TARIFAÇO: OS IMPACTOS NO SETOR DE INGREDIENTES E ALIMENTOS BRASILEIROS

Em um movimento que repercute por toda a cadeia de suprimentos global, a recente imposição de novas tarifas pelos Estados Unidos sobre uma gama de produtos brasileiros acende um alerta. Para o setor de aditivos e ingredientes, os efeitos vão além do custo direto sobre os produtos considerados chave, desenhando um novo cenário de desafios competitivos, reajustes estratégicos e oportunidades inesperadas.
O CENÁRIO MACROECONÔMICO: O QUE MUDOU?
No início do segundo semestre de 2025, o governo dos Estados Unidos, através de uma determinação do U.S. Trade Representative (USTR), formalizou a aplicação de sobretaxas tarifárias a uma lista de produtos importados do Brasil. A medida, justificada como uma forma de proteger a indústria local e equilibrar a balança comercial em setores considerados estratégicos, afeta diretamente alguns dos pilares da exportação brasileira.
Embora a lista seja extensa, o foco recai sobre produtos que são tanto commodities quanto matérias-primas essenciais para a indústria de alimentos e bebidas norte-americana. Produtos como o açúcar bruto, certas preparações de café e carnes processadas tiveram suas alíquotas de importação elevadas, em percentuais que variam de 10% a 25%, mas sujeitos a alterações a qualquer momento.
Os efeitos já começam a ser sentidos no setor. De acordo com um balanço divulgado pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), até o momento os produtos mais afetados na comparação com julho são os açúcares (-69,5%), as proteínas animais (-45,8%) e preparações alimentícias (-37,5). No caso do suco de laranja, setor que não foi taxado diretamente, o crescimento da indústria alcançou 6,8% em agosto em relação ao mesmo período de 2024, mas com 11% de queda em relação a julho.
Segundo as expectativas da ABIA, a perda acumulada devido aos produtos alimentícios afetados pelas tarifas deve chegar a 80% entre agosto e dezembro. Portanto, os maiores efeitos poderão ser avaliados a partir de janeiro de 2026.
IMPACTO DIRETO NOS INGREDIENTES DE ALTO VALOR
Açúcar e adoçantes
O mercado de açúcar dos EUA é protegido por cotas. As tarifas sobre o volume extra-cota limitam o potencial de crescimento das exportações brasileiras, impactando, segundo a UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia), toda a cadeia de ingredientes derivados da cana.
Café e extratos
O Brasil, líder mundial em café, é vulnerável principalmente nos produtos de maior valor agregado, como o café solúvel, ingrediente importante para a indústria de bebidas prontas. O Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) aponta que a medida desestimula a industrialização para exportação.
Cacau e derivados
Ingredientes como manteiga e pó de cacau, essenciais para a indústria de confeitaria, também foram afetados. O Brasil, que busca expandir sua participação nesse mercado de maior valor, enfrenta agora uma barreira de preço adicional.
Ceras e gomas naturais
A cera de carnaúba, um produto quase exclusivo do Brasil e fundamental como agente de brilho em confeitos e revestimentos, é um exemplo de ingrediente de nicho que pode sofrer com a medida, encarecendo a produção de diversos itens da indústria de doces e farmacêutica.
Mel e produtos apícolas:
O setor, que já enfrenta forte concorrência internacional, vê nas tarifas um obstáculo adicional para acessar o mercado de varejo e industrial dos EUA, que valoriza o produto para uso em cereais, barras e molhos.
BALANÇA COMERCIAL EM FOCO
Exportações do Agronegócio Brasileiro (2024):
Receita total: US$ 165,13 bilhões
Principal destino (Mundo): China, com US$ 49,7 bilhões (30,2% do total)
Segundo principal destino (Mundo): Estados Unidos, com US$ 12,1 bilhões (7,4% do total)
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) / SECEX, consolidado pela Datagro.
ANÁLISE DAS ENTIDADES E DO MERCADO
As entidades já se movimentam desde o início do anúncio das tarifas. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Ingredientes e Aditivos para Alimentos (ABIAM), não existe ainda uma quantificação dos impactos em exportação ou importação, embora as exportações brasileiras de ingredientes para alimentos se concentrem mais na América Latina do que nos Estados Unidos.
Vemos com preocupação a situação, não só pela exportação referente ao nosso setor como também pela exportação de alimentos que portam em suas composições produtos nossos. A melhor receita para tentar uma solução disso passa pelo acordo entre empresas, sejam importadoras, exportadoras, e setores. Se deixarmos isso do lado político, é claro que a prioridade está nos grandes casos, e nós, por volume, não nos encaixamos.
Helvio Tadeu Collino
Presidente do Conselho Diretor da ABIAM
Em nota, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) reforçou que "medidas desta natureza prejudicam as economias dos dois países, causando danos a empresas e consumidores". Segundo a entidade, os 200 anos de relações entre os dois países justifica a esperança para que a situação possa ser revertida por meio do diálogo entre governos e setores privados.
