As foodtechs estão entre as novas estrelas ascendentes no mercado global de tecnologia. E a indústria de alimentos e bebidas navega nesse mercado global avaliado em US$ 250,4 bilhões em 2020, investindo em conceitos inovadores para tornar a alimentação mais rica, saudável e sustentável.
Essa inovação, que chegou ao Brasil em 2019, é considerada por muitos como uma forma de reconfigurar o universo da alimentação, uma vez que tem a missão de aumentar a produção mundial de alimentos de forma sustentável e saudável, para atender uma população estimada em 9,6 bilhões de habitantes no planeta até 2050, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Por trás dessa inovação estão as startups, que fazem uso de automação, softwares, internet das coisas e análise de big data, plataformas para conexão direta entre produtores e consumidores, soluções para a redução de desperdício de alimentos e também para a reciclagem de embalagens. Esse desafio não se limita apenas a aplicativos de delivery ou a criação de carnes vegetais ou feitas em laboratório; é ainda mais abrangente e visa alcançar toda a cadeia de alimentos, oferecendo meios de produção e consumo mais sustentáveis.
A palavra foodtech deriva dos termos em inglês “food”, que significa “comida”, e tech, que significa “tecnologia”. A grosso modo, pode-se dizer que é a junção dessas duas palavras da língua inglesa, mas o seu significado é muito mais amplo. Por definição, foodtech é uma cadeia composta por empresas e startups do ramo alimentício que inovam na produção, distribuição, produtos ou no modelo de negócio.
No Brasil, esse “conceito” ainda é modesto, mas no ambiente global é um mercado que se mostra extremamente próspero. Segundo a instituição britânica The Food Tech Matters, o mercado de foodtechs deve atingir um valor global de aproximadamente R$ 980 bilhões até 2022. Além disso, o número de investidores dentro do segmento triplicou nos últimos quatro anos e, consequentemente, os investimentos também são cada vez mais expressivos, particularmente por parte de grandes corporações do mercado de alimentação. De acordo com a PitchBook, empresa que fornece dados, pesquisa e tecnologia cobrindo os mercados de capital privado, incluindo capital de risco, capital privado e transações de M&A, até maio de 2018, fundos de Venture Capital haviam investido mais de US$ 1,3 bilhão no segmento.
Entre os países que se destacam nesse setor estão os Estados Unidos, com 567 investimentos, totalizando US$ 7,9 bilhões, sendo a vanguarda tanto em volume de empresas quanto em montante investido; desse total, cerca de US$ 1,5 bilhão foram investidos em alimentos e bebidas inovadores. O mercado europeu investiu US$ 1,6 bilhão em 421 foodtechs, sendo US$ 76 milhões destinados ao setor de alimentos e bebidas. Além disso, o continente é referência em entidades apoiadoras desse ecossistema, como Foodvalley, Nutrition Hub, StartLife, entre outros. Na Ásia, se destacam a China, com US$ 3,5 bilhões investidos em 184 foodtechs, e a Índia, com investimentos de US$ 2,4 bilhões. Além desses, Singapura desponta como o hub de agritech da Ásia, e Israel se destaca pelo investimento de US$ 186 milhões e mais de 700 foodtechs; o país fez negócios com grandes corporações alimentícias e grande parte do investimento vem do próprio governo.
O Brasil possui 1.125 foodtechs mapeadas, sendo 332 voltadas especificamente para o setor de alimentação. Apesar de tímido, se comparado a de outros países, tem potencial de crescimento.
Segundo especialistas, os modelos de negócio mais promissores para se aproveitar a oportunidade de um mercado em crescimento são os alternativos à carne, Agritech & Food Processing (Agricultura e Processamento de Alimentos) e ingredientes.
Em 2019, o mercado de alimentos e bebidas à base de plantas da foi avaliado em cerca de US$ 14 bilhões, somente na América do Norte. No mesmo ano, o valor do mercado europeu baseado em plantas totalizou cerca de US$ 7 bilhões. Embora esses números ainda sejam pequenos em termos percentuais, as vendas de alimentos vegetais cresceram 11% no ano passado e 29% nos últimos dois anos. Nessa área, as startups de Foodtech em todo o mundo são as que identificaram os problemas e oportunidades em potencial primeiro e estão ativamente pressionando por mudanças. Além de startups, empresas de alimentos estão se voltando para alternativas baseadas em plantas, seja investindo nessas startups ou lançando os seus próprios produtos.
Já o setor de Agritech & Food Processing, um dos que vem apresentando crescimento mais rápido, representa as mudanças na produção de alimentos, ou seja, a digitalização da produção e novos métodos de cultivo na agricultura. Nessa área, um bom exemplo é a agricultura vertical, uma tecnologia que permitirá a agricultura sustentável e a produção em massa de produtos vegetais e animais em prédios de vários andares em aglomerações urbanas. Frutas e vegetais podem ser produzidos durante todo o ano em vários níveis, um acima do outro. Os defensores da agricultura vertical argumentam que os custos de energia para o transporte dos produtores aos consumidores podem ser reduzidos e as plantas podem crescer em um ambiente livre de pesticidas.
O terceiro foco é a inovação de ingredientes e, nessa área, a nutrição saudável e funcional é o principal impulsionador. Benefícios para a saúde, ingredientes não processados e uma abordagem mais individualizada à nutrição estão se tornando cada vez mais vitais para os consumidores. Adotar uma abordagem individualizada e holística para a saúde é algo que está aumentando dentro da indústria, e a combinação de personalização e alimentos mais nutritivos é o foco tanto das startups quanto das grandes empresas alimentícias.
A megatendência da individualização está se tornando cada vez mais centrada nesse segmento, e os ingredientes desempenham papel fundamental nessa personalização e inovação constante do processamento de alimentos. Um exemplo dessa tendência vem da alemã Mymuesli, fabricante de cereais matinais e uma das primeiras marcas de alimentos a implementar com sucesso opções de personalização em grande escala. Na Mymuesli, os clientes podem criar e solicitar sua própria composição de muesli: com ou sem passas, adicionado morangos ou menos açúcar. Logicamente, comparando os preços entre um muesli padrão e um muesli individual, o segundo é mais caro, mas pode valer a pena!
Obviamente, os problemas globais e as mudanças no modo de se produzir alimentos não serão resolvidos apenas clicando um botão. É um processo lento e difícil, mas que pode levar a mudanças duradouras e de longo alcance. Para as empresas realmente dispostas a repensar, reestruturar ou reinventar suas práticas visando a sustentabilidade e a saudabilidade, pode ser um caminho compensador. E, as foodtechs podem marcar esse caminho, propondo soluções sustentáveis e mudando as regras do jogo em muitos setores.
Márcia Fani
Editora