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A evolução do mercado de produtos lácteos sem lactose

Atualmente, a categoria de produtos lácteos sem lactose tem um amplo e crescente apelo à saúde para os consumidores, os quais, nos últimos, passaram a usufruir de uma variedade de produtos de qualidade e mais atraentes. Como resultado, os lácteos sem lactose são agora o mercado de crescimento mais rápido na indústria de lácteos, com perspectivas de alcançar um faturamento global de € 9 bilhões até 2022.

O leite líquido é a maior categoria de lácteos sem lactose, representando dois terços do mercado e impulsionando o crescimento absoluto da categoria. Em seguida estão o iogurte e os queijos sem lactose, que devem apresentar crescimento de 8,4% até 2022. A Europa Ocidental é o maior mercado de produtos sem lactose e de crescimento mais rápido, seguida pela América Latina.

Globalmente, a alegação de ausência de lactose não é mais usada apenas para produtos de nicho, estando entre as principais alegações de saúde em novos lançamentos de produtos lácteos.

A diversidade de produtos é uma das principais mudanças observadas nos últimos anos e que a cada dia está mais presente em uma ampla gama produtos na categorias de lácteos.

Os leites sem lactose UHT (tratamento ultra térmico) estáveis em prateleira eram tradicionalmente a única opção sem lactose encontrada na maioria dos mercados. No entanto, o número crescente de lançamentos na seção refrigerada está indicando uma mudança, sendo frequentemente posicionados próximos às alternativas à base de plantas, onde é mais fácil para os consumidores encontrá-los.

Aliás, o consumidor-alvo dos lácteos sem lactose também mudou. Atualmente, essa categoria de produtos têm amplo e crescente apelo à saúde para todos os consumidores e em países onde a maioria das pessoas é tolerante à lactose, atitude que pode explicada, em grande parte, pela excelente qualidade dos produtos lácteos sem lactose disponibilizados ao mercado.

Inovação da matéria-prima ao produto final

A enzima usada para a produção de produtos lácteos sem lactose tem sido tradicionalmente a β-galactosidase neutra derivada da levedura láctea Kluyveromyces lactis (e de seus parentes próximos Saccharomyces lactis, K. marxianus ou K. fragilis). Essa enzima clássica é produzida e comercializada sob diferentes marcas, sendo que todas as enzimas comerciais de Kluyveromyces lactis, independentemente da marca sob a qual são comercializadas, possuem basicamente o mesmo desempenho na hidrólise da lactose, diferenciando-se apenas quanto as dosagens do produto e graus de pureza disponíveis.

Outras β-galactosidases comerciais, como por exemplo, Bacillus circulans ou Aspergillus oryzae, são menos adequadas para a produção de produtos sem lactose na maioria das matrizes lácteas, devido aos diferentes pH ou temperatura ideais, sendo comercializadas principalmente para produção de galactooligossacarídeo (GOS ) ou como enzima nutricional.

Um recente desenvolvimento de mercado que agrega valor para os produtores de lácteos, é o fornecimento de β-galactosidases produzidas com hospedeiros de produção geneticamente modificados. De acordo com a empresa fornecedora, consistem de versões truncadas de uma lactase de Bifidobacterium produzida com uma cepa hospedeira de Bacillus, ou de versão autoclonada da lactase normal de Kluyveromyces lactis com atividade específica superior.

Todas as enzimas lactase comerciais usadas para a produção de leite sem lactose estão disponíveis como líquidos estabilizados e são certificadas como Kosher e Halal.

A indústria de lácteos utiliza diferentes processos para a produção de diferentes produtos sem lactose.

O leite líquido sem lactose, por exemplo, está disponível em muitos países em diferentes formas e, embora a maioria das pessoas com intolerância à lactose apresentem poucos sintomas com uma dosagem de lactose de <12 gramas por refeição, a tendência geral nessa indústria é reduzir o conteúdo de lactose o mais baixo possível.

