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A preferência dos consumidores por produtos frescos e com sabor de fresco tem levado ao desenvolvimento de tecnologias de conservação mais brandas. Os produtores de alimentos têm procurado soluções que previnem o crescimento de microorganismos sem comprometer a qualidade e sabor natural dos produtos. Novos processos estão sendo avaliados e assim, novas técnicas e produtos vêm aparecendo no mercado. Os processos de conservação que mais chamam a atenção, e o interesse, são aqueles nos quais os produtos são sujeitos a um tratamento físico, ou seja, onde não há adição de nenhum ingrediente conservante, e a temperaturas inferiores aquelas normalmente empregadas na pasteurização. Com isto, a qualidade e o sabor natural dos produtos não são negativamente afetados pelo calor. Ademais, a ausência de aditivos conservantes é de grande importância aos olhos das legislações européias e norte-americanas. Essa importância reside no fato que tanto a EFSA (European Food Safety Authority) quanto a FDA (United States Food and Drug Administration) consideram de formas distintas os processos usando um tratamento físico e os processos nos quais são empregados aditivos. Um dos processos físicos que está começando a chamar cada vez mais a atenção dos processadores de alimentos é a tecnologia dos campos elétricos pulsados (CEP) ou, em inglês, Pulsed Electrical Field (PEF) ou ainda High Intensity Pulse Electric Field (HIPEF).
Neste artigo, abordamos também algumas outras novas tecnologias, destacando-se entre elas, o processamento sob alta pressão, o uso de luz pulsada e ultra-som.
Introdução
Em cada método de processamento mínimo, o tratamento destrói microrganismos e, em alguns casos, enzimas, e não há aumento substancial da temperatura do produto. Há, portanto, poucos danos aos pigmentos, compostos de sabor e vitaminas e, em contraste com os processos usando altas temperaturas, as características sensoriais e nutricionais dos alimentos não são degradadas, pelo menos de forma significativa. Os produtos resultantes possuem maior qualidade e apelo junto aos consumidores, particularmente em mercados onde a conservação das características sensoriais naturais pode significar a aplicação de preços premium.
Exemplos de novas tecnologias de processamento mínimo são apresentados na Tabela1.
TABELA 1 - EXEMPLOS DE NOVOS PROCESSOS QUE PODEM TER APLICAÇÕES PARA PROCESSAMENTO MÍNIMO DE ALIMENTOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Os campos elétricos pulsados e o processamento sob alta pressão hidrostática tem sido estudados por muitos anos e agora estão na fase inicial de exploração comercial. Os ultra-sons tem sido utilizados por muitos anos para homogeneizar alimentos e em limpeza da unidades industriais, e agora estão sendo combinados com tratamentos térmicos sob pressão para reduzir a quantidade de calor necessária para a destruição microbial ou inativação de enzimas. O tratamento sob luz pulsada é um desenvolvimento mais recente, que pode ter um bom potencial no tratamento de superfície de alimentos e materiais de embalagem ou para tratamento de água. As vantagens e limitações dessas tecnologias estão resumidas na Tabela 2, juntamente com exemplos de potenciais produtos que possam se tornar comercialmente importantes.
TABELA 2 – VANTAGENS E LIMITAÇÕES DE ALGUNS NOVOS MÉTODOS DE PROCESAMENTO MÍNIMO ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Em todos os desenvolvimentos de processos com tratamento mínimo, não é apenas a melhora da qualidade alimentar dos produtos que é importante. O processo deve ser capaz de operar em um ambiente de fábrica e não apenas em um laboratório com pessoal altamente qualificado; deve assegurar um benefício financeiro para o fabricante e deverá ser suficientemente flexível para acomodar uma ampla gama de produtos, muitas vezes com séries de produção curta e breve ciclo de vida dos produtos.
Campos elétricos pulsados
Os campos elétricos pulsados são usados, há muito tempo, em genética para a hibridação celular e a eletrofusão, porém foi somente nos anos de 1960 que seu efeito destruidor sobre os microorganismos começou a ser explorado.
O conceito é relativamente simples; o processo dos campos elétricos pulsados (CEP), aplicado ao setor alimentício, consiste em submeter os alimentos a campos elétricos de intensidade muito forte (5 a 55kV/cm), de forma repetitiva (pulsada), durante espaços de tempo muito curtos (da ordem de um microssegundo, μs), no intuito de destruir os microorganismos que eles contêm. A Figura 1 mostra os dois tipos de câmaras de tratamento usadas no processo de CEP. Já a Figura, apresenta os impulsos elétricos obtidos. Os impulsos com forma quadrada apresentam a vantagem de aplicar o campo elétrico com a tensão desejada durante a quase totalidade do impulso, bem como de reduzir a elevação de temperatura. Os impulsos alternativos reduzem os depósitos eletrolíticos nos eletrodos.
