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Produção biotecnológica de aromas

O aroma de um alimento provém de uma mistura complexa constituída por grande número de compostos, os quais devem ser suficientemente voláteis para que sua composição atinja o limiar da percepção. Na prática, a massa molar desses compostos não excede 400 unidades de massa. Cada composto participa de forma diferente na percepção global do aroma, em função da sua nota e potência olfativa, definida pela sua contribuição no odor do alimento. Um único composto, ou um pequeno grupo de compostos é suficiente para reproduzir a nota típica de um alimento. Por outro lado, a reunião de todos os compostos identificados não permite a constituição satisfatória do aroma.

Existem muitos métodos de produção de aromas, mas os três grupos básicos incluem os métodos físico-químicos, químicos e biotecnológicos.

Os métodos físico-químicos dizem respeito ao óleo etéreo, óleo destilado que é privado de alguns compostos, e aos isolados, compostos oleosos que são isolados com o uso de destilação fracionada. Também são utilizados processos térmicos que se baseiam na estimulação técnica dos mecanismos de produção de aromas. Entre os muitos aromas obtidos pelo uso dos métodos físico-químicos pode-se mencionar os aromas de carne cozida, nozes assados, pão, cerveja, café e cacau.

Os métodos químicos de produção de aromas são mais econômicos e baseiam-se na síntese química, obtendo-se a mistura racêmica e as formas isoméricas.

Os métodos biotecnológicos são caracterizados pela estimulação técnica dos mecanismos de produção de aroma. Utilizando os métodos microbiológicos, enzimáticos e de cultura de tecidos, são produzidos os bioaromas, muito populares na indústria de alimentos.

Bioaroma é um termo utilizado para designar aromas de origem enzimática ou por fermentação; além de serem menos agressivos ao meio ambiente, os processos biotecnológicos produzem aromas considerados naturais.

Os bioaromas são comparados a substâncias químicas de aromas gerados biologicamente, derivados de fermentação microbiana, pela ação endógena ou processamento de enzimas, e através do metabolismo de plantas. O elemento-chave incluiu um selecionado biocatalisador capaz de executar, em uma única etapa, a transformação de um substrato, ou a sua conversão em múltiplas etapas, que tem início com o metabólito intermediário, ou uma síntese dos nutrientes básicos de uma fermentação em um controlado e aperfeiçoado processo técnico.

Existem mais de 3.000 microrganismos, entre fungos, bactérias e leveduras, que são cultivados nos mais diferentes meios para a produção de aromas, e mais de 6.000 moléculas aromáticas conhecidas.

O primeiro relato publicado sobre a capacidade de bactérias e fungos selecionados produzirem fragrância foi realizado em 1923, quando as leveduras foram destacadas como um dos grupos mais importantes de microrganismos que produzem, em cultura, um forte aroma etéreo, de variada intensidade, que lembra o odor de frutas, como morango, abacaxi, maçã, pera e melão. Os gêneros Mycoderma, Pichia, Willia e Torula e outros isolados de uva, de grãos úmidos de cevada, de suco de abacaxi, de folhas de ruibarbo e de queijo, foram citados como produtores de um agradável e complexo aroma de frutas. Entretanto, a relação entre a fisiologia microbiana e a produção de metabólitos com odor só veio a ser identificada em estudos realizados nos anos 50, quando um número significativo de trabalhos sobre compostos aromatizantes produzidos por bactérias, fungos filamentosos e leveduras começou a ser publicado. As pesquisas foram inicialmente direcionadas à otimização da biossíntese e à identificação de compostos de aromas específicos. Uma primeira lista de compostos voláteis em alimentos compreendia umas poucas centenas de constituintes.

Com o advento de modernos instrumentos de análise, particularmente a cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas, o número de compostos identificados aumentou significativamente e a mais recente compilação apontou mais de 10.000 compostos.

Tecnologias complementares contribuíram para a caracterização estrutural dos compostos aromatizantes, como os ésteres produzidos por Pseudomonas fragi; o aroma de coco detectado em cultivos de Trichoderma viride, Myocacia uda, Ischnoderma benzoinum, Trichoderma harzianum e de espécies do gênero Neurospora; o agradável aroma de maçã percebido no cultivo da levedura Dipodascus aggregatus; os 20 compostos voláteis, predominantemente ésteres e terpenos, que foram identificados no meio de cultura de Trichothecium roseum; os monoterpenos citronelol, linalol e geraniol, que foram produzidos no cultivo de Kluyveromyces lactis; o aroma de ananás intenso e agradável que foi produzido pela levedura Dipodascus magnusii; os monoterpenos com qualidade sensorial de leve aroma frutal produzido por duas linhagens de Ambrosiozyma monospora; e as notas frutais e florais produzidas por Hansenula anomala.

