O malte está associado a produção de cerveja há pelo menos 10.000 anos. Os antigos fazendeiros do Egito foram os pioneiros na arte de preparar cerveja quando, involuntariamente, combinaram pão, água e calor... e a fermentação foi iniciada.
Essa fermentação improvisada agradou os egípcios, que descobriram que preparando a cevada crua para fermentação, germinando e secando, era possível produzir uma saborosa bebida, conhecida hoje como cerveja. Assim nasceu a arte da maltagem, que utiliza apenas dois ingredientes: grãos de cereais crus, geralmente, cevada e água. O processo é composto por três etapas básicas, que incluem maceração, germinação e secagem. Seu principal objetivo é a obtenção de um produto com atividade enzimática, coloração e estabilidade adequadas.
O processo propriamente dito tem início com a cevada limpa, classificada e com teor de umidade de cerca de 11% a 12%. Caso o teor de umidade da cevada após a colheita seja superior a essa porcentagem, é conveniente a sua prévia secagem, a qual deve ser realizada utilizando ar a temperatura inferior de 50°C ou 60°C, para evitar a perda do potencial germinativo do grão.
A etapa de maceração tem como objetivo principal o aumento do teor de umidade do grão de cevada em até 40% a 46%. Essa etapa é crucial, uma vez que possibilitará o início da germinação do embrião e a correspondente produção de ácido giberélico, bem como o seu transporte e ação na camada de aleurona e a hidratação do endosperma até valores que facilitam a sua modificação enzimática. Simultaneamente, também permite uma limpeza adicional do grão de cevada.
Antigamente, a maceração era realizada através de uma única imersão do grão de cevada durante um determinado período de tempo. Atualmente, essa etapa ocorre mediante a alternância de períodos de imersão com períodos de repouso do grão, podendo ter a duração de até 48 horas. É frequente a utilização de três períodos de imersão alternados com três períodos de repouso. Os períodos de repouso têm como objetivo a remoção do dióxido de carbono produzido durante o processo de respiração do grão de cevada e a sua substituição por ar e, consequentemente, oxigênio. Durante a etapa de maceração a água começa a entrar no grão de cevada a partir do embrião, iniciando na sequência, a hidratação da camada do aleurona e, posteriormente, a lenta hidratação do endosperma.
Durante a etapa de maceração é permitida a utilização de alguns aditivos, como hidróxidos de cálcio e sódio (0,05% até 0,1%) para favorecer a extração de compostos fenólicos; formaldeído (0,05% a 0,1%) para controlo de microorganismos; e peróxido de hidrogénio (0,1% a 1,0%) para auxiliar a oxigenação, entre outros.
A temperatura na etapa de maceração deve ser rigorosamente controlada, devendo situar-se entre os 12°C a 20°C. Frequentemente, são utilizadas temperaturas de 16°C, o que favorece as modificações iniciais do grão durante a etapa de germinação, tornando-as mais rápidas e homogêneas.
A etapa seguinte no processo de maltagem é a germinação, que tem como objetivo a produção equilibrada de enzimas com a mínima perda de extrato. Entre as enzimas produzidas é importante destacar as amilases, as β-glucanases e as proteases. As amilases atuam no principal constituinte do endosperma, o amido. Entre essas enzimas, encontram-se as α- e β-amilases, que agem nas ligações glicosídicas α-(1,4) que ligam os resíduos de D-glucose que compõem o amido. A α-amilase atua no interior das moléculas de amilose e amilopectina, produzindo dextrina, enquanto a β-amilase atua a partir do extremo não redutor das cadeias, libertando moléculas de maltose.
Além das amilases, outras enzimas, como as proteases, atuam nos componentes do endosperma, ou seja, na matriz proteica. As proteases desempenham papel importante durante a etapa de germinação, promovendo forte aumento na atividade proteolítica a partir do 3º dia de germinação. O aumento da atividade proteolítica resulta da ação conjunta de dois tipos de enzimas: as endoproteases, que fornecem polipeptídios solúveis que serão hidrolisados pelas exoproteases a aminoácidos simples, que são utilizados pelo embrião. A ação das proteases durante a maltagem também influencia algumas características, como a sua turbidez em cervejas, que é reduzida devido a ação dessas enzimas.