FIGURA 1 – TIPOS DE CÂMARAS DE TRATAMENTO ( VEJA NO PDF ABAIXO )
FIGURA 2 – IMPULSOS ELÉTRICOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Existem numerosos estudos sobre a inativação microbiana por campos elétricos pulsados. Está claro que é possível destruir completa ou parcialmente os microorganismos em alimentos.
Os resultados obtidos sofrem várias influências e dependem das características próprias dos microorganismos, dos parâmetros do tratamento e das características do meio.
Diversos autores concordam no fato da sensibilidade dos microorganismos dependerem de seu gênero. Para alguns, as leveduras são mais sensíveis do que as formas vegetativas das bactérias, enquanto que outros autores consideram que as bactérias gram-positivas e as leveduras são menos sensíveis do que as bactérias gram-negativas.
O estado fisiológico no qual se encontram os microorganismos também interfere em sua sensibilidade aos CEP. As células em fase de crescimento logarítmico são mais sensíveis do que as células em fase estacionária. Isto foi observado, por exemplo, com Escherichia coli, onde se obteve duas reduções decimais (logUFC/g) para as primeiras, enquanto que, com o mesmo tratamento de quatro impulsões de 36 kV/cm, a 7°C, diminui de menos de 90 % a população inicial, para as segundas (células em fase estacionária). O mesmo tipo de resultados também foi observado em Listeria innocua (veja Figura 3).
FIGURA 3 – INATIVAÇÃO DE LISTERIA INNOCUA EM FASES DE CRESCIMENTO E ESTACIONÁRIA ( VEJA NO PDF ABAIXO )
As características físico-químicas influem sobre a eficácia dos CEP. Um aumento da condutividade do meio e um pH ácido diminuem a inativação da Listeria innocua. Em outro estudo, foi feita a mesma constatação com um pH baixo, com relação à Salmonella enteritidis. Um tratamento de dois impulsos, a 30 kV/cm, gerou uma redução de seis log da população de Byssochlamys fulva, em suco de cranberries, mas, de menos de um log em suco de tomate. Considera-se que o aumento da condutividade do meio reduz a largura do impulso e, assim, a taxa de inativação microbiana. Na hora atual, ainda é primordial realizar maiores pesquisas para completar os conhecimentos práticos com respeito à influência das características físico-químicas do alimento sobre a eficácia dos tratamentos por campos elétricos pulsados.
Vários parâmetros são suscetíveis de fazer variar a eficácia de um tratamento por CEP. Os mais importantes são: a intensidade do campo elétrico, a duração do tratamento, a forma dos impulsos e a temperatura.
Intensidade do campo. A taxa de inativação aumenta, se a intensidade do campo elétrico aumenta (veja Figura 4). As populações de Escherichia coli 8739 e Escherichia coli O157:H7 diminuem de um fator de 2 log e 2,5 log, respectivamente, para uma intensidade de 22kV/cm; enquanto que para uma intensidade de 30kV/cm são de cerca de 4 log. Foi constatado o mesmo efeito sinérgico até o patamar de 30kV/cm, acima do qual um aumento de intensidade do campo não gera mais nenhuma elevação da taxa de inativação.
FIGURA 4 – INATIVAÇÃO DE ESCHERICHIA COLI EM FUNÇÃO DA INTENSIDADE DO CAMPO ELÉTRICO ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Já foi também estudado a ação dos CEP sobre a inativação de Listeria monocytogenesis em leite integral, a uma temperatura de 25°C; não foi constatada nenhuma diferença entre 25 e 35kV/cm, se a duração do tratamento for inferior a 100 microssegundos. Porém, para durações maiores (300 e 600 microssegundos), uma intensidade de 35kV/cm revela-se mais eficaz.
Duração do tratamento. A duração do tratamento é igual ao produto do número de impulsos e da duração de cada impulso. A eficiência de um tratamento por campos elétricos pulsados aumenta se a duração do tratamento aumenta (veja Figura 5).
