Transparência e rastreabilidade: demandas crescentes na comunicação de ingredientes

O setor de alimentos e bebidas passa por um período de transformação em que transparência e rastreabilidade se consolidam como pilares essenciais para atender às expectativas de consumidores, reguladores e parceiros da cadeia produtiva. Se antes essas práticas eram percebidas como diferenciais competitivos, hoje configuram-se como requisitos essenciais para conquistar confiança, fortalecer marcas e garantir conformidade regulatória.
Segundo a pesquisa Food & Health Survey 2023, realizada pelo International Food Information Council (IFIC), 74% dos consumidores norte-americanos afirmam prestar mais atenção aos rótulos e listas de ingredientes do que há cinco anos. No Brasil, um levantamento da Opinion Box (2023) apontou que 65% dos consumidores consideram a transparência sobre a origem e composição dos alimentos como fator decisivo de compra. Esses números refletem uma mudança estrutural no comportamento do consumidor, que passa a valorizar não apenas o produto, mas também a história por trás dos ingredientes.
Evolução do conceito de rastreabilidade
A rastreabilidade na indústria de alimentos não é um tema novo. Ela ganhou relevância global a partir das crises de segurança alimentar nos anos 1990, como a encefalopatia espongiforme bovina (BSE) na Europa. Desde então, sistemas de rastreamento e certificações se desenvolveram para garantir a origem segura de matérias-primas.
Atualmente, o conceito evoluiu e se tornou multidimensional. Não se trata apenas de assegurar a segurança alimentar, mas também de comunicar práticas ligadas a sustentabilidade, comércio justo, bem-estar animal e pegada de carbono. De acordo com relatório da Euromonitor International (2023), 81% das empresas globais do setor de alimentos afirmam investir em iniciativas de rastreabilidade como resposta direta às pressões dos consumidores e exigências regulatórias.
Exigências reguladoras e padrões globais
As pressões por maior transparência não vêm apenas dos consumidores, mas também de órgãos reguladores. Na União Europeia, o Regulamento (EU) 178/2002 já estabelecia regras básicas de rastreabilidade, mas as novas discussões em torno do Farm to Fork Strategy ampliam o escopo para incluir rastreabilidade de emissões e impactos ambientais.
Já nos Estados Unidos, a Food Safety Modernization Act (FSMA), aplicada pelo FDA, exige que empresas implementem planos de rastreabilidade digital para determinados alimentos de alto risco.
No caso do Brasil, a ANVISA vem avançando em exigências de rotulagem nutricional, enquanto o MAPA expande protocolos de rastreabilidade, especialmente para cadeias como carne bovina e leite.
Segundo relatório da Transparency Market Research (2023), o mercado global de soluções de rastreabilidade para alimentos deve crescer a uma taxa de 9% ao ano até 2031, impulsionado justamente por regulações mais rigorosas.
Tecnologias que estão redefinindo a rastreabilidade
Para que a rastreabilidade siga se aprimorando e se tornando um ponto de ligação entre a indústria e o consumidor, a tecnologia também precisou evoluiu. Por isso, hoje ela é o motor central que está provocando essa grande revolução. Algumas tecnologias já se destacaram:
- Blockchain: permite registrar cada etapa da cadeia de suprimentos de forma imutável, desde a origem da matéria-prima até o consumidor final. Marcas como Nestlé e Carrefour já utilizam blockchain em projetos-piloto para rastrear leite e carne.
- Sensores e IoT: tecnologias de Internet das Coisas aplicadas ao monitoramento de transporte e armazenamento garantem dados em tempo real sobre temperatura, umidade e integridade de ingredientes sensíveis.
- Inteligência Artificial (IA): algoritmos de IA processam grandes volumes de dados para identificar riscos de fraudes alimentares e prever gargalos logísticos.
De acordo com o relatório Food Traceability Market da Fortune Business Insights (2023), o segmento de blockchain em rastreabilidade de alimentos deve atingir US$ 3,9 bilhões até 2028, evidenciando o protagonismo dessa tecnologia.
Desafios para a indústria de ingredientes e aditivos
Embora os benefícios sejam claros, a implementação de sistemas avançados de rastreabilidade e transparência enfrenta obstáculos e não é tão isenta de problemas como parece.
O curso de implementação é um dos desafios, afinal, pequenas e médias empresas podem ter dificuldades em adotar tecnologias como blockchain ou IoT. Além disso, a padronização também representa alguns obstáculos, pois a ausência de protocolos unificados dificulta a interoperabilidade entre fornecedores globais.
Na gestão de dados, o aumento do volume de informações exige sistemas robustos de segurança cibernética para evitar vazamentos. Novamente, nem todas as empresas conseguem atender a essa demanda devido aos custos.
Segundo relatório da Deloitte (2022), 63% das empresas do setor de alimentos afirmam que a falta de padronização nos sistemas de rastreabilidade é a principal barreira para a adoção plena da tecnologia.
O consumidor como agente de transformação
O movimento por mais transparência não é apenas uma exigência regulatória: ele está diretamente vinculado ao novo perfil do consumidor. Dados da McKinsey & Company (2023) mostram que 70% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por alimentos que comuniquem claramente origem, impacto ambiental e práticas éticas.
Na indústria de ingredientes e aditivos, isso significa que empresas fornecedoras também precisam reposicionar sua comunicação B2B, oferecendo informações detalhadas sobre origem, certificações (como non-GMO, kosher e halal), pegada de carbono e até mesmo impacto socioeconômico das cadeias produtivas.
O futuro aponta para sistemas de rastreabilidade mais integrados, digitais e centrados no consumidor. A convergência entre blockchain, inteligência artificial e análise preditiva permitirá construir narrativas de marca muito mais transparentes e confiáveis. Além disso, espera-se que reguladores exijam cada vez mais divulgação de métricas ambientais, como emissões de gases de efeito estufa ligadas a ingredientes específicos.
Ou seja, definitivamente a transparência e rastreabilidade deixaram de ser opcionais para se tornarem imperativos estratégicos na indústria de alimentos e bebidas. Para o setor de ingredientes e aditivos, o desafio está em comunicar de forma eficaz não apenas a segurança e a qualidade dos produtos, mas também sua contribuição para cadeias produtivas sustentáveis e éticas.




























