Entre a ampla gama de corantes alimentícios disponibilizados ao mercado, está o corante caramelo, obtido através da caramelização de açúcares, prática que é conhecida e utilizada desde a Antiguidade.
Existem dois tipos de reações de caramelização em produtos alimentícios: o escurecimento enzimático, que ocorre, por exemplo, quando frutas danificadas ou cortadas escurecem na superfície exposta, e o escurecimento não enzimático, que ocorre quando os produtos alimentícios, como grãos de café, carnes, pães ou açúcares, são aquecidos.
Geralmente, a formação desejada da cor marrom está associada ao escurecimento não enzimático, que pode ocorrer de várias maneiras, sendo as duas mais importantes a reação de Maillard, na qual açúcares, aldeídos e cetonas reagem com compostos contendo nitrogênio que ocorrem naturalmente para formar pigmentos marrons conhecidos como melaninas; e a reação de caramelização, na qual os açúcares são aquecidos na ausência de compostos contendo nitrogênio.
Inicialmente, o corante caramelo era comercializado como aditivo para produtos de cervejaria e para colorir conhaques. Hoje, é utilizado para conferir cor com variantes de matizes marrom-amarelada clara, marrom escuro até o preto, em uma variedade de produtos de panificação e misturas, cereais matinais, snacks, achocolatados em pó, essência de baunilha, shoyu, proteína texturizada de soja escura, caldas doces, chás prontos, biscoitos, pré-misturas de pães e bolos, refrigerantes e uma infinidade de outras aplicações.
Existem quatro tipos distintos de corante caramelo para atender aos requisitos de diferentes sistemas de alimentos e bebidas: Classe I, composta pelo caramelo simples ou caramelo cáustico, preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com álcali ou ácido; Classe II, composta pelo caramelo sulfito cáustico, preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos contendo sulfito; Classe III, composta pelo caramelo amônia ou caramelo beer, preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos de amônia; e ClasseIV, composta pelo caramelo sulfito amônia ou caramelo soft drink, preparado pelo tratamento térmico controlado de carboidratos com compostos de amônia e de sulfitos. Cada um dos tipos possui propriedades funcionais específicas que garantem compatibilidade e eliminam efeitos indesejáveis.
O corante caramelo é disponível comercialmente na forma líquida ou sólida, tendo coloração que vai do marrom escuro ao preto, aroma de açúcar queimado e sabor agradável e um tanto amargo. É totalmente miscível com água e contêm agregados coloidais que respondem pela maioria das suas propriedades de coloração e comportamento característico em relação a ácidos, eletrólitos e taninos.
Pode ser produzido a partir de uma variedade de fontes de carboidratos. As matérias-primas de carboidratos utilizadas são adoçantes nutritivos de grau alimentício disponíveis comercialmente, como monômeros de glicose e frutose ou seus polímeros, por exemplo, xaropes de glicose, sacarose ou açúcares invertidos e dextrose.
As especificações comerciais do corante caramelo variam de acordo com cada fabricante, mas usualmente incluem intensidade de cor, gravidade específica, viscosidade, pH, carga coloidal, shelf life, microbiologia e, nas apresentações em pó, granulação.
O poder colorífico do corante caramelo é de extrema importância. Os métodos de análise mais utilizados são o de Intensidade de Cor (Color Intensity), definida como a absorvência de uma solução a 0,1% (peso/volume), colocada em uma cubeta quadrada de 10mm de um espectrofotômetro com comprimento de onda de 610nm; o de Poder Tintorial K0.56 (Tintorial Power), cuja principal diferença em comparação com o método de Intensidade de Cor reside na utilização de um comprimento de onda de 560nm; e o colorímetro ou comparadores, sendo que neste método, a solução de corante caramelo é comparado com pedaços de vidros coloridos padronizados e, utilizando um multiplicador apropriado, determina-se o poder ou força corante em unidades EBC (European Brewery Convention). As cores dos vidros padrão apresentam tonalidades iguais às cervejas e soluções caramelo Classe III, ficando, assim, fácil determinar os valores EBC.
O caramelo não é somente um corante que escurece; possui várias nuances de coloração em tonalidades avermelhadas. Os nuances de coloração podem ser determinados através do índice de nuance (Hue Index), medida que determina as características vermelhas em corante caramelo, as quais, geralmente, oscilam entre 3,42 e 6,13. Em geral, quanto maior o tintorial, menor o índice de nuance e menor as tonalidades avermelhadas. Essas medidas devem ser sempre analisadas com muito cuidado, considerando a taxa de dissolução que será aplicada ao corante. Um corante com alto índice de nuance (8,0) é muito avermelhado, porém quando dissolvido oito vezes, apresenta tonalidade bem amarela.