FIGURA 5 – INFLUÊNCIA DA DURAÇÃO DO TRATAMENTO SOBRE A INATIVAÇÃO DE LISTERIA MONOCYTOGENESIS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A população de Listeria monocytogenesis é reduzida de 0,5 log para um tratamento de 100 microssegundos, a 35 kV/cm, a 25°C, e de 2,5 log para uma duração de 600 microssegundos.
Pode-se obter três reduções decimais da população de Lactobacillus brevis, para um tratamento a 25kV/cm, a 24°C, e para uma duração de 2,5 milissegundos; mas, para o mesmo tratamento durante 15 milissegundos, a taxa de inativação passa a ser de oito reduções decimais. Outros autores compararam as taxas de inativação de Listeria innocua em função do número de impulsos de duração constante e constataram que, quanto mais o número de impulsos é elevado, mais a eficácia do tratamento é grande.
Características dos pulsos. Foi demonstrado que a inativação de Escherichia coli, em ultrafiltrado artificial de leite, era mais eficaz com pulsos quadrados do que com impulsos com decréscimo exponencial. Observa-se que 91% da energia dos pulsos quadrados localizam-se acima do valor do campo elétrico crítico, enquanto que, no caso dos impulsos com decréscimo exponencial, esse percentual cai para 64%, fato que seria na origem da diferença de eficácia entre os dois tipos de pulsos. A utilização de pulsos de forma quadrada pode limitar o aquecimento no decorrer do tratamento, diminuindo o aporte energético global.
Os pulsos bipolares são mais eficazes do que os monopolares; a inversão brutal de campo seria a origem de uma fadiga maior da estrutura membranária.
O comprimento do pulso parece influenciar a eficácia do tratamento em certas condições. Assim, foi observado que para campos de 28 kV/cm, o aumento do comprimento do pulso aumenta a inativação de Listeria innocua a 55°C (3,9 log para 2 µs, 5,2 log para 3 e 3,9 µs), enquanto que para um campo de36 kV/cm, obtêm-se um resultado de 5 log e isto, qualquer que seja o comprimento do pulso realizado a 45°C.
Temperatura do tratamento. O efeito benéfico de um aumento da temperatura durante o tratamento sobre a inativação microbiana é confirmado por numerosos autores e pesquisadores. Deve-se notar que o tratamento por CEP gera uma elevação de temperatura; assim, comparou-se a eficácia do tratamento em função da energia aplicada ao alimento sob diversas temperaturas (veja Figura 6) e constatou-se que, para uma energia similar, a inativação é maior quando a temperatura inicial é mais elevada.
A temperatura interviria no tratamento, diminuindo o potencial transmembranário crítico ou diminuindo a espessura da bicamada lipídica.
FIGURA 6
EFEITO DA TEMPERATURA SOBRE A INATIVAÇÃO DE LISTERIA INNOCUA ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Os alimentos submetidos a um campo elétrico apresentam características próprias e que devem ser levadas em consideração na hora do desenvolvimento de um processo de pasteurização dos mesmos.
A resistividade dos alimentos é muito variável; varia de 0,4 Ω.m-1, para os alimentos com forte teor em sais e em água, para mais de 100 Ω.m-1, para as matérias graxas e os óleos.
Muitos alimentos possuem uma estrutura heterogênea, fazendo com que suas características elétricas variem e que, conseqüentemente, uma modelização com relação ao componente elétrico torne-se bastante difícil. A concepção de instalações de tratamento por campos elétricos pulsados deve levar em conta essas características elétricas, segundo o uso para o qual elas se destinam. Um fenômeno particular pode ocorrer quando um alimento é submetido a um campo elétrico pulsado: a ruptura dielétrica. Resulta da brutal modificação das propriedades condutoras de um material sob o efeito de um campo elétrico intenso e se materializa na forma de uma faísca. Aqui também se torna necessário controlar este fenômeno.
Poucos estudos abordam o efeito dos CEP sobre os componentes alimentícios. Moléculas carregadas, tais como as proteínas, os polissacarídeos, certos lipídios ou moléculas portadoras de ligações etilênicas poderiam passar por modificações químicas sob a influência dos campos elétricos pulsados. Um estudo do efeito dos CEP sobre clara de ovo, com tratamento de 20 a 35 kV/cm, em temperaturas entre 4 e 30°C, mostrou que a elevação da hidrofobicidade é de somente 1 %, para um tratamento assegurando 6 reduções decimais, enquanto que para um tratamento térmico de mesma eficácia, esta elevação é de 58%. A fluorescência das amostras, observada após os tratamentos térmicos, não se encontra nas amostras tratadas por campos elétricos pulsados. Assim, pode-se concluir que os CEP não modificam, de maneira significativa, a estrutura das proteínas da clara de ovo.
