O amido, um polissacarídeo formado por cadeias de amilose e/ou amilopectina, é de grande interesse para a indústria alimentícia, que o utiliza para alterar ou controlar diversas características, como textura, aparência, umidade, consistência e estabilidade no armazenamento (shelf life); ligar ou desintegrar; expandir ou adensar; clarear ou tornar opaco; reter a umidade ou inibi-la; produzir textura lisa ou polposa e coberturas leves ou crocantes; ou ainda, estabilizar emulsões e formar filmes resistentes ao óleo.
Cada tipo de amido possui características tecnológicas distintas que indicam a sua melhor aplicação para proporcionar as propriedades tecnológicas e funcionais que caracterizam grande parte dos produtos processados.
Dependendo do tipo, podem facilitar o processamento, servir como espessante em sopas, caldos e molhos de carne, fornecer sólidos em suspensão e textura, ser ligante em embutidos de carne, estabilizante em molhos de salada, ou ainda, proteger os alimentos durante o processamento.
O amido apresenta-se comercialmente nos tipos modificado, pré-gelificado e resistente, todos originados do amido nativo.
Os amidos nativos são perfeitamente adaptados aos produtos feitos na hora, preparados sem muita preocupação com conservação. Porém, possuem características que os tornam pouco práticos para trabalhar industrialmente; suportam mal as imposições tecnológicas de determinados processos industriais, como exposição a amplas faixas de temperaturas, pH e cisalhamento.
A viscosidade final dos amidos nativos é extremamente difícil de controlar a nível industrial, já que a temperatura não pode ser ajustada com a velocidade suficiente para evitar o problema de insuficiência ou excesso de cozimento.
Assim, o amido é modificado para incrementar ou inibir as suas características originais e adequá-lo as aplicações específicas, tais como promover espessamento, melhorar a retenção, aumentar a estabilidade, melhorar a sensação ao paladar e brilho, gelificar, dispersar ou conferir opacidade.
Vários métodos químicos e físicos são aplicados para efetuar a modificação dos amidos. As principais técnicas químicas são o cross-linking, ou ligação cruzada (ainda chamada de reticulação), a substituição, também conhecida como estabilização, e a conversão.
Basicamente, as modificações físicas são a pré-gelatinização e o tratamento com calor. As reações de ligação cruzada têm por finalidade o controle da textura, além de conferir tolerância ao aquecimento, acidez e agitação mecânica. Como resultado, consegue-se um melhor controle e maior flexibilidade em trabalhar formulações, processos e, ainda, prolongar a vida útil do produto. As ligações cruzadas nos amidos podem ser consideradas como “pontos de solda” no grânulo em posições aleatórias, reforçando pontes de hidrogênio e inibindo o intumescimento do grânulo, aumentando o grau de polimerização. Os agentes mais frequentemente usados são o fosfato e o ácido adípico.
O tratamento de ligações cruzadas fortalece os amidos relativamente frágeis, de modo que as suas pastas cozidas são mais viscosas e mais encorpadas, com menor tendência à degradação quando submetidas a maiores períodos de cozimento, maior acidez ou severa agitação.
Quanto maior o nível de ligações cruzadas, mais tolerante o amido se torna à acidez e menos propenso à perda de viscosidade. Isso não significa que o amido de maior nível de ligações cruzadas proporcionará melhor viscosidade em sistemas de baixo pH. As ligações cruzadas inibem o intumescimento do grânulo, ao passo que a alta temperatura, prolongados períodos de aquecimento, alta concentração de íons de hidrogênio e altas concentrações de energia, tendem a romper as pontes de hidrogênio e intensificar a expansão do grânulo. Assim, o amido deve ser selecionado com um nível suficiente de ligações cruzadas que suporte condições químicas e físicas extremas e proporcione viscosidade máxima.
No caso de um amido moderadamente constituído de ligações cruzadas tender a queda de viscosidade quando cozido a baixo pH, o problema pode ser resolvido com uma alteração do processo, ou seja, através do cozimento com pH alto, permitindo que a pasta se resfrie, adicionando-se, em seguida, o ácido para atingir o pH desejado. Dessa forma, a viscosidade adequada pode ser alcançada não sendo necessário a utilização de um amido com maior nível de ligações cruzadas.
Outra importante modificação no amido é a estabilização, a qual previne a gelificação e sinérese, mantendo a textura.
A fração linear de alguns amidos pode se reassociar através de pontes de hidrogênio, causando gelificação, opacidade e sinérese. No amido de milho ceroso, por exemplo, que é altamente ramificado e não possui amilose, não ocorrerá retrogradação ou gelificação sob condições normais de armazenamento. Contudo, sob baixa temperatura ou condições de congelamento, a pasta de amido de milho ceroso se torna turva e encorpada, ocorrendo ainda o processo de sinérese, tal como a pasta elaborada com amido de milho regular. Isso é atribuído a diminuição do movimento cinético durante a queda de temperatura, permitindo que as ramificações externas do amido de milho ceroso se associem através de pontes de hidrogênio, de forma similar ao que ocorre com a amilose.