A gravidade específica é empregada para calcular o peso por galão e para estimar o conteúdo de sólidos. É medida com um hidrômetro, um densíometro ou uma balança de gravidade específica, usualmente a uma temperatura entre 15,50C e 200C. Geralmente, a gravidade específica varia entre 1,32 e 1,36 para os caramelos Classe I; 1,25 e 1,38 para os da Classe III; 1,31 e 1,36 para os caramelos single-strenght Classe IV; e entre 1,25 e 1,28 para os caramelos double-strenght Classe IV.
A gravidade específica dos corantes caramelo líquidos varia entre 1,25 e 1,38. O conteúdo correspondente de substância seca oscila entre 50% a 75%.
A viscosidade é normalmente medida usando um viscosímetro de Brookfield ou similar a uma temperatura de 200C ou 300C. Varia de menos 100cps para o corante caramelo Classe IV double-strenght, até 10.000cps para o corante caramelo Classe III de alta gravidade específica. Caramelos de baixa viscosidade são mais fáceis de trabalhar; geralmente, dissolvem mais rapidamente e apresentam maior estabilidade e shelf life.
O pH é importante em algumas aplicações, podendo influenciar a compatibilidade e funcionalidade de outros componentes, bem como o pH do produto final. De modo geral, o corante caramelo apresenta boa funcionalidade em amplo espectro de pH (de 2,0 a 10,0). A maior parte dos corantes caramelo apresenta pH entre 2,0 a 5,0, embora a versão em pó, neutralizado antes de passar pelo spray drier, possa apresentar pH de aproximadamente 8,0. Os corantes caramelo líquidos devem ter pH inferior a 5,0 para propiciar boa estabilidade microbiológica.
A carga coloidal é muito importante e determina, em muitas aplicações, qual produto será usado. Cada molécula de caramelo leva uma carga iônica (eletroquímica) que pode ser positiva ou negativa. A maior parte dos caramelos utilizados atualmente possuem carga aniônica (ou negativa). Existem aplicações onde é necessário usar um corante caramelo catiônico (ou positivo), particularmente nos que têm contato com proteínas, como cerveja e produtos cárneos. Frequentemente, problemas de migração, precipitação ou floculação podem ser eliminados com o uso de corante caramelo com carga positiva.
Os corantes caramelo Classe I, que contêm a menor quantidade de reagentes, levam uma carga ligeiramente negativa. Os caramelos Classes II e IV, utilizando catalisadores com sulfito, sã fortemente positivos; e os caramelos Classe III, contendo somente componentes amoniacais, são fortemente positivos. a carga coloidal é fortemente influenciada pelo pH. Modificando o pH de soluções carameladas pode-se atingir o ponto isoelétrico (onde a carga é neutralizada); ajustes adicionais farão a carga mudar para a polaridade oposta. Assim, a carga de caramelos Classe III é habitualmente positiva até um pH 5; o ponto isoelétrico está entre 5 e 7, dependendo do produto, sendo negativa acima desse valor. O corante caramelo Classe IV apresenta carga negativa para pH superior a 2; o ponto isoelétrico está entre 0,5 e 2, sendo a carga positiva abaixo desse valor.
O corante caramelo apresenta excelente estabilidade microbiológica. Por ser fabricado sob condições de alta temperatura e pressão, o produto resultante é, do ponto de vista comercial, essencialmente estéril.
A estabilidade microbiológica do corante caramelo é, então, atribuída a alta temperatura do processo, alta acidez, alta pressão osmótica e alta gravidade específica do produto.
O shelf life para um corante caramelo armazenado em condição ambiente é normalmente de um a dois anos, dependendo o tipo de caramelo. Em temperatura ambiente, a reação de caramelização continua a se desenvolver, lentamente, com a cor e a viscosidade aumentando com o tempo.
Em caramelos Classe IV double-strenght, armazenados a temperatura ambiente, a cor aumenta e sua intensidade passa de 0,235 para 0,282 em 33 meses, ou seja, a taxa de 0,6% ao mês. Em caramelos Classe III, pode haver aumento de 0,111 para 0,143 em 36 meses, ou seja, 0,8% ao mês.
O corante caramelo é usado em alimentos há mais de um século e meio para conferir, intensificar ou restaurar a coloração, promovendo diversas tonalidades aos alimentos e bebidas, que variam desde o amarelo claro, passando pelo marrom avermelhado e marrom escuro, até o preto. Bebidas à base de cola, cervejas e pães escuros são alimentos familiares que contêm corante caramelo, mas vários outros alimentos e bebidas, incluindo sidra, destilados, à base de leite e frutas, sobremesas, geleias, cereais, pães, produtos de panificação, sopas e caldos, molhos para churrasco, carnes, molho de soja, temperos, confeitos e chicletes, são alimentos em que o corante caramelo é usado. Atualmente, mais de 30 categorias de alimentos e bebidas contêm corante caramelo, o qual está presente em 5% de todos os novos produtos alimentícios.
Márcia Fani
Editora