Segundo alguns autores, os campos elétricos pulsados só têm um efeito muito fraco, a ver neglicenciável, sobre as proteínas e as vitaminas. Em outro estudo, é mostrado que é possível inativar a lipase, com um campo de 21,5 kV/cm, a 40°C, para uma energia de 200 kJ, mas que a fosfatase alcalina e as lactoglobulinas não são inativadas. Enquanto uns comprovam que a lipase e a amilase não são inativadas por um campo elétrico de 30 kV/cm, outros inativam a protease de Pseudomonas fluorescens M3/6 de 80 %, após 20 pulsos, com freqüência de 0,25 Hz, em um campo de 18 kV/cm, em meio modelo, e de 60%, após 98 pulsos, na freqüência de 2 Hz, e para 14 kV/cm, em leite desnatado! Também já foi relatado que um tratamento de 70 pulsos a 18,8 kV/cm, diminui em 60% a atividade enzimática da fosfatase alcalina do leite.
Estudos e pesquisas já existem, mas ainda é necessário multiplicar os estudos sobre os efeitos dos campos elétricos pulsados sobre os componentes alimentícios para estabelecer, de forma clara, quais são as conseqüências nutricionais e tóxicas que poderiam ser induzidas por esse tipo de tratamento.
Foram efetuadas análises sensoriais em suco de maçã, leite desnatado, ovo integral líquido e sopa de ervilhas após um tratamento por CEP (35-50 kV/cm, 10 a 32 pulsos de 2 µs, 8 a 22°C). Nenhuma diferença foi observada por um júri entre os produtos tratados e os mesmos produtos pasteurizados por via térmica, com exceção do suco de maçã que foi julgado melhor.
Observaram-se modificações na cor e viscosidade do ovo inteiro líquido. Foram também estudados os compostos aromáticos do suco de laranja depois de submetido a um tratamento de 35 kV/cm, durante 200 ms; 87% dos compostos aromáticos foram preservados, 15% do limoneno e 26% do butirato de etila foram perdidos, enquanto que em um tratamento térmico (91°C, 30 s), esses percentuais sobem para 60 e 82%, respectivamente.
Já nos anos de 1930, uma técnica de pasteurização de leite por campos elétricos pulsados, utilizando um campo alternativo de 220 volts, permitia a comercialização de mais de 200 milhões de litros até os anos de 1960, data na qual o processo foi abandonado.
Atualmente, a aplicação mais estudada pelos industriais é a pasteurização de sucos de frutas em temperaturas moderadas e, particularmente, suco de maçã e suco de laranja.
Um tratamento com aplicação de 16 pulsos, de 2 microssegundos, a 50 kV/cm, permite uma conservação refrigerada de suco de maçã fresco, durante 3 semanas; a temperatura no decorrer do tratamento não ultrapassa 45°C, e as qualidades organolépticas do produto são totalmente conservadas.
Como já mencionado, o leite pode também ser tratado por CEP para aumentar seu prazo de conservação; testes já mostraram que se pode obter um shelf life de 14 dias, conservando o produto em temperatura refrigerada, sem perda das qualidades organolépticas. Este tipo de tratamento permite também inativar certos microorganismos patógenos, tais como a Listeria monocytogenesis. O mesmo objetivo pode ser atingido nos ovoprodutos - quase inexistentes no País – com a Salmonella enteritidis.
As aplicações potenciais dos campos elétricos pulsados estão apresentadas na Tabela 3.
TABELA 3 - APLICAÇÕES POTENCIAIS DOS CAMPOS ELÉTRICOS PULSADOS EM PRODUTOS ALIMENTÍCIOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Os resultados obtidos até agora com o tratamento por CEP são bastante animadores, mesmo considerando que muitos deles foram obtidos somente em escala laboratorial. A velocidade de processo permitida por esta técnica é um dos seus pontos fortes, particularmente no que se refere aos produtos bombeáveis, bem como o seu consumo energético global estimado a somente 10% de um processo térmico ultra curto. É o custo inicial do equipamento que continua sendo um dos principais freios à intensificação dos estudos sobre as eventuais conseqüências toxicológicas dos CEP, dados indispensáveis antes de se iniciar qualquer utilização industrial.
