuidoras de garantir a qualidade e a segurança dos produtos alimentícios que comercializam. Além de garantir a padronização de critérios de qualidade, segurança e operação, garante que os fabricantes cumpram suas obrigações legais e ofereçam proteção ao consumidor final. Hoje, esse padrão é considerado internacionalmente um requisito fundamental para os principais varejistas, fabricantes e organizações de serviços alimentícios, sendo utilizado como uma estrutura de trabalho para qualquer empresa (distribuidoras e processadoras) para auxiliar na produção de alimentos seguros e na seleção de fornecedores confiáveis.
A demanda por produtos alimentícios seguros leva a regulamentação de normas e processos de garantia que tem como objetivo facilitar o monitoramento e o fortalecimento da segurança dos alimentos; reforçar a garantia do direito de informação sobre segurança e qualidade dos alimentos aos consumidores; e aumentar a proteção dos consumidores contra fraudes.
Quando o assunto é garantia da qualidade, são vários os desafios para as organizações envolvidas na cadeia produtiva de alimentos, justamente porque envolve o aperfeiçoamento e monitoramento contínuo de produtos e processos, que incluem requisitos normativos, padrões estabelecidos pelo mercado e principalmente as exigências dos consumidores, os quais demandam produtos seguros e de qualidade atestada, valorizando a garantia de origem e os selos de qualidade, obtidos a partir de boas práticas de fabricação e controle de riscos, que se tornam viáveis com a aplicação dos requisitos de normas e padrões internacionais e nacionais.
Garantir a qualidade dos produtos alimentícios não deve ser uma escolha opcional ou exclusiva das grandes indústrias, mas sim uma responsabilidade de todos os elos da cadeia de alimentos.
Márcia Fani
Editora