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NISINA UM CONSERVANTE ALIMENTÍCIO NATURAL


NISINA - UM CONSERVANTE ALIMENTÍCIO NATURAL

A nisina é a bacteriocina com maior uso comercial, sendo a única reconhecida pela FDA (Food

and Drug Administration) e usada como conservante alimentício.

Conservação de alimentos

Com o desenvolvimento crescente da área de produtos alimentícios industrializados, a segurança alimentar é um parâmetro fundamental para as indústrias.

A maior parte dos alimentos de origem vegetal ou animal se deteriora com facilidade, perdendo a qualidade com consequente diminuição na vida útil. Essa perda é dependente de vários fatores, dentre eles o tipo, composição, formulação, embalagem e condições de estocagem do alimento.

A principal forma de deterioração dos alimentos é de origem microbiológica, principalmente por contaminantes contidos na superfície dos alimentos. A presença de microorganismos nos alimentos pode, além de reduzir a vida útil do alimento, causar intoxicações ou infecções ao consumi-lo.

Para manter a vida útil desejada dos alimentos, utiliza-se aditivos que mantêm a sua segurança. Porém, nas últimas décadas, tem sido crescente a procura por alimentos minimamente processados, que mantenham suas características mais próximas do natural. Entre os vários aditivos naturais utilizados como agentes antimicrobianos, estão as bacteriocinas, que atuam como conservantes nos produtos alimentícios.

As bacteriocinas tem sido utilizadas, mesmo que indiretamente, há mais de 8.000 anos, quando o homem produzia inúmeros alimentos fermentados que possuíam bactérias produtoras de bacteriocinas.

Das bacteriocinas já descritas, grande parte é oriunda de bactérias Gram positivas, destacando-se os gêneros Bacillus, Enterococcus, Lactobacillus, Lactococcus e Streptococcus. Estima-se que estejam disponíveis e descritas 177 bacteriocinas, das quais 156 (88%) são de bactérias Gram positivas e somente 18 (10%) de bactérias Gram negativas.

As bacteriocinas são divididas em três grandes classes. A Classe I é composta pelos lantibióticos, que são os peptídeos que contém de 19 a 50 aminoácidos e geralmente apresentam lantionina, metil-lantionina, deidrobutirina e deidroalanina em sua estrutura. Sofrem modificação após a síntese para adquirir sua forma ativa. Essa classe é subdividida em Ia e Ib. A subclasse Ia é composta por peptídeos catiônicos e hidrofóbicos que têm como mecanismo de ação a formação de poros na membrana e têm sua estrutura mais flexível quando comparada com a dos peptídeos da classe Ib. A subclasse Ib é composta por peptídeos globulares com carga neutra ou negativa, como a mersacidina. A Classe II apresenta peptídeos de pouca estabilidade térmica e nenhuma modificação. Também pode ser subdividida em IIa e IIb. A subclasse IIa apresenta bacteriocinas ativas contra Listeria, tem uma seção de consenso Tyr-Gly-Asn-Gly-Val e duas cisteínas, formando ponte de bissuifito do N-terrninal no interior do peptídeo, com a pediocina. Na subclasse IIb encontram-se as bacteriocinas compostas de dois peptídeos diferentes, que só apresentam atividade na presença de um do outro. A Classe III é a menos conhecida e compreende as bacteriocinas de maior cadeia molecular e as mais sensíveis ao calor, como as lactacinas A e B.

O termo bacteriocina foi utilizado pela primeira vez para descrever um composto peptídico com atividade antimicrobiana isolado de cepas de Eschericha coli, denominadas colicinas. Entretanto, em 1877, estudos anteriores feitos por Louis Pasteur e Jules François Joubert, mostraram compostos que apresentavam ação antimicrobiana contra o Bacillus anthracis em bactérias isoladas de amostras de urina.

Em 1928, a partir da observação do processo de fabricação de queijos, cientistas descobriram um composto peptídico produzido por cepas de Lactococcus lactis, responsável por proteger o alimento de agentes decompositores. Em 1947, foi descoberto um outro composto com essas mesmas propriedades; essa substância foi nomeada como nisina.

Nisina - Composição e propriedades

A descoberta da nisina é considerada um dos marcos mais importantes da pesquisa envolvendo bacteriocinas. Comercializada desde 1953, é utilizada até hoje na produção de diferentes alimentos em escala industrial. É o único peptídeo antimicrobiano natural aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para uso como conservante de alimentos.

