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INTOLERÂNCIA À LACTOSE
A intolerância à lactose, também conhecida como deficiência de lactase, é a incapacidade que o organismo tem de digerir lactose, o açúcar presente no leite e seus derivados.
A lactose
A lactose, principal carboidrato do leite e outros produtos lácteos, está presente apenas no leite de mamíferos. Até onde se sabe, a lactose não tem especial importância nutricional para adultos; no entanto, é a mais importante fonte de energia durante o primeiro ano de vida de um ser humano, fornecendo quase metade da necessidade energética total em crianças.
Quimicamente, a lactose (galactose β-1,4 glucose) é um tipo de glicídio que possui ligação glicídica. É formada por dois carboidratos menores, chamados monossacarídeos, a glicose e a galactose, sendo, portanto, um dissacarídeo.
No leite humano, a lactose representa cerca de 7,2% e no leite de vaca cerca de 4,7%. Seu sabor é levemente doce e as leveduras não a fermentam, mas podem ser adaptadas para fazê-lo. Os lactobacilos transformam a lactose em uma função mista de ácido carboxílico e álcool, que formam o ácido lático.
A lactose tem várias aplicações na indústria alimentícia. É utilizada, por exemplo, em doces, confeitos, pães e recheios, etc., devido as suas propriedades fisiológicas: a lactose fornece boa textura, cor e fornece liga para água. A lactose tem apenas um terço da doçura da sacarose e menos da metade da glicose.
Para ser absorvida, a lactose precisa ser hidrolisada no intestino por uma β-galactosidase, a lactase-florizina hidrolase, chamada simplesmente de lactase, e que é encontrada mais abundantemente no jejuno (a porção do intestino delgado compreendida entre o duodeno e o íleo); sua função é, especificamente, hidrolisar a lactose. A lactase, um dos vários dissacarídeos contidos na borda das células epiteliais do intestino delgado (enterócitos), hidrolisa a lactose em açúcar, glicose e galactose. Na maioria dos mamíferos, a atividade da lactase diminui após o desmame, mas, em alguns grupos étnicos, como os caucasianos da Europa Ocidental, a atividade da lactase pode persistir na vida adulta, permitindo total digestão de grandes quantidades de lactose na dieta.
As pessoas cujos organismos produzem quantidades insuficientes da enzima lactase, necessária para digerir a lactose, açúcar do leite, são consideradas intolerantes à lactose.
Intolerância à lactose
É praticamente impossível quantificar o número global de pessoas afetadas pela intolerância à lactose e, até mesmo, formular uma definição precisa de intolerância à lactose. De forma simplificada, as pessoas cujos organismos produzem quantidades insuficientes da enzima lactase, que é necessária para digerir a lactose, açúcar do leite, são consideradas intolerantes à lactose. Assim sendo, é claro que existem vários graus de intolerância à lactose, dependendo da quantidade de lactase que um indivíduo é capaz de produzir. De acordo com a European Food Safety Authority (EFSA), a maioria das pessoas com intolerância à lactose pode tolerar até 24g de lactose por dia, desde que este montante não seja consumido em uma única refeição.
A intolerância à lactose, ou hipolactasia, pode ser primária ou secundária. É importante entender a clara diferença existente entre três situações possíveis com relação à lactose, são elas; a intolerância, a alergia e a sensibilidade, as quais são constantemente confundidas.
A intolerância é uma reação adversa que envolve a digestão ou o metabolismo, porém não o sistema imunitário. A alergia consiste em uma resposta do sistema imunitário a componentes alimentares, geralmente proteínas, é quase que exclusivamente limitada aos recém-nascidos. A sensibilidade evidencia-se como uma resposta anormal, por vezes com uma reação semelhante a da alergia.
Identificam-se três tipos de intolerância à lactose. A deficiência congênita da enzima, que é um problema genético muito raro, no qual a criança nasce sem a capacidade de produzir lactase. Devido ao leite materno possuir lactose, a criança é afetada logo após o nascimento. Existem somente algumas dúzias de casos levantados no mundo todo e, curiosamente, a maioria deles na
Finlândia.