Estudos em que os alimentos foram inoculados com microorganismos e processados por CEP resultaram em reduções de células de até seis ciclos (veja Tabela 4). No entanto, como os efeitos letais dependem dos instrumentos e condições específicas de funcionamento utilizados por diferentes pesquisadores, é difícil traçar comparações diretas entre essas descobertas.
TABELA 4 – APLICAÇÕES DO CEP EM ALIMENTOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Tratamento sob alta pressão
O primeiro relato do uso de alta pressão como um método de tratamento de alimentos foi em 1899, na West Virginia University, nos Estados Unidos, onde os estudos foram realizados utilizando alta pressão hidrostática para conservar leite, suco de frutas, carnes e uma variedade de frutas. Foi demonstrado que os microorganismos nesses produtos podem ser destruídos por pressões de 658 MPa (6500atm)por 10 minutos. No início do século XX, pesquisas mostraram que a estrutura protéica na clara do ovo pode ser alterada por altas pressões. No entanto, essas pesquisas constataram que o potencial era limitado, porque as enzimas não foram praticamente afetadas, particularmente no leite. Os pesquisadores tiveram dificuldades na fabricação de unidades de alta pressão e nos materiais de embalagem, inadequados para conter os alimentos durante o processamento, e a pesquisa foi interrompida. Os avanços no design de novos sistemas de alta pressão, juntamente com os rápidos avanços em materiais de embalagem durante os anos 1970, permitiram o reinício das pesquisas sobre o tratamento por alta pressão no final de 1980, principalmente no Japão.
Em 1990, os primeiros produtos comerciais utilizando o processo de alta pressão foram colocados à venda no Japão. Uma empresa apresentou geléias processadas por alta pressão, incluindo maçã, kiwi, morango e framboesa, em embalagens flexíveis de plástico selado; outras duas empresas iniciaram a produção de suco de laranja e de toranja a granel. As geléias apresentaram vida útil de dois meses sob armazenamento refrigerado, tempo considerado necessário para impedir a atividade da enzima. Outros produtos foram incluídos, como geléias, molhos, iogurtes de frutas e molhos para salada. Produtos similares chegaram ao mercado dos Estados Unidos, mas atualmente não estão disponíveis na Europa. As vantagens e limitações do tratamento de alta pressão, quando comparada a outras técnicas de tratamento mínimo, estão descritos na Tabela 2.
Existem dois métodos de processamento de alimentos em vasos de alta pressão: processamento em contêiner e processamento a granel. Como os alimentos reduzem em volume devido às pressões muito altas utilizadas no processamento (por exemplo, a água diminui de volume em cerca de 15% a 600 MPa), há um estresse considerável e distorção na embalagem e selo/lacre quando o processamento em contêiner é usado.
O manuseio de materiais no processamento em contêiner é realizado com equipamento automático, semelhante ao utilizado para a carga/descarga. O manuseio a granel é mais simples, necessitando apenas de bombas, tubos e válvulas. A comparação das vantagens e limitações do processamento em contêiner e a granel é mostrada na Tabela 5.
TABELA 5 – VANTAGENS E LIMITAÇÕES DO PROCESSAMENTO DE ALTA PRESSÃO EM CONTÊINER E A GRANEL ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Vantagens
Limitações
• Todos os componentes de pressão em contato com os alimentos devem ter design asséptico e ser adequados para limpeza e esterilização no local.
Uma representação de uma unidade de processamento comercial é mostrada na Figura 4.
FIGURA 4 – DESENHO ESQUEMÁTICO DE UMA UNIDADE DE PRODUÇÃO PARA O TRATAMENTO DE ALTA PRESSÃO ENTRE 400-800 MPA ( VEJA NO PDF ABAIXO )
Alguns exemplos do efeito sobre os microorganismos dos tratamentos sob alta pressão são mostrados na Tabela 6.
TABELA 6 – EFEITOS DOS TRATAMENTOS SOB ALTA PRESSÃO EM DETERMINADOS MICROORGANISMOS ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A germinação de esporos sob altas pressões depende da temperatura: próximo a 0°C os esporos resistem à germinação, mesmo em pressões de 1.000 MPa, enquanto que em temperaturas moderadas, uma germinação induzida por pressão pode ser obtida em 100 MPa. Esporos germinados podem ser destruídos a uma pressão de 600 MPa e a temperatura de 50°C a 70°C. No entanto, esses efeitos não são consistentes e uma combinação de alta pressão e aquecimento moderado pode ter efeitos sinérgicos ou antagônicos sobre o crescimento microbiano, atividade enzimática e reatividade química. Por exemplo, a alta pressão pode tornar os microorganismos mais sensíveis ao calor ou pode evitar a sua destruição em temperaturas mais altas, dependendo do tipo de microorganismo. Sendo estudado.