A nisina é um peptídeo produzido por bactérias comuns do leite. Das 40 espécies conhecidas de Lactococcus lactis subsp. lactis, 35 sintetizam essa bacteriocina. A capacidade de produzir nisina está geneticamente vinculada à capacidade de fermentar sacarose; faz parte do grupo de peptídeos produzidos ribossomicamente; pertence à classe dos lantibiótico e à subclasse Ia; e é identificada pelo número de identificação internacional INS como E234.

A nisina tem atividade em várias espécies, incluindo Lactococcus, Streptococcus, Listeria e Micobacterium, assim como em células vegetativas e esporos de Bacillus e Clostridium. É naturalmente produzida em vários alimentos fermentados, especialmente em produtos lácteos, e vem sendo consumida por humanos há séculos.

Apresenta amplo espectro bactericida para bactérias Gram positivas, sendo especificamente usada pela indústria de queijos para controlar o crescimento de Clostridium spp. O efeito da nisina se dá pela interação com os fosfolipídios da membrana plasmática, promovendo a formação de poros que ocasionam o efluxo do material intracelular. Vários estudos têm avaliado a eficácia da nisina sobre patógenos, e seu uso em diferentes produtos alimentícios tem sido relatado, como, por exemplo, na inibição do crescimento microbiano em queijos, sucos de fruta,

carne moída, salsichas, produtos enlatados, derivados do leite e cerveja.

A molécula da nisina é um peptídeo de 34 aminoácidos, tendo como aminoácidos terminais a isoleucina e a lisina, com o NH2 e COOH, respectivamente. Seu peso molecular é de 3,5 kDa.

A nisina é formada por oito alaninas, quatro ácidos aminobutírico, três glicinas, três isoleucinas, três lisinas, duas leucinas, duas histidinas, duas metioninas, uma serina, uma valina, uma prolina, uma asparagina e os aminoácidos incomuns, duas deidroalanina e uma dedrobutirina.

A molécula de nisina, na sua forma ainda inativa, contém 57 aminoácidos, todos comuns, sendo 23 resíduos na região-líder e os 34 resíduos na região estrutural. Por meio de modificações enzimáticas, a região líder é removida e a serina e a treonina da região estrutural sofrem desidratação, resultando na formação de deidroalanina e dedrobutirina, respectivamente. Subsequentemente, pontes tioéter são formadas pela condensação da deidroalanina e dedrobutirina com cisteína, produzindo os aminoácidos lantionina e β-metil-lantionina, respectivamente. Nesta forma, tem-se a nisina na sua forma ativa.

A nisina pode formar dímeros ou polímeros de 7.000 a 14.000 Da pelos seus aminoácidos reativos deidroalanina e dedrobutirina; e suas preparações podem ser desdobradas em cinco polipeptídios diferentes (nisinas de A a E).

As cinco moléculas de nisina (A, B, pequenas alterações em sua composição de C, D, E) diferenciam-se por aminoácidos, dependendo do tempo e das condições de armazenamento. As nisinas C e D apresentam somente 1/5 da atividade biológica das nisinas A e B; a nisina D é a mais resistente a nisinase de Bacillus cereus, e as nisinas B e E são produtos da degradação da nisina A. Há, ainda, uma variante natural da nisina, a nisina Z, cuja molécula é idêntica a nisina A, exceto pela substituição da histidina pela asparagina na posição 27 da molécula ativa. Essas duas nisinas possuem as mesmas atividades biológicas, porém a nisina Z apresenta propriedades de difusão diferentes.

Mecanismo de ação

A solubilidade, estabilidade e atividade biológica da nisina são altamente dependentes do pH, da temperatura e da natureza do substrato. As bacteriocinas também são altamente sensíveis às enzimas proteolíticas. No entanto, a nisina apresenta estabilidade a tratamentos térmicos, tratamentos de alta pressão e exposição a ambientes ácidos. A solubilidade é influenciada pelo aumento da concentração de fosfato e pela presença de proteína. É pouco solúvel em meio aquoso neutro a moderadamente alcalino.

A alta proporção de aminoácidos básicos confere-lhe uma carga liquida positiva e seu ponto isoelétrico é 10,5. Os aminoácidos insaturados deidroalanina e dedrobutirina são susceptíveis ao ataque de nucleófilos (grupos hidroxil ou R nucleofílicos) presentes em pH alto. Tal fato explica a instabilidade e a solubilidade diminuídas em condições básicas. A nisina é insolúvel em solventes apolares.

Sua solubilidade em meio aquoso é altamente dependente do pH. À medida que o pH aumenta a solubilidade diminui, passando de 57mg.mL-1, em pH 2, para 0,25mg.mL-1, em pH 5. Em pH 2,5 a solubilidade da nisina é de 12%, decrescendo para 4% em pH 5,0 e praticamente insolúvel em pH neutro ou alcalino.