A diminuição enzimática secundária a doenças intestinais, que é bastante comum em crianças durante o primeiro ano de vida e ocorre devido a uma diarreia persistente, a qual provoca a morte das células da mucosa intestinal, produtoras de lactase. Esta deficiência é temporária, sendo eliminada à medida que houver recuperação dessas células.
A deficiência primária ou ontogênica, que é o tipo mais comum na população, consiste em uma tendência natural do organismo em diminuir a produção de lactase com o avançar da idade.
A persistência de atividade da lactase é, de fato, mais comum nas áreas populacionais com uma longa tradição de criação de gado leiteiro. No entanto, a produção da enzima não é induzida pelo consumo de lactose.
Um estudo analisou a prevalência mundial de má digestão de lactose, a qual está acima de 50% na América do Sul, África e Ásia, atingindo quase 100% em alguns países asiáticos. Nos Estados Unidos, a prevalência é de 15% entre os brancos, 53% entre os mexicanos e 80% na população negra. Na Europa, varia em cerca de 2% na Escandinávia, a aproximadamente 70% na Sicília. Austrália e Nova Zelândia apresentam prevalências de 6% e 9%, respectivamente.
No geral, cerca de dois terços da população mundial adulta não apresenta prevalência de lactase.
O sexo parece não exercer nenhuma influencia sobre a intolerância à lactose, porém, as mulheres parecem ser ligeiramente mais sensíveis.
A influencia da idade, principalmente nos sintomas de intolerância à lactose, não está muito clara. Embora à prevalência de hipolactasia seja mais comum em adultos do que em crianças, existem algumas evidencias que a atividade da lactase no intestino não continua declinando em função da idade. Os estudos existentes apresentam, às vezes, resultados contraditórios.
Os sintomas de intolerância à lactose geralmente começam de trinta minutos a duas horas depois da ingestão de alimentos ou bebidas que contenham lactose. Entre os sintomas estão diarreia; náusea e, às vezes, vômito; dores abdominais; e inchaço. A intensidade dos sintomas varia de acordo com a ocasião, mas em geral são amenos.
Os sintomas de intolerância à lactose surgem quando a quantidade de lactose que chega no intestino é superior a capacidade intestinal de hidrolisá-la. Ao contrário das alergias, o consumo do substrato que causa os sintomas não é prejudicial na intolerância à lactose, mas pode ser muito desagradável.
A escolha do tratamento depende da gravidade da intolerância e, muitas vezes, das opções disponíveis. Evitar produtos lácteos raramente é necessário, porque a maioria das pessoas intolerantes à lactose são capazes de consumir pelo menos algumas gramas de lactose por dia. Além disso, os produtos lácteos fermentados, como o iogurte, são muito bem tolerados, mesmo em quantidades maiores, assim como a maioria dos tipos de queijos maturados não contêm lactose. A tabela a seguir apresenta o teor médio de lactose de alguns produtos lácteos.
TEOR MÉDIO DE LACTOSE EM PRODUTOS LÁCTEOS
Preparações farmacêuticas de fungos ou de β-galactosidase derivado de leveduras foram desenvolvidas para o tratamento da má digestão da lactose. Há evidências de que esses preparados aumentam a digestão da lactose e aliviam os sintomas, mas diferentes preparações variam em sua eficácia e não ajudam a todos os indivíduos da mesma forma.
Alimentação - Influência positiva e negativa
Entre os fatores que podem influenciar, beneficamente ou não, os sintomas da intolerância à lactose, pode-se citar a quantidade de lactose ingerida, fermentação e adição de bactérias, e a composição dos alimentos.
Com relação a quantidade de lactose ingerida, a ingestão de 50g de lactose em um teste de tolerância clínica causou sintomas em 80% a 100% das pessoas com má digestão de lactose; de um terço até a metade das pessoas com má digestão de lactose apresentaram os sintomas de intolerância após o consumo de 200ml a 250ml de leite. Em vários estudos, a ingestão de leite com lactose hidrolisada reduziu os sintomas, em comparação com a ingestão de leite normal.
O aparecimento dos sintomas com o uso de doses menores (em torno de 10g ou menos) de lactose foi estudada; em vários estudos não houve resposta da dose.