No entanto, não há um consenso global sobre os requisitos regulamentares para alegações sem lactose; enquanto no passado a maioria dos produtores considerava a redução da lactose entre 0,5% ou 0,1% como suficiente, a necessidade atual em alguns países é de até mesmo uma redução para <0,01% para que o leite possa ser considerado sem lactose.

A obtenção de quantidades tão baixas de lactose na produção de leite requer atenção especial não apenas no processamento do leite e à dosagem e eficácia da enzima usada nesse processo, mas também com relação aos métodos analíticos sensíveis para determinar tais quantidades baixas de lactose.

Em geral, a maior parte do leite líquido nos países do norte da Europa, América do Norte e Austrália, é pasteurizado e armazenado sob refrigeração por algumas semanas. Nos países do Sul da Europa, América do Sul e Ásia, a maioria do leite é esterilizado por UHT e armazenado em temperatura ambiente por até nove meses.

Curiosamente, além da preferência do consumidor pelo sabor do leite pasteurizado ou esterilizado UHT, a preferência pela doçura no leite se divide entre a doçura extra gerada no leite pela hidrólise da lactose, especialmente apreciada nos países latinos e asiáticos, mas não apreciada no Norte da Europa e na América do Norte.

Atualmente, os processos de batelada e asséptico estão em uso para produzir leite sem lactose, ambos utilizando a enzima lactase solúvel.

Os processos baseados em enzima imobilizada têm sido sugeridos na literatura científica há muito tempo e até mesmo testados em escala piloto; porém, a imobilização da lactase não era utilizada na prática industrial para produção de leite sem lactose até hoje devido a problemas com a estabilidade microbiana do produto final. A reciclagem da enzima imobilizada em um ambiente industrial é, portanto, limitada, tornando o procedimento menos econômico e mais sujeito a defeitos de qualidade do que a hidrólise com uma enzima solúvel.

Já nos produtos de leite fermentado, outra categoria de lácteos sem lactose, a presença de uma quantidade substancial de lactose (30 a 40g/kg no iogurte), pode sugerir que pessoas com intolerância à lactose tenham problemas com esses produtos lácteos. No entanto, isso é muito menor do que o esperado pela quantidade de lactose que é consumida. Duas teorias diferentes foram propostas para explicar esse fenômeno. A primeira delas sugere que as bactérias do ácido láctico presentes no iogurte sobrevivem no estômago e que a enzima lactase presente nessas bactérias auxilia na digestão da lactose no intestino delgado. Os monossacarídeos são consumidos pelas bactérias e absorvidos no intestino delgado, de modo que os sintomas de intolerância à lactose são reduzidos. Algumas empresas de lácteos afirmam produzir iogurtes contendo culturas especiais com esse efeito. Essa hipótese só será válida se a bactéria do iogurte e sua enzima lactase intracelular sobreviverem no estômago. A segunda teoria sugere que a lactose no iogurte é melhor digerida devido ao menor tempo de trânsito de uma refeição do iogurte viscoso em comparação com o leite líquido. Devido a isso, qualquer lactase residual no intestino delgado terá mais tempo para digerir a lactose e, com isso, reduzirá os sintomas de intolerância.

Independentemente de quais desses efeitos desempenham o papel principal na tolerância de produtos lácteos fermentados por pessoas com intolerância à lactose, o mais confiável parece ser a digestão enzimática completa da lactose no iogurte, o que pode ser feito incubando o leite com lactase antes da pasteurização ou adicionando a lactase junto com a cultura após a pasteurização do leite. A maioria dos produtores de iogurte opta pela última abordagem, co-hidrólise, uma vez que a pré-digestão parece inibir a atividade de algumas culturas de iogurte, provavelmente devido à mudança de lactose para glicose como principal fonte de carbono ou ao aumento da pressão osmótica no leite hidrolisado com lactose.

