O setor de ingredientes e aditivos faz parte de uma cadeia que vai muito além de si. Dentro dela, também está o setor varejista alimentício, que funciona como um termômetro direto das mudanças econômicas, sociais e regulatórias que afetam toda a cadeia de suprimentos. Para a indústria de ingredientes e aditivos, entender essas oscilações não é apenas uma questão de ajuste de produção: é uma exigência estratégica para manter a competitividade, garantir suprimento confiável e sustentar margens em um cenário de margens cada vez mais pressionadas.

O varejo como sensor avançado de mudanças no consumo

Em ambientes de incerteza econômica, os consumidores tendem a migrar para marcas mais acessíveis. Muitas vezes, elas são até mesmo as marcas próprias de supermercados e que exigem custos mais baixos por quilo de produto e aditivos com desempenho comprovado em condições menos controladas (ex.: logística mais longa, variação de temperatura em exposição).

Essas marcas pressionam fornecedores a oferecer aditivos de alta funcionalidade com custo competitivo, por vezes exigindo blends customizados ou formulações com menor dosagem, reduzindo custos sem comprometer performance.

Por outro lado, em ciclos de expansão e maior renda disponível, observa-se o aumento de vendas em produtos premium ou funcionais, com apelo para ingredientes clean label, naturais ou posicionados para benefícios específicos (digestão, imunidade, saúde cognitiva). Dados da Euromonitor (2023) mostram que as vendas de produtos alimentícios com claims “natural” ou “sem aditivos artificiais” cresceram 8% ao ano nos últimos cinco anos em mercados maduros.

Pressão regulamentar e tendência clean label

Redes varejistas refletem e, ao mesmo tempo, impulsionam mudanças regulatórias. Em resposta a proibições ou restrições, supermercados exigem certificações de fornecedores e antecipam mudanças na rotulagem. Dentre elas, estão a remoção de corantes sintéticos por redes nos EUA após propostas de proibição do FD&C Red No. 3 pelo FDA, e a proibição total de gorduras trans industriais no Brasil desde 2023, afetando diretamente fornecedores de emulsificantes e gorduras estruturadas.

Para a indústria de ingredientes, isso significa:

• Necessidade de investir em corantes naturais com estabilidade térmica e de pH;

• Reformulação de emulsificantes e estabilizantes para evitar gorduras hidrogenadas;

• Adição de antioxidantes naturais para substituir sintéticos como BHA/BHT.

O mercado global de aditivos clean label, segundo a IMARC (2024), deve crescer de US$ 45 bilhões para mais de US$ 75 bilhões até 2033. Esse crescimento não é homogêneo: exige P&D sofisticado, padronização de extratos botânicos e novos sistemas de delivery.

Cadeia de suprimentos e oscilações de preço

Oscilações no varejo não impactam apenas a demanda agregada, mas a logística de suprimentos. A pandemia demonstrou como choques logísticos globais, a exemplo de custos de frete, restrições sanitárias, afetam ingredientes sensíveis: enzimas alimentares e culturas lácteas exigem cadeia refrigerada, enquanto aromas naturais e óleos essenciais têm volatilidade alta por depender de safras.

Além disso, tendências de consumo como o crescimento de produtos plant-based criam pressão sobre proteínas de ervilha, amidos modificados e gomas naturais, resultando em oscilações de preço e disponibilidade.

Um estudo da Markets and Markets (2023) destacou que os preços de proteínas vegetais aumentaram até 35% em alguns mercados após o salto na demanda por carnes alternativas em 2021–22. A indústria de ingredientes precisa monitorar continuamente essas tendências e manter estoques estratégicos ou contratos de fornecimento de longo prazo.

Shelf life e qualidade sob pressão logística

Redes varejistas buscam reduzir perdas que estão estimadas em 6–10% do valor de alimentos frescos e prontos para consumo, segundo a FAO. Ingredientes e aditivos são essenciais para isso:

• Conservantes naturais para estender shelf life sem comprometer o posicionamento clean label.

• Antioxidantes naturais (tocoferóis, extratos ricos em polifenóis) para proteger lipídios em snacks e assados.

• Estabilizantes e espessantes para prevenir sinérese ou separação de fases em molhos, sobremesas lácteas e bebidas vegetais.

Essas funcionalidades tornam o mercado de aditivos altamente resiliente, mas exigem contínua inovação para lidar com restrições regulatórias e exigências sensoriais.

Reformulação silenciosa como estratégia competitiva

Uma consequência direta da pressão do varejo é a “stealth reformulation”. Ela acontece quando marcas reduzem teores de sal, açúcar, gorduras saturadas ou aditivos sintéticos sem afetar sabor ou textura percebida. Para fornecedores de ingredientes, isso cria mais demandas específicas, como blends multifuncionais de fibras, edulcorantes de baixa caloria, emulsificantes naturais, sistemas encapsulados que modulam liberação de aromas e mascaram off-flavors, além de enzimas que melhoram textura ou volume em panificados com menos sal ou gordura.

É um campo onde diferenciação técnica e serviços de co-desenvolvimento com clientes tornam-se essenciais para manter participação de mercado.

OPORTUNIDADES PARA A INDÚSTRIA DE INGREDIENTES E ADITIVOS

Apesar dos desafios, as oscilações no varejo abrem oportunidades concretas para empresas de ingredientes:

• Desenvolvimento de sistemas clean label que mantenham funcionalidade (ex.: corantes naturais microencapsulados, emulsificantes de lecitina vegetal);

• Criação de blends customizados para reformulação silenciosa, entregando desempenho sensorial equivalente ou superior;

• Parcerias estratégicas com varejistas e marcas para reformulações alinhadas a novas regulamentações e tendências de consumo;

• Investimento em rastreabilidade e certificações de sustentabilidade, cada vez mais exigidas por grandes redes globais.