Mesmo após a ingestão de grandes quantidades de lactose, uma pequena porcentagem das pessoas com má digestão de lactose permaneceu livre dos sintomas. A razão para isso é desconhecida, mas a presença de indivíduos livres dos sintomas é uma observação comum que também ocorre com outros carboidratos que causam má digestão; em uma experiência com ingestão de frutose, apenas cerca da metade das pessoas apresentaram sintomas abdominais após a ingestão de 50g de frutose e após 25g de frutose e 5g de sorbitol.
A maioria dos estudos tem mostrado que o leite com baixo teor de lactose ou o leite sem lactose é melhor tolerado do que o leite contendo lactose. No entanto, novos estudos são necessários devido aos resultados controversos de alguns trabalhos que não revelaram nenhuma diferença na tolerância entre esses leites ou que demonstraram um possível efeito placebo.
Como já citado anteriormente, de acordo com a European Food Safety Authority (EFSA), a maioria das pessoas com intolerância à lactose pode tolerar até 24g de lactose por dia, desde que este montante não seja consumido em uma única refeição.
Quanto a fermentação e adição de bactérias, pessoas com má digestão de lactose digerem e toleram melhor a lactose no iogurte do que uma quantidade equivalente de lactose no leite.
Nem todos os alimentos lácteos representam um problema para aqueles com algum grau de intolerância à lactose. Embora o teor de lactose de um copo de 250ml de leite seja bastante elevado, em torno de 10g, produtos lácteos fermentados, como os iogurtes, tendem a conter muito menos lactose. Isso ocorre porque as culturas de bactérias empregadas para fazer o iogurte usam lactose como sua fonte de alimento.
Os iogurtes probióticos e bebidas à base de iogurte são muitas vezes extremamente bem tolerados por pessoas com intolerância à lactose, ou seja, pessoas para as quais uma quantidade equivalente de leite fresco acarretaria problemas digestivos graves. Muitos tipos de queijo também contêm baixos teores de lactose, mas estes são produtos lácteos ainda não muito aceitos em alguns mercados.
Já com relação a composição dos alimentos, acredita-se que o leite integral provoca menos sintomas em pessoas com má digestão de lactose do que o leite sem lactose. Dois estudos demonstraram que o leite integral reduz a má digestão e a intolerância à lactose em comparação com o leite desnatado ou com uma solução aquosa de lactose. Os estudos relataram uma ligeira diminuição na má digestão da lactose no leite integral, em comparação com o leite desnatado, mas sem melhora dos sintomas. Em outra pesquisa, não foi observada diferença significativa na severidade dos sintomas ou no grau de má digestão de lactose entre pessoas que consumiram sorvete normal e outras que ingeriram sorvete com baixo teor de gordura, mesmo com uma substancial diferença no conteúdo de gordura dos produtos (10% e 3% de gordura, respectivamente). No entanto, a composição do sorvete normal e do sorvete com baixo teor de gordura difere da composição do leite, portanto, os resultados podem não ser aplicáveis ao leite. O retardo no esvaziamento gástrico pode ser uma explicação para a intolerância à lactose após a ingestão de leite integral, em comparação com o leite desnatado ou com a ingestão de leite com mel, ao invés do leite puro.
A taxa de esvaziamento gástrico e o tempo de trânsito intestinal alteram o tempo durante o qual a lactose é exposta a lactase intestinal. Após uma refeição, o conteúdo do estômago é progressivamente esvaziado no duodeno, durante um período de várias horas, dependendo do conteúdo energético e composição da refeição. A temperatura de uma refeição ou de uma bebida também influencia o esvaziamento gástrico. A ingestão de uma bebida fria, de 4ºC diminui a fase inicial de esvaziamento gástrico por aproximadamente 10 minutos após a ingestão, em comparação com uma bebida de 37ºC, por exemplo. Nas pesquisas, houve uma tendência de atraso no esvaziamento de uma bebida de 50ºC, mas a diferença não foi significativa em relação a uma bebida de 37ºC.
A rapidez no esvaziamento gástrico varia em função de muitos fatores fisiológicos. Foi sugerido que um retardamento no esvaziamento gástrico melhora a digestão da lactose e, portanto, a sua tolerância. A lactose é melhor digerida quando consumida no leite, ao invés de água, em leite com chocolate, ao invés de leite simples, ou com comida sólida ou fibra. Esse alívio dos sintomas é considerado como o resultado do retardo no esvaziamento gástrico causado pelo aumento no teor energético.