O processamento de frutas tem sido a principal aplicação da tecnologia de alta pressão; muitos estudos sobre a inativação da enzima tratam justamente de como essas enzimas afetam a qualidade dos produtos. Por exemplo, a polifenoloxidase se mostrou resistente às pressões de até 120 MPa por 10 minutos antes da inativação, embora seja mais sensível a níveis mais elevados de pH. Outros estudos relataram diferenças na barosensitividade da polifenoloxidase de diferentes fontes; a polifenoloxidase da batata e do cogumelo se apresenta muito estável sob pressão (800-900 MPa exigidos para a inativação), as enzimas mais sensível à pressão foram as do morango, do damasco e da uva (100, 400 e 600 MPa, respectivamente). A pectinesterase é responsável pela desestabilização em sucos, gelificação de concentrados de frutas e perda de consistência em produtos de tomate. É menos resistente do que a polifenoloxidase; sua atividade diminui acima de 300 MPa e pode ser inativada em pressões acima de 700 Mpa, em temperatura de 45°C por 10 minutos. A pectina esterase da laranja é parcialmente (90%) inativada a 600 Mpa, à temperatura ambiente, e não é reativada durante o armazenamento.
O processamento sob alta pressão provoca mudanças complexas na estrutura e reatividade de biopolímeros, tais como amido e proteínas. Nas proteínas, a pressão causa desdobramento da estrutura molecular e, em seguida, ou a agregação com diferentes proteína no alimento, ou em uma forma diferente, resultando em alterações na textura dos alimentos. A formação de gel é observada em algumas proteínas, como soja, carne, peixe e albumina do ovo. Comparado aos géis tratados por calor, os géis induzidos por pressão mantêm sua cor e sabor natural e são descritos como lisos, brilhantes e macios, e com maior elasticidade. Esses resultados estão sendo avaliados em escala experimental com relação aos produtos de surimi. Pesquisas também estão sendo realizadas sobre o desdobramento da estrutura das proteínas de menor qualidade, utilizando altas pressões para melhorar suas propriedades funcionais (por exemplo, capacidade emulsificante e gelificante).
Uma outra aplicação potencial do processamento sob alta pressão é a tenderização de carne. Seu processamento a 103 MPa e 40°C a 60°C por 2,5 minutos, melhora a qualidade de paladar da carne e reduz perdas por cozimento. A extensão da tenderização depende de três fatores: pressão, temperatura e tempo de retenção. Produtos produzidos comercialmente incluem lula com sal processada por pressão e salsichas de peixe cru. Outras aplicações possíveis são a melhoria da segurança microbiológica e a eliminação dos sabores das carnes cozidas esterilizadas e patês.
Outras aplicações incluem a têmpera do chocolate, onde as altas pressões transformam a manteiga de cacau na forma cristalina estável; a conservação do mel e outros líquidos viscosos; produtos do mar e produtos lácteos, como leite não pasteurizado e queijos curados.
Tratamento com luz pulsada
O uso da luz ultravioleta para destruir os microorganismos é bem documentado, especialmente em relação à purificação da água, bem como o de lâmpadas bactericidas usadas para impedir o crescimento de bolor em produtos de panificação e para a purificação do ar. No entanto, uma nova tecnologia, utilizando impulsos de luz branca, que possui um espectro semelhante à luz solar, foi desenvolvida por uma empresa dos Estados Unidos para desinfecção superficial ou esterilização de alimentos e materiais de embalagem. As vantagens e limitações da luz pulsada, em comparação com outros métodos de processamento mínimo, são descritos na Tabela 2.
Os efeitos antimicrobianos da luz em comprimentos de onda UV são devidos à absorção da energia por ligações duplas altamente conjugadas de carbono, em proteínas e ácidos nucléicos, o que interrompe o metabolismo celular. A luz pulsada contém um amplo espectro de luz branca, de comprimentos de onda ultravioleta de 200 nm para comprimentos de onda infravermelha de 1.000 nm, com potências de pico entre 400-500 nm (veja Figura 5). Essa luz está na parte não ionizante do espectro eletromagnético e, em contraste com a irradiação, não causa a ionização de pequenas moléculas.