Para evitar este fenômeno indesejável, grupos aniônicos são dispersos através do grânulo com a finalidade de bloquear a associação molecular através da repulsão iônica. O resultado desse processo é um amido estabilizado, o qual produzirá pastas que suportarão diversos ciclos de refrigeração (congelamento/descongelamento) antes que a sinérese ocorra.
Os amidos estabilizados são essenciais para a indústria de alimentos congelados, mas possuem também aplicação em muitas outras áreas, pois outros alimentos processados, como molhos e caldos enlatados, podem ser estocados a baixas temperaturas, o que requer o uso de amidos estabilizados a fim de manter a qualidade.
A substituição, ou estabilização, propicia maior viscosidade à pasta de amido, porém com pouca resistência a condições adversas de processo, como o cisalhamento. Os reagentes químicos normalmente empregados para esse tipo de modificação são o anidrido succínico, anidrido acético e óxido de propileno.
Quando o anidrido succínico ou anidrido 1-octenilsuccínico (OSA) são usados como reagentes para a substituição, o polímero de amido normalmente hidrofílico por natureza combina-se com a fração hidrofóbica, dando ao polímero propriedades emulsificantes.
O processo de conversão é uma das mais antigas formas de modificação. Os amidos podem ser convertidos com ácidos, oxidantes, calor ou enzimas para formar polímeros de peso molecular reduzido, com baixa viscosidade. Essa viscosidade reduzida é, às vezes, desejável no processamento de alimentos que contenham alto teor de sólidos.
Em condições de gelatinização, os amidos convertidos são muito mais solúveis do que os amidos nativos e formam um gel rígido quando resfriado. Alterando o comprimento do processo de conversão ou o método utilizado, pode-se produzir amidos com várias propriedades. Quando processos de conversão maiores são utilizados, pode-se produzir dextrinas, xaropes de milho e outros derivados.
Alguns dos amidos modificados mais comumente utilizados na indústria são produzidos através da combinação desses métodos, normalmente ligação cruzada e substituição, permitindo a oferta de amidos multifuncionais.
Já no processo de pré-gelatinização ou amidos instantâneos, uma solução de amido (normalmente a 35%) é depositada sobre um cilindro aquecido. O amido cozido é assim seco, deixando uma taxa de umidade residual da ordem de 6% a 8%.
O amido é, então, moído, peneirado e acondicionado. Esse amido pode ser usado em produtos que não passem por tratamento com calor durante o seu processamento ou preparo. Muitos amidos produzidos segundo esse método perdem a integridade dos seus grânulos. Um amido instantâneo finamente moído dá ao produto acabado uma textura mais untuosa. Por outro lado, se for moído mais grosseiramente não terá tendência a embolotar, mas propiciará uma textura mais polposa, o que pode não ser conveniente para muitos produtos.
Tanto os amidos modificados quando os nativos podem ser pré-gelatinizados e o amido final obtido apresenta as mesmas características técnicas e reológicas que os amidos utilizados no processo de gelatinização. As principais aplicações para esse tipo de amido são sobremesas, sopas instantâneas, snacks, etc.
Os amidos pré-gelificados são usados quando se espera que os produtos sejam solúveis ou dispersíveis em água fria ou quente sem aquecimento. É o tipo mais usado no preparo de muitos alimentos instantâneos, uma vez que é mais miscível em água ou leite do que os amidos nativos. Apresentam-se parcialmente ou totalmente solúveis em água fria e quente.
Outro tipo bastante utilizado na indústria de alimentos é o amido resistente, conhecido por suas propriedades funcionais.
O amido resistente é constituído por três tipos de amido. O tipo 1 representa o grânulo de amido fisicamente inacessível na matriz do alimento, fundamentalmente devido as paredes celulares e proteínas, pertencendo a este grupo grãos inteiros ou parcialmente moídos de cereais, leguminosas e outros materiais contendo amido nos quais o tamanho ou a sua composição impede ou retarda a ação das enzimas digestivas. O tipo 2 refere-se aos grânulos de amido nativo, encontrados no interior da célula vegetal, apresentando lenta digestibilidade devido as características intrínsecas da estrutura cristalina dos seus grânulos. O tipo 3 consiste em polímeros de amido retrogradado (principalmente de amilose), produzidos quando o amido é resfriado após a gelatinização.
O emprego industrial do amido e seus derivados se deve a característica única de poder ser usado diretamente na forma de grânulos, grânulos intumescidos, na forma dispersa, como filme obtido da secagem de uma dispersão ou após extrusão, depois da conversão a uma mistura de oligossacarídeos ou a glucose, que pode ser isomerizada enzimaticamente para frutose. Sua aplicação diversificada como ingrediente atende aos requisitos e atributos no preparo de diferentes produtos.
Márcia Fani
Editora