Terapia nutricional
Atualmente, as pessoas que têm deficiência da enzima lactase ainda podem consumir certa quantidade de lactose, mas isso varia de uma pessoa a outra. Alguns indivíduos toleram 240ml de leite, que contém aproximadamente 11g de lactose. Já para outros, os sintomas aparecem já com a ingestão de 2g a 3g de lactose, o que seria o consumo de um tablete pequeno de chocolate.
Como forma de reduzir os sintomas e estimular o tratamento, os indivíduos evitam o consumo de produtos contendo muita lactose, ou fazem uso da enzima lactase junto com a ingestão dos produtos lácteos ou consomem um teor de laticínios menor.
É importante não excluir esses produtos lácteos da dieta, apenas em casos em que o indivíduo apresenta uma tolerância severa, pois são fonte elevada de cálcio, fósforo e vitaminas. A redução dessa ingestão pode levar a diminuição da densidade mineral, ocasionando, fraturas, as quais são frequentes devido à redução da ingestão de cálcio. Entre os lactentes e as crianças, os casos de raquitismo podem ser atribuídos a essa diminuição na ingestão de cálcio, devido à eliminação de produtos lácteos da dieta.
O cálcio, além de ser importante para a densidade mineral óssea, é importante para a contração muscular, coagulação sanguínea, transmissão de impulsos nervosos e secreção de hormônios. A exclusão de leite leva, consequentemente, a exclusão de vários nutrientes. Essa eliminação dos nutrientes pode levar a criança a apresentar diminuição da estatura quando comparadas a crianças que consomem esse alimento. Para isso não ocorrer, alguns alimentos que contém cálcio na sua composição precisam ser consumidos diariamente por esses indivíduos. Alimentos como 75g de salmão contém 208mg de cálcio; 75g de sardinha contém 286mg de cálcio; 5 figos secos contém 258mg de cálcio; 1 tigela pequena de aveia contém 165mg de cálcio e ¾ de xícara de feijão branco contém 119mg de cálcio.
Para os indivíduos que não consomem o leite de vaca e precisam da reposição de proteína e cálcio, o queijo é uma alternativa. Uma quantidade de 40g de queijo minas frescal substitui um copo de leite, quando comparados com o teor de proteína e de cálcio. As soluções para controlar o quadro de intolerância à lactose podem ser a redução do conteúdo da lactose no alimento e/ou o consumo de produtos lácteos especiais, ou até mesmo o consumo de lactase exógena.
Os leites fermentados contêm probióticos em sua composição e apresentam vantagens, como o controle da microbiota intestinal, melhor digestão da lactose para intolerantes ao carboidrato, estímulo do sistema imune e redução do quadro de constipação. O iogurte é um produto lácteo que é bem tolerado por indivíduos que apresentam intolerância à lactose. Isso ocorre porque durante a fermentação que o produto sofre com o intuito de aumentar o tempo de prateleira, a proteína, a gordura e a lactose do leite sofrem hidrólise parcial, tornando o produto facilmente digerível. Os carboidratos dos iogurtes e dos leites fermentados são praticamente açúcares simples. O leite contém lactose, entretanto, parte dessa lactose é fermentada durante o processo de fabricação. Porém, a quantidade de lactose reduzida é compensada pelo acréscimo de sacarose na fórmula. Além do teor de lactose e sacarose, o teor de proteína do iogurte em relação ao leite é variado. O iogurte contém de 3,5g a 4,0g de proteína por 100g. Já o leite contém, em média, 3,3g/100g. Essa diferença ocorre devido à adição frequente de leite em pó antes da fermentação. Os iogurtes são os terceiros contribuintes de cálcio, após o leite e o queijo. Os iogurtes contém, em média, 120mg de cálcio em 100g de produto. Portanto, o iogurte é uma fonte de substituto adequada nutricionalmente para aqueles que ainda apresentam uma tolerância mínima à lactose.