FIGURA 5 – COMPARAÇÃO DO COMPRIMENTO DE ONDA DE DISTRIBUIÇÃO DA LUZ PULSADA E DA LUZ SOLAR ( VEJA NO PDF ABAIXO )
A luz pulsada possui um espectro semelhante à luz solar, exceto por ela também conter alguns comprimentos de onda ultravioleta, que são filtrados fora da luz solar pela atmosfera terrestre. A luz é produzida em pulsos curtos, de alta intensidade, com cerca de 20 000 vezes a intensidade da luz solar (ao nível do mar) e duram algumas centenas de micro segundos. A energia fornecida pela luz na superfície do alimento ou do material da embalagem é medida como “fluência” e é freqüentemente citada em unidades de J cm-2.
A luz pulsada inativa os microrganismos através de uma combinação de efeitos fototérmicos e fotoquímicos. O componente UV da luz possui efeito fotoquímico, mas como a maioria da energia está no espectro visível, o efeito é mais fototérmico: uma grande quantidade de energia é transferida rapidamente para a superfície do alimento, aumentando a temperatura de uma fina camada superficial, suficiente para destruir as células vegetativas. Estudos relataram o uso de placas de agar inoculadas, indicando que concentrações de 107 CFU1 por grama de Staphlococcus aureus foram destruídos por dois pulsos de 0,75 J cm-1 , dando uma fluência total de 1,5 cm-1. Outras bactérias patogênicas, incluindo Escherichia coli O156:H7, Listeria monocytogenes, Bacillus pumilus e Aspergillus niger, foram destruídas, cada uma com concentrações de 105 CFU por grama, utilizando um único pulso de 0,5-1 J cm-1; reduções decimais de 7 a 9 logs (7-9D) foram realizadas usando alguns flashes de 1 J cm-1 por pulso. Quando a água foi tratada com luz pulsada, verificou-se que os oocistos de Klebsiella e Cryptosporidium, que não são afetados por cloração ou tratamentos ultravioleta tradicionais, foram reduzidos em 6-7 logs/ml por dois pulsos de 0,5 J cm-1 ou um único pulso de 1 J cm-1.
Quando aplicada a alimentos, a vida útil de pães, bolos e pizzas, embalados em filme transparente, foi estendida para 11 dias em temperatura ambiente após tratamento por luz pulsada. Camarões tiveram uma extensão de vida útil de sete dias, sob refrigeração, e carnes frescas tiveram uma redução de 1-3 log na contagem bacteriana total, lática, entérica e de Pseudomonas. Estudos preliminares indicaram que o tratamento com luz pulsada não teve efeito sobre as características sensoriais e qualidade nutricional dos alimentos tratados. Os níveis mais baixos de destruição microbial dos alimentos, em relação aos de água ou nas superfícies lisas de placas de agar ou materiais de embalagem, é atribuída à presença de fissuras superficiais e dobras em alimentos, as quais protegem alguns microorganismos da luz.
Tratamento usando ultra-som
As ondas ultra-sônicas são semelhantes às ondas sonoras, mas possuem freqüência acima de 16 kHz e não podem ser detectadas pelo ouvido humano. Na natureza, os morcegos e os golfinhos usam ultra-sons de baixa intensidade para localizar presas, e alguns animais marinhos usam pulsos de alta intensidade de ultra-som para atordoar suas presas. No processamento de alimentos, uma divisão semelhante é feita entre o ultra-som de baixa intensidade (<1 W cm-2), que é usado como um método não destrutivo de análise para avaliar a composição, estrutura ou taxa de fluxo de alimentos, e o ultra-som de alta intensidade (10 - 1.000 W cm-2), que é usado em freqüências mais altas (até 2,5 MHz) para provocar a ruptura física de tecidos, criar emulsões, limpar equipamentos ou promover reações químicas (por exemplo, oxidação). As vantagens e limitações das ondas ultra-sônicas como um método de processamento, em comparação com outros métodos de processamento mínimo, estão descritos na Tabela 2.
Quando as ondas ultra-sônicas atingem a superfície de um material, geram uma força. Se a força é perpendicular à superfície, resulta em uma onda de compressão que se move através dos alimentos, no entanto, se a força é paralela à superfície, produz ondas de cisalhamento. Ambos os tipos de ondas se atenuam quando se movem através dos alimentos. O ultra-som produz rápidas mudanças na pressão e temperatura, que provocam ruptura do cisalhamento, cavitação (formação de bolhas em alimentos líquidos), afinamento das membranas celulares, aquecimento localizado e produção de radicais livres, tendo um efeito letal sobre os microorganismos.