Já a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos - CITRUS BR, ressaltou que as consequências são graves, incluindo a interrupção de colheitas, desorganização do fluxo das fábricas e paralisação do comércio. A nota oficial da entidade ressalta que a Europa é o principal mercado do suco brasileiro, com 52% de participação nas exportações da safra 2024/2025, mas é pouco provável que o continente seja capaz de absorver os excedentes do mercado americano "sem que haja grave deterioração de valor para todo o setor". Com relação ao mercado asiático, especificamente Japão e China, a entidade alerta que ambos também não são suficientes para absorver os excedentes - no caso japonês, as exportações diminuíram 30% no último ano.
A situação do café também é preocupante, já que um terço do café consumido nos EUA é originado do Brasil, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). A entidade tem trabalhado em conjunto com a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) para reverter a situação, articulando-se ainda com a National Coffee Association (NCA), traders, importadoras e redes de cafeteria dos EUA. Contudo, o café, ao contrário de outros produtos, não é cultivado em larga escala nos EUA, por isso as entidades seguem com a esperança de novidades em breve.
Entre as empresas fabricantes e distribuidoras de ingredientes e aditivos para alimentos e bebidas, ainda não se observou o repasse dos custos tarifários aos clientes, baseado nas especulações do governo brasileiro com a recém aprovada lei de Reciprocidade Econômica. Contudo, se a tarifa for aprovada, poderá haver reajuste no preço de venda proporcional à taxação. Parcerias com empresas de outros países para diversificar o portfólio também já são adotadas no mercado, como o caso da Barentz, que comenta já ter se preparado dessa forma há algum tempo.
Atualmente, no mercado brasileiro, há poucos ingredientes dos quais a indústria depende exclusivamente da fabricação norte-americana. Portanto, a indústria nacional deve priorizar a análise de outras origens de aquisição para mitigar o potencial impacto de custos no curto e longo prazo. Principalmente nas categorias mais comoditizadas, pode-se iniciar uma troca de fornecimento com agilidade, diferente das especialidades, onde toda a cadeia de supply chain trabalha com margens mais altas. Nesses casos, deve-se repensar a estrutura de pricing para evitar um impacto na demanda do consumidor final.
Felipe Linares
Principal Manager | South América da Barentz
OPORTUNIDADES EM NOVOS HORIZONTES
ÁSIA
Imenso potencial de crescimento para ingredientes de maior valor agregado. Dados da Scot Consultoria, baseados na SECEX, mostram que as exportações para o Sudeste Asiático já são robustas, com destaque para farelos de soja (US$ 3,2 bilhões) e açúcares (US$ 2,55 bilhões).
UNIÃO EUROPEIA
Segundo o CBI (Centre for the Promotion of Imports from developing countries), o Brasil é o maior importador global de frutas e vegetais processados, absorvendo 47% do total mundial. A demanda por produtos com certificações de sustentabilidade, orgânicos e de comércio justo é uma porta de entrada para ingredientes brasileiros de alto valor, especialmente se confirmado o acordo Mercosul-União Europeia.
ORIENTE MÉDIO
Representa um mercado em expansão para alimentos processados, principalmente para os setores de carnes, aves e lácteos, segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). A demanda por ingredientes para a indústria local de alimentos também é uma oportunidade a ser explorada.
MÉXICO
Enquanto as exportações para os Estados Unidos caíram, o México foi o destaque de agosto. O país comprou 43% a mais dos produtores brasileiros em comparação com julho, representando o mercado de maior aumento da sua participação, segundo a ABIA.
POSSÍVEL ESPERANÇA?
Nas últimas semanas, uma nova esperança na tensão da guerra tarifária surgiu: a mobilização de senadores americanos com um projeto de lei para tentar revogar o tarifaço. A proposta reuniu tanto membros do partido Democrata quanto Republicano sob a justificativa de que a manutenção das altas tarifas poderá elevar o preço dos alimentos e prejudicar a economia norte-americana – o preço do café no país, por exemplo, já subiu 21% em comparação com o mesmo mês de 2024.
Como o projeto tem caráter privilegiado, a proposta obrigatoriamente tem que ser votada, mas os democratas precisam conquistar os votos de pelo menos quatro republicanos, uma vez que o partido de Trump tem a maioria no Senado. Após isso, para que as tarifas sejam realmente derrubadas, a proposta ainda teria que passar pela Câmara, onde Trump também possui maioria.
REFLEXOS DO TARIFAÇO
US$ 300 milhões de queda na exportação de alimentos industrializados em agosto na comparação com julho.*
18,5% de queda nas exportações totais brasileiras aos Estados Unidos no mês de agosto em relação ao mesmo período no ano anterior.**
Açúcar e carne bovina entre os produtos mais afetados.
China aumentou 29,9% as compras do Brasil, absorvendo parte do que teria os EUA como destino.*
Governo do Brasil anunciou um plano de contingência de R$ 30 milhões em créditos para os setores mais atingidos.
*Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA)
**Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).




