A proteína do soro do leite é utilizada em iogurtes para melhorar o rendimento, o valor nutricional e a consistência. Os intolerantes à lactose precisam fazer uma leitura atenta dos rótulos dos alimentos para não consumirem alimentos com traços de lactose. Os indivíduos precisam ficar atentos quanto aos ingredientes, se contém soro do leite, coalho, produtos derivados do leite, sólidos do leite secos e leite em pó magro. Além de ficarem mais atentos aos rótulos dos alimentos, os intolerantes podem fazer uso de fórmulas específicas para substituir o leite de vaca e o uso de suplementos de vitaminas e minerais, apresentando, assim, um equilíbrio nutricional na dieta.
Produtos sem lactose ou com baixo teor de lactose
A lactose é o principal carboidrato do leite, assim muitos produtos lácteos contêm lactose como principal carboidrato. No entanto, alguns produtos lácteos também são naturalmente de baixo teor de lactose, como os queijos processados e a manteiga. Os queijos duros e semiduros são virtualmente livres de lactose. Quando o leite é fermentado com bactérias ácido lácticas, a lactose é metabolizada em ácido láctico; portanto, todos os produtos lácteos fermentados têm menor teor de lactose do que o leite fresco. A hidrólise da lactose por β-galactosidase é uma das principais tecnologias aplicadas para produção de produtos lácteos com baixo teor de lactose, mas existem outras técnicas para remover a lactose do leite.
A cristalização da lactose em produtos lácteos, como leite condensado, concentrados de leite e soro de queijo concentrado e, também a restrição ao consumo de tais alimentos por pessoas intolerantes à lactose, pode ser evitada através de dois processos de hidrólise. O primeiro é o ácido ou catalítico, realizado a altas temperaturas (150°C) e o segundo é o enzimático, que utiliza a enzima β-galactosidase na faixa de temperatura de 30°C a 40°C. O uso de enzimas permite condições amenas de temperatura e pH e não causa algumas alterações indesejáveis nos produtos, tais como a desnaturação de proteínas, reações de escurecimento que ocorrem no processo ácido, além do rendimento ser maior no processo enzimático.
A hidrólise da lactose em leite resulta em economia de sacarose na preparação de produtos açucarados, pois diversos produtos fabricados a partir de leite com baixo teor de lactose requerem pouca ou nenhuma adição de sacarose e, também, torna o leite um alimento adequado às pessoas intolerantes ao dissacarídeo lactose, já que os monossacarídeos resultantes de sua hidrólise, galactose e glicose, são absorvidos pelas células epiteliais por transporte ativo, evitando os inconvenientes e desconfortos causados pela má absorção da lactose.
A reação de hidrólise de lactose por β-galactosidase de várias fontes, tanto na forma livre como imobilizada, tem sido modelada em termos de inibição pelos produtos, especialmente pela galactose. Na grande maioria das citações, a galactose atua como um inibidor competitivo, ao passo que a glicose não exerce efeito inibidor. O uso de β-galactosidase na forma imobilizada tem se mostrado atrativo e pode ser economicamente viável, apesar das dificuldades e custos de imobilização.
Em produtos hidrolisados por método enzimático, a lactose é hidrolisada para glicose e galactose e o conteúdo de lactose final é geralmente inferior a 20% do que o do leite normal. Isso significa que o conteúdo de lactose é menor do que 1g em 100g do produto acabado. Essa concentração é tão baixa que a maioria das pessoas intolerantes à lactose tolera esses produtos, sem quaisquer problemas.
O desenvolvimento do processo de hidrólise comercialmente disponível começou no início dos anos de 1970, pelos pesquisadores da empresa finlandesa de laticínios Valio. Hoje, a empresa é a maior do gênero na Finlândia e oferece a maior variedade, a nível mundial, de produtos com baixo teor de lactose e sem lactose.
O processo de hidrólise Valio utiliza uma enzima própria, a Valio IML, que é uma galactosidase imobilizada, para separar a lactose em glicose e galactose. Esse processo rende um grau de hidrolização de até 95%, com as vantagens adicionais de permitir um processamento contínuo e um baixo custo de enzimas.