Os efeitos de cisalhamento e compressão do ultra-som causam desnaturação das proteínas, que resultam em atividade enzimática reduzida, apesar de que feixes de ultra-som curtos podem aumentar a atividade enzimática, possivelmente quebrando grandes estruturas moleculares e tornando as enzimas mais acessíveis para reações com os substratos. Os efeitos do ultra-som nas proteínas da carne produzem tenderização dos tecidos da carne após exposição prolongada, e liberação de proteínas miofibrilares que, em produtos cárneos, resulta na melhoria da capacidade de ligação de água, tenridade e coesividade. No entanto, apesar dos resultados, é improvável que o ultra-som seja usado, por si só, na preservação de alimentos. Isso ocorre porque a resistência da maioria dos microorganismos e enzimas aos ultra-sons é tão alto que a intensidade do tratamento iria produzir alterações adversas na textura e em outras propriedades físicas dos alimentos, além de reduzir substancialmente suas características sensoriais.
As forças de cisalhamento e as mudanças rápidas de pressão criadas pelas ondas de ultra-som são eficazes na destruição das células microbianas, especialmente quando combinadas com outros tratamentos, incluindo aquecimento, modificação de pH e cloro. A tratamento combinado com calor e ultra-som, sob pressão, é denominado de manotermosonicação” (MTS - Mano-Thermo-Sonification). Estudos iniciais indicaram que a letalidade dos tratamentos MTS foi de 6 a 30 vezes maior do que a de um tratamento térmico, à mesma temperatura, sendo maior para leveduras do que para esporos de bactérias. A eficácia dos MTS depende da intensidade, amplitude e tempo da ultrassonicação, bem como da pressão aplicada. A taxa de mortalidade resultante da MTS é logarítmica e, portanto, a mesma que para os tratamentos de calor. Conseqüentemente, é provável que o ultra-som reduza a resistência térmica dos microrganismos por danos físicos às estruturas celulares, causados pelas variações extremas de pressão e ruptura das moléculas celulares das proteínas. Isso os torna mais sensíveis à desnaturação pelo calor. As mudanças similares às estruturas de proteínas em enzimas podem explicar, em parte, o efeito sinérgico do ultra-som e do calor na inativação da enzima. Assim, pode haver aplicações futuras para a ultrassonicação para reduzir a intensidade dos tratamentos térmicos convencionais (e.g. termossonicação, como um processo de pasteurização mínima) e, assim, melhorar as características sensoriais e nutricionais de alimentos produzidos por processos térmicos tradicionais.
As pesquisas sobre a utilização do ultra-som para auxiliar na secagem e difusão (secagem acústica) também foram revisadas. Em alguns alimentos (por exemplo, gelatina, fermento em pó e laranja), as taxas de secagem aumentaram de duas a três vezes. Isso ocorre devido à criação de canais microscópicos em alimentos sólidos pelas ondas de compressão oscilantes, e a alteração do gradiente de pressão na interface ar/líquido, o que aumenta a taxa de evaporação. A secagem acústica apresenta bom potencial para tornar-se uma operação importante, porque os alimentos sensíveis ao calor podem ser secos mais rapidamente e em temperatura mais baixa do que nos secadores de ar quente convencionais. Além disso, ao contrário da secagem por ar de alta velocidade, os alimentos não são danificados pela secagem acústica.
Outros desenvolvimentos
Os campos magnéticos, com campos de forças de 5-50 Tesla, estáveis ou oscilando entre 1 kHz a 10 MHz, são capazes de destruir células vegetativas. Segundo estudos realizados, não há nenhum efeito sobre esporos ou enzimas e alguns tipos de células vegetativas podem ter o crescimento estimulado. Os efeitos dos campos magnéticos ainda não são bem compreendidos, mas, aparentemente, envolvem a translocação de radicais livres e o rompimento das membranas celulares. Esses campos de força podem somente ser obtidos usando bobinas supercondutoras resfriadas em hélio líquido e o uso de tais campos magnéticos em um ambiente de processamento gera preocupações. As vantagens e limitações desta tecnologia estão resumidas na Tabela 2, mas ainda não está claro se poderá ser desenvolvido um processo comercial viável.
Os sistemas fotodinâmicos envolvem a imobilização de uma substância química fotosensível sobre um substrato, como um material de embalagem de plástico, equipamentos de plástico ou superfície de trabalho. Este é, então, ativado com luz natural ou laser para liberar um conservante químico ou desinfetante.
* Márcia Fani, jornalista, editora da revista Aditivos & Ingredientes.