Uma propriedade notável da nisina é sua estabilidade no calor, suportando autoclavagem (121°/15 minutos) em pH 2,5, sem sofrer perda de atividade. Em pH 5, porém, perde 40% de atividade e em pH acima de 6,8 a perda é de 90%. Sua estabilidade ao calor em baixo pH é atribuída, em parte, às suas cinco pontes de enxofre, que lhe conferem uma estrutura tridimensional rígida, apesar de não apresentar uma estrutura secundária. A maioria das bacteriocinas tem melhor estabilidade de sua atividade em pH de ácido a neutro, sendo praticamente inativadas em pH 8,0, a exemplo da nisina.

A inativação da nisina em meio alcalino é consequência da desnaturação, modificação química ou uma combinação de ambos.

Estudos relacionados ao mecanismo de ação da nisina apontam a membrana citoplasmática como o alvo primário. Também como efeito da nisina em células susceptíveis a sua ação, inclui-se a inibição da biossíntese de RNA, DNA, de proteína, enzimas, polissacarídeos e outros pontos que levam a morte da célula.

A nisina aumenta a permeabilidade da membrana pela formação de poros, ocasionando o efluxo do material intracelular. Assim, após o tratamento com nisina, as células ficam sem energia suficiente para realizar processos biossintéticos e que a membrana plasmática, transdutora de energia, pode ser o alvo primário na atuação da nisina. Sendo a bacteriocina carregada positivamente com partes hidrofóbicas, ocorrem interações eletrostáticas com o grupamento fosfato da membrana celular, carregado negativamente, promovendo o início da ligação da bacteriocina com a célula-alvo.

A nisina possui a habilidade de inibir o crescimento microbiano de bactérias Gram positivas em alimentos, inclusive as patogênicas de alto risco, como Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Streptococcus faecalis, Clostridium botulinum e Listeria monocytogenes.

A ação da nisina sobre células de bactérias Gram positivas ocorre em duas etapas. A primeira envolve a adsorção não específica da nisina sobre a parede celular, sendo o fenômeno reversível. Essa adsorção é dependente do pH, que ocorre em valor mínimo de 3,0 e máximo de 6,5; da composição fosfolipídica da membrana citoplasmática dos microorganismos sensíveis; da presença de cátions divalentes e trivalentes; e da concentração utilizada. A nisina permanece sensível as proteases e o tratamento com enzimas proteolíticas protege as células susceptíveis a ação da nisina contra seu efeito letal. Na segunda etapa, a nisina se torna insensível as proteases e as células sofrem mudanças irreversíveis. É fortemente atraída pelos fosfolipídios e lisossomos na membrana das bactérias, formando poros ou canais de 0,2 a 1,0 nm de diâmetro. A despolarização simultânea da membrana causa um efluxo rápido de componentes essenciais, como íons K+, aminoácidos e ATP, levando a uma série de alterações que termina com a lise celular.

O estado fisiológico da cultura sensível tem grande influência na susceptibilidade à ação das bacteriocinas, sendo as células metabolicamente ativas mais sensíveis. A inibição da célula persiste enquanto houver bacteriocina ativa remanescente no meio de crescimento. O mecanismo pelo qual a nisina impede a germinação de esporos é diferente do das células vegetativas. Os grupos reativos deidroalanina e dedrobutirina da nisina interajam com grupos sulfidril vitais presentes na membrana dos esporos recém germinados e exercem um profundo efeito bacteriostático, resultando na inibição subsequente do esporo. Assim, a nisina permite a germinação do esporo, mas inibe as etapas posteriores do processo de formação de novas células.

Além de demonstrar atividade sobre bactérias Gram positivas, especialmente na forma de esporos, a nisina também mostra-se efetiva sobre bactérias Gram negativas e fungos, quando usada em combinação com outro composto, como um agente quelante. Nas bactérias Gram negativas, a presença da camada de lipopolissacarídeo oferece maior proteção à célula, não permitindo que agentes externos alcancem a membrana citoplasmática. A camada de lipopolissacarídeo é formada por compostos que possuem caráter aniônico, gerando uma superfície hidrofílica. Desse modo, a membrana externa repulsa substâncias hidrofóbicas e macromoléculas, como a nisina. No entanto, pelo caráter aniônico da camada de lipopolissacarídeo, esta pode se ligar à molécula da nisina, que tem caráter catiônico, formando uma estrutura estável por interações eletrostáticos, mas, mesmo assim, a nisina não conseguiria alcançar a membrana citoplasmática da célula. A nisina é efetiva sobre bactérias Gram negativas quando combinada com ácido lático. O EDTA é o agente quelante mais efetivo que, adicionado juntamente com a nisina, auxilia na inibição de bactérias do grupo Gram negativas.