A maior parte dos aromas naturais é resultado da mistura de compostos que podem chegar a centenas. Produzidas em baixa concentração, essas misturas podem conter terpenos, aldeídos, ésteres, lactonas, álcoois superiores e outras moléculas complexas que resultam do metabolismo de fungos filamentosos e leveduras.

Os processos biotecnológicos para produção de aromas podem ser realizados por meio de síntese in vitro, na qual os aromas são os produtos de uma série de reações das vias metabólicas de uma célula viva, ou por meio de biotransformação (bioconversão), em que um substrato é modificado por um biocatalisador (enzima ou microrganismo) em uma ou poucas reações.

A biotransformação é uma reação bioquímica catalisada por microrganismos ou por enzimas de biomassa, que encontra aplicação na criação de centros quirais, na conversão de grupos funcionais com cadeia de reação semelhante e na função regiosseletiva do carbono. As principais vantagens do seu uso estão relacionadas à especificidade da reação, estereoespecificidade, regioespecificidade e condições leves de reação. É considerado um método natural de produção de aromas, devido ao uso de precursores naturais em processos como biocatálise, fermentação e isolamento de aromas de plantas e fontes animais.

Existem muitas aplicações da biotransformação na produção de bioaromas, como a bioconversão de ácido cinâmico em acetofenona pelas bactérias Pseudomonas; produção de aromas de frutas, como banana, pera, melão, maçã, e de citrona por fungos Ceratocystis fimbriata; ou produção de aroma de cogumelos por fungos Penicillium camembert.

Entre os métodos de biotransformação utilizados, o processo de biocatálise permite a obtenção de vários aromas naturais e idênticos aos naturais. O processo biocatalisa muitas reações químicas estereosseletivas e regiosseletivas, utilizando biocatalisadores que estão em uma célula ou que fazem parte dessa célula isolada. A quiralidade de aromas geralmente ocorre na forma de enantiômeros únicos ( moléculas que são imagens no espelho uma da outra e não são sobreponíveis, nem por rotação, nem por translação), que indicam marcas sensoriais diferentes na aparência de outros regioisômeros.

Os biocatalisadores mais conhecidos e utilizados são as lipases, de fácil disponibilidade e ativas em solventes orgânicos; os microrganismos mais usados são as leveduras.

Um exemplo que ilustra as vantagens da produção biotecnológica de aromas é o do composto vanilina, que confere o aroma de baunilha. Para produzir 1 kg de vanilina são necessários 500 kg de favas da orquídea Vanilla planifolia, sendo que o processo de obtenção, desde a polinização manual das flores para obtenção da fava e a extração, pode levar até dois anos. Sua produção por meio de síntese química leva ao aumento sensível do rendimento e a diminuição desejável do custo de produção; porém, gera cerca de 160 kg de resíduos por quilo de vanilina produzida, tornando-o um processo não sustentável do ponto de vista ambiental. Por outro lado, a sua produção biotecnológica, ainda que mais onerosa do que a produção quimiossintética, apresenta grande redução do custo quando comparada à extração, com a vantagem de não gerar tantos resíduos.

As pesquisas mais recentes têm explorado a utilização de resíduos agroindustriais para a produção de aromas como uma forma de redução do custo. A casca da laranja, por exemplo, rica em óleos essenciais, como olimoneno, pode ser utilizada para a produção de aromas. O limoneno é um monoterpeno monocíclico obtido em grandes quantidades a baixo custo (aproximadamente 50 mil toneladas são recuperadas ao ano como subproduto da indústria cítrica mundial). Por meio da biotransformação, o limoneno pode ser utilizado como substrato precursor de diversos aromas, como α-terpineol, álcool perílico, carveol, carvona e mentol.

A produção de compostos químicos do aroma por meio de biossíntese oferece como vantagens a produção de múltiplos componentes que contribuem para um perfil balanceado do aroma; a obtenção de novos efeitos de aroma, com características únicas não obtidos com processos tradicionais; a obtenção de perfis de aroma que são considerados naturais pelos consumidores; e a potencialidade para a produção de volumes que atendam ao mercado internacional.

Márcia Fani

Editora




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