A ação das enzimas mencionadas não seria possível sem as β-glucanases, que desempenham papel fundamental durante o processo de maltagem e, em particular, durante a etapa de germinação. Essas enzimas são as responsáveis pela degradação das β-glucanas presentes nas paredes das células do endosperma. Sua ação permite o acesso das restantes enzimas (amilases e proteases) aos componentes que se encontram no interior das células do endosperma.
A etapa de germinação é realizada em caixas ou tanques de germinação a uma temperatura de 14°C a 20°C e mantendo o grão com teor de umidade de aproximadamente 45%.
A etapa final do processo de maltagem é a secagem, que tem como principal objetivo interromper a germinação do grão de cevada, através da redução do seu teor de umidade de cerca 43% até 5%. A secagem também inativa microorganismos que, em conjunto com a redução do teor de umidade, permite fornecer um produto estável do ponto de vista da sua conservação. As enzimas sintetizadas na etapa de germinação são sensíveis a elevadas temperaturas quando o teor de umidade do grão é elevado. Desse modo, na fase inicial da secagem deve ser utilizado ar a uma temperatura próxima de 50°C. Durante essa fase, o ar utilizado para a secagem deve ter uma umidade relativa de 100% ou próxima a esse valor. O teor de umidade do grão é reduzido a uma velocidade constante, desde o seu valor inicial até cerca de 20%.
Durante a fase seguinte, a velocidade de secagem diminui, sendo necessário aumentar a temperatura do ar de entrada para se alcançar a redução do teor de umidade do grão até valores próximos a 5%. Na parte final dessa fase, mantém-se o valor da temperatura constante durante um determinado período de tempo, o qual é determinado de acordo com o tipo de malte que se pretende obter.
Durante a etapa de secagem, o malte desenvolve a coloração, devido a formação de melanoidinas, como resultado das reações de Maillard que ocorrem entre os produtos da degradação enzimática do amido e proteínas, nomeadamente açúcares redutores e aminoácidos. Nessa etapa, a atividade enzimática é reduzida de forma significativa, havendo, inclusive, destruição das enzimas mais sensíveis à temperatura. Desse modo, de uma forma geral, quanto mais intensa for a coloração do malte, menor será a sua atividade enzimática.
A secagem do grão germinado úmido ou do malte seco em estufa em temperaturas mais altas e em períodos de tempo mais longos, tanto no forno quanto em uma torrefadora, cria cores ricas e sabores agradáveis, enquanto destrói todas as enzimas ativas. Esse processo produz o malte denominado de não-diastático.
Variando a umidade junto com os tempos de secagem e as temperaturas durante o processo de maltagem, pode-se produzir uma variedade colorida de maltes, de ouro claro a castanho chocolate profundo.
Posteriormente, o malte pode ser processado em adoçantes naturais, extratos de malte caracterizados pelas mesmas cores e sabores dos maltes padrão e especiais, a partir dos quais são processados.
Os extratos e xaropes de malte são preparados extraindo o malte com água sob várias condições e evaporando o extrato sob vácuo para obter a cor, o sabor e a atividade diastática desejada. Os maltes diastáticos secos são preparados pela mistura de cevada maltada finamente moída, farinha de trigo e dextrose com atividade enzimática. Os maltes verdes podem ser secos sob temperaturas elevadas ou submetidos a outros tratamentos para obter maltes não-diastáticos contendo pouca ou nenhuma atividade enzimática.
Nos últimos anos, muitos avanços foram incorporados ao processo de maltagem. Atualmente, para obter o malte de cevada leva-se de oito a nove dias; há 50 anos atrás, o mesmo processo levava 14 dias. Esses avanços são devidos a um melhor conhecimento da fisiologia do grão da cevada. Hoje, a germinação pode ser acelerada e uniformizada através da adição e da remoção do ácido giberélico que, produzido no escutelo da cevada, difunde-se para a aleurona e conduz à produção de enzimas hidrolíticas (amilases, proteases, glucanases, entre outras), que são posteriormente secretadas.
Hoje, o malte não é um ingrediente exclusivo das formulações de cerveja. A expansão do seu uso oferece uma ampla gama de aplicações na indústria de alimentos e bebidas, sendo um ingrediente altamente nutritivo, com baixo teor de gordura, fonte de fibras, carboidratos complexos, proteínas, vitaminas e constituintes naturais do açúcar, gerando novas experiências gastronômicas por meio da sua funcionalidade, sabor e aparência.
Márcia Fani
Editora