A nisina tem grande valor como aditivo de aplicação direta em alimentos para controle microbiano de bactérias e esporos. A adição de nisina em queijos processados com diferentes teores de umidade é um método efetivo de controle do crescimento de L. monocytogenes, S. aureus e G. sporogenes. Em estudo, foi observado que a nisina não perde a sua atividade antimicrobiana, mesmo quando submetida ao tratamento térmico aplicado a esses tipos de queijos.

A nisina em alimentos

Com o desenvolvimento de novas tecnologias e a procura dos consumidores por alimentos naturais, as bacteriocinas e os seus microorganismos produtores têm sido reconhecidos como uma fonte potencial de bioconservadores para alimentos. O potencial de aplicação de uma determinada bacteriocina pode ser predito por suas propriedades. Características como estabilidade à temperatura, pH e espectro de ação estão entre as mais importantes.

A atividade das bacteriocinas no alimento pode ser afetada por diversos fatores, como por exemplo, mudança na solubilidade e na carga eletrostática das bacteriocinas; ligação das bacteriocinas aos componentes do alimento; inativação das bacteriocinas por proteases; e mudanças na parede ou na membrana celular dos microorganismos alvo como resposta a fatores ambientais.

Alguns estudos descreveram os fatores que podem influenciar na difusão das bacteriocinas em alimentos, tais como concentração de sal, pH, nitrito e nitrato, fase aquosa disponível para difusão, conteúdo lipídico e superfície lipídica disponível para solubilização. Os estudos destacaram, ainda, que a distância que a molécula de bacteriocina precisa percorrer para alcançar a célula-alvo e o número dessas células com relação à quantidade do antimicrobiano são considerações importantes a serem feitas na predição de sua atividade.

Um dos estudos demonstrou que a Listeria monocytogenes adaptada a ambientes ácidos é mais resistente à ação de bacteriocinas, provavelmente, devido a algumas modificações que ocorrem na sua membrana celular. Essa pesquisa chama atenção para o fato de que sistemas de resistência devem ser considerados quando a nisina é utilizada em alimentos minimamente processados.

A eficácia da ação de diferentes bacteriocinas já foi testada em vários alimentos, principalmente em produtos cárneos e laticínios, com relativo sucesso. No entanto, a autorização para que uma dada bacteriocina seja regulamentada para uso em alimentos depende dos alimentos nos quais ela será usada e seu propósito nos mesmos.

Os principais estudos toxicológicos sobre bacteriocinas relatados até o momento referem-se aos testes realizados para a aprovação do uso da nisina como bioconservador em alimentos. Estudos de toxicidade aguda, subcrônica, crônica, de resistência cruzada e sensibilidade alérgica indicaram que a nisina é segura para o consumo humano com uma dose diária aceitável (IDA) de 2,9 mg/pessoa/dia.

Sabendo-se que a nisina é consumida por via oral, realizaram-se estudos dos efeitos da nisina sobre a microbiota oral. A partir desses estudos constatou-se que um minuto após o consumo de leite achocolatado contendo nisina foi possível detectar apenas 40% de sua atividade quando comparada a um controle de saliva. Outro estudo mostrou o efeito das enzimas gástricas sobre a nisina, o peptídeo antimicrobiano é inativado pela tripsina e, a partir disso, concluiu-se que a ingestão da nisina não interfere sobre a microbiota gastrintestinal.

A nisina foi reconhecida como aditivo alimentar pela Organização de Alimentos e Agricultura/Organização Mundial de Saúde (FAO/OMS) em 1969, com o limite máximo de ingestão de 33.000 Unidades Internacionais/kg de peso corpóreo. Em 1988, a FDA concedeu-lhe o status de GRAS (Generally Recognized as Safe).

Diversos países permitem o uso de nisina em produtos como leite, queijo, produtos lácteos, tomates e outros vegetais enlatados, sopas enlatadas, maionese e alimentos infantis.

No Brasil, a nisina é aprovada para uso em todos os tipos de queijo no limite máximo de 12,5 mg/kg e em produtos cárneos, sendo permitida sua utilização na superfície externa de salsichas de diferentes tipos. O produto pode ser aplicado como solução de ácido fosfórico grau alimentício.

Atualmente, seu uso é aprovado em alimentos em mais de 50 países.




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