No centro do sistema Valio tem uma coluna com enzimas Valio IML, as quais, sob condições normais de operações, continuam ativas por vários anos. A enzima é ligada a uma resina adsorvente de qualidade alimentícia. A hidrólise da lactose aumenta a solubilidade e doçura, porém diminui a viscosidade do soro e permeato. Com um evaporador de filme descendente, o soro ou xarope permeado pode ser concentrado entre 55% e 75% com base na matéria seca. Uma unidade de desmineralização pode ser colocada quando se prefere a obtenção de um produto de sabor doce.
A doçura da lactose hidrolisada é de aproximadamente 70% da doçura da sacarose. O soro de leite hidrolisado é adequado para adoçar produtos lácteos, tais como iogurtes de frutas, sorvetes e bebidas à base de soro. Os xaropes são utilizados em produtos alimentícios processados, como doces e produtos de panificação.
Uma das razões para usar a lactose hidrolisada, além de aumentar a doçura e a solubilidade, é a formação de cores e substâncias aromáticas, devido à reação de Maillard.
Juntamente com a β-galactosidase imobilizada, a aplicação de enzima solúvel também foi pesquisada e é hoje empregada com sucesso por diversos fabricantes.
Outra técnica para remoção da lactose do leite é o método de separação cromatográfico. Com esse processo pode-se obter uma solução sem lactose de proteínas lácteas e seus sais. Esse leite sem lactose (e sem carboidratos) oferece possibilidades totalmente novas para o desenvolvimento de novos tipos de produtos lácteos. O leite sem lactose possui apenas 40% do valor energético do leite normal e não apresenta o gosto doce do leite hidrolisado; outros adoçantes podem ser usados para fornecer doçura, se necessário.
Mercado em expansão
Os produtos sem lactose têm sido o foco de diversas empresas em todo o Brasil. Diante da busca das pessoas por esse tipo de alimentação, que tem ganhado bastante espaço, os investimentos no setor não param.
Empresas do setor de alimentos, em especial as que comercializam leite e seus derivados, descobriram um mercado que não para de crescer: o dos produtos sem lactose. Esse segmento está sendo alavancado por consumidores com incapacidade parcial ou completa de digerir o açúcar do leite e derivados e pela moda das dietas funcionais.
Pesquisas mostram que 70% dos brasileiros apresentam algum grau de intolerância à lactose, que pode ser leve, moderado ou grave, segundo o tipo de deficiência apresentada. Essa fatia dá uma ideia do potencial a ser explorado por empresas que apostem em produtos sem lactose.
O mercado de leite com baixo teor de lactose é bem explorado atualmente, tendo várias empresas já produzindo esse tipo de leite. Uma delas é a Nestlé, que criou um leite (Ninho®) com 90% a menos de lactose. Como ingrediente, tem o leite integral, mas contém a enzima lactase. Em 200ml de leite, contém 9,3g de carboidrato, sendo açúcar, lactose, galactose e glicose. O leite Ninho® sem a enzima lactase, ou seja, o leite normal, contém 10g de carboidrato não tendo os componentes galactose e glicose. Outro exemplo é a Piracanjuba, que disponibiliza leite integral e leite com zero de lactose. Outra opção é a Verde Campo, que colocou no mercado o primeiro creme de leite fresco sem lactose; ou ainda, a Usina de Laticínios Jussara, que começou a produção do leite zero lactose para substituir o de baixa lactose que comercializa atualmente. Várias marcas de leite já aderiram ao conceito "zero lactose". Entre elas estão Parmalat, Italac e Batavo.
As multinacionais também estão posicionadas no segmento. A Unilever tem o leite e sucos de soja Ades, desde 1996. A Nestlé incluiu no portfólio, em 2011, o Ninho Baixa Lactose, um leite em pó com 90% menos de lactose do que a versão original. A aposta no consumidor infantil também é feita pela Danone, que conta com produtos semelhantes: o leite em pó Aptamil Sem Lactose e dois tipos de Aptamil Soja.
Além do leite, há vários outros produtos no mercado com baixo teor de lactose ou isentos de lactose, como achocolatados, biscoitos, etc. O consumo de leites fermentados tem crescido entre a população em geral. A procura não é só entre os intolerantes à lactose, mas também entre aqueles que procuram uma alimentação mais funcional.
* Márcia Fani, jornalista, editora da revista Aditivos & Ingredientes.