O renascimento do FERRO: novas formas de suplementação com menor efeito colateral

Por décadas, a suplementação de ferro foi sinônimo de um desafio constante para a indústria de alimentos e suplementos. Essencial para o transporte de oxigênio, a síntese de DNA e o metabolismo energético, o ferro é um dos minerais mais prescritos no mundo e, paradoxalmente, um dos que mais geram resistência por parte dos consumidores devido aos seus efeitos colaterais. Náuseas, constipação e desconforto gastrointestinal ainda são as queixas mais comuns associadas às formulações tradicionais, como o sulfato ferroso.
Nos últimos anos, no entanto, uma revolução silenciosa vem ocorrendo no setor: novas formas químicas e tecnologias de liberação controlada estão mudando a forma como o ferro é incorporado a suplementos e alimentos fortificados, marcando o que muitos especialistas chamam de “renascimento do ferro”.
O desafio histórico da suplementação de ferro
O ferro é um micronutriente essencial, mas sua biodisponibilidade, ou seja, a fração realmente absorvida e utilizada pelo organismo, varia de forma significativa de acordo com a forma química, o alimento-base e a presença de outros compostos. O ferro heme, proveniente de fontes animais, é absorvido com mais facilidade, enquanto o ferro não heme (presente em vegetais e suplementos) sofre maior interferência de fatores como fitatos, polifenóis e cálcio.
Essa limitação levou, por décadas, ao uso de sais inorgânicos como o sulfato ferroso, o fumarato ferroso e o gluconato ferroso, que são formas eficazes, mas frequentemente associadas a irritação intestinal e sabor metálico. O desafio para os fabricantes sempre foi equilibrar eficácia biológica e tolerabilidade gastrointestinal, sem comprometer o custo ou a estabilidade das formulações.
A nova geração de complexos de ferro
O avanço tecnológico permitiu o desenvolvimento de formas de ferro com maior biodisponibilidade e menor impacto adverso. Entre as mais promissoras estão:
Ferro bisglicinato quelato
Resultado da ligação do ferro a dois aminoácidos de glicina, essa forma apresenta excelente solubilidade e estabilidade. A estrutura quelada protege o ferro contra interações com inibidores de absorção, como o ácido fítico, e permite uma passagem mais suave pelo trato gastrointestinal. Estudos clínicos indicam que o ferro bisglicinato pode oferecer maior absorção com doses menores, reduzindo significativamente sintomas como náusea e constipação.
Ferro microencapsulado
A microencapsulação — técnica em que o mineral é envolvido por uma matriz protetora, como lipídios, polissacarídeos ou proteínas — representa outro salto qualitativo. Essa barreira controla a liberação do ferro, mascarando o sabor metálico e minimizando o contato direto com a mucosa intestinal. Além disso, a microencapsulação melhora a estabilidade em matrizes alimentares complexas, permitindo fortificação de bebidas, farinhas e cereais sem alteração de cor ou sabor.
Ferro polimaltose e formas lipossomais
Outra vertente promissora são os complexos de ferro polimaltose, nos quais o ferro é ligado a polímeros de carboidratos, formando partículas de alta estabilidade e absorção gradual. Já os lipossomas de ferro — microvesículas compostas por fosfolipídios — representam uma inovação mais recente, garantindo absorção eficiente e menor irritação gástrica, embora ainda tenham custo elevado e desafios de escalabilidade industrial.
Fortificação alimentar e desafios tecnológicos
A evolução dos ingredientes também vem transformando a fortificação de alimentos, especialmente em categorias como bebidas vegetais, produtos infantis e fórmulas especiais. No entanto, incorporar ferro em alimentos continua sendo um desafio técnico. O mineral é reativo, pode acelerar a oxidação de lipídios e alterar o perfil sensorial dos produtos.
A escolha da forma química e da tecnologia de proteção, como microencapsulação e uso de antioxidantes, é essencial para garantir estabilidade, aparência e sabor neutro, mantendo a eficácia nutricional. Esses avanços são particularmente relevantes diante das políticas globais de combate à anemia ferropriva, que afeta cerca de 1 em cada 3 mulheres em idade fértil e 40% das crianças no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O papel da ciência e do consumidor na nova era do ferro
O mercado de suplementos está cada vez mais orientado por consumidores informados, que buscam eficácia sem desconforto. A demanda por produtos “gentle on the stomach” (suaves para o estômago) impulsiona o investimento em pesquisa e inovação. Paralelamente, a ciência vem ampliando a compreensão sobre a interação do ferro com outros nutrientes — como vitamina C, cobre e zinco — e sobre o impacto da microbiota intestinal na absorção e metabolismo do mineral.
Nesse contexto, o ferro bisglicinato e as formas microencapsuladas ganham destaque não apenas pela eficácia, mas também pela versatilidade de aplicação, que vai desde suplementos em cápsulas e gomas até bebidas funcionais e produtos plant-based fortificados.
A busca atual pelo ferro vai além da simples correção de deficiências: trata-se de oferecer soluções mais inteligentes, seguras e compatíveis com as novas demandas do consumidor e das legislações globais de fortificação. Com o avanço das tecnologias de encapsulação, quelação e biotecnologia, o ferro caminha para se tornar não apenas um nutriente essencial, mas também um ingrediente de alto valor agregado, capaz de unir performance, bem-estar e inovação.




