Quando a lactase neutra é adicionada ao leite ao mesmo tempo que a cultura de iogurte, resta apenas um tempo limitado para a digestão da lactose. A maioria das lactases neutras é completamente inativada a um pH <5,5, que é alcançado após 2,5 a 3 horas de incubação em um processo regular de fabricação de iogurte. Portanto, a dosagem de lactase deve ser relativamente alta para obter o status “livre de lactose”.

As lactases estáveis em ácido estão atualmente no mercado e podem reduzir a dosagem total da enzima. No entanto, como essas enzimas não são inativadas pelo baixo pH do produto final, a adição deve ser rotulada na embalagem do iogurte em alguns países.

Uma grande vantagem do uso de lactases na produção de iogurte é o aumento da doçura, devido ao desdobramento da lactose. Portanto, o açúcar total adicionado pode ser reduzido em 1,5 a 2g/100g sem alterar o perfil de sabor.

Como a lactase de Kluyveromyces lactis é inativada no processamento do iogurte devido à queda do pH, a rotulagem da enzima na embalagem do iogurte geralmente não é necessária. Contudo, muitos fabricantes de iogurte usam a enzima como uma solução compatível com os rótulos para reduzir a adição de açúcar.

Além do leite líquido e do iogurte, os principais produtos sem lactose do setor lácteo, muitos outros produtos lácteos são feitos sem lactose usando tratamento enzimático. Cada aplicação tem as suas próprias “armadilhas” quando a lactose é convertida em monossacarídeos, por isso é importante perceber que, muitas vezes, o processo ou a fórmula precisam ser adaptados para obter o resultado ideal. Isso se aplica a produtos como leite aromatizado, pós lácteos podem ser produzidos a partir do leite ou soro de leite, queijo, sorvete e doce de leite, entre outros.

Além desses exemplos de produtos lácteos sem lactose, onde o tratamento com lactase pode ter vantagens adicionais, muitos outros produtos lácteos sem lactose, como sobremesas e cremes, estão sendo produzidos atualmente e ajudam a expandir o portfólio de produtos sem lactose.

Apelo saudável

Os lácteos sem lactose podem conferir benefícios a pessoas com intolerância à lactose, permitindo-lhes desfrutar do sabor dos lácteos sem os incômodos sintomas intestinais da ingestão de lactose; outro atributo é que são capazes de fornecer os nutrientes essenciais presentes nos lácteos regulares, como cálcio e vitaminas.

Existem vários lácteos que contêm muito pouca ou nenhuma lactose e geralmente são bem tolerados por pessoas com intolerância à lactose. Alguns queijos, como por exemplo, o Gouda, utilizam processo de produção que inclui uma etapa de lavagem da coalhada para diminuir o teor de lactose; vale lembrar que esses queijos já apresentam teor de lactose relativamente baixo, mesmo sem maturação.

Para muitos outros queijos, o teor de lactose só é reduzido devido a ação das bactérias do ácido láctico durante o amadurecimento. Portanto, em geral, queijos duros e envelhecidos, como queijo parmesão, cheddar ou suíço, possuem concentração de lactose muito baixa.

Outro lácteo com baixo teor de lactose é a manteiga. Durante a sua produção, a maioria dos componentes solúveis em água do leite, incluindo a lactose, são removidos, reduzindo, assim, o conteúdo de lactose na manteiga para <0,1%.

Os produtos lácteos sem lactose estão se tornando mais populares e fornecem excelentes oportunidades para pessoas com intolerância à lactose se beneficiarem da ampla variedade de produtos nutritivos e saborosos feitos a partir do leite.

Além disso, a conscientização do consumidor sobre a relevância nutricional dos produtos lácteos combinada com a promoção de muitas possibilidades diferentes de lácteos sem lactose e seus benefícios, como redução de açúcar e prevenção de arenito, pode aumentar ainda mais a penetração de mercado desses produtos.

De forma mais ampla, os produtos sem lactose continuam a ser um dos motores de crescimento do mercado global de saúde e bem-estar.

Márcia Fani

Editora








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