Gripe aviária no Brasil: os impactos para o setor de ingredientes e aditivos alimentares
A confirmação do primeiro foco de gripe aviária altamente patogênica (H5N1) em uma granja comercial no Rio Grande do Sul, em maio de 2025, acendeu um alerta em toda a cadeia agroalimentar brasileira. Embora o consumo de carne de frango continue seguro, a suspensão temporária das exportações para países como China e União Europeia já começa a repercutir em diversos setores da indústria. Entre os segmentos que devem sentir reflexos diretos e indiretos está o de ingredientes e aditivos para alimentos e bebidas.
Ainda é difícil prever quais serão os principais efeitos da crise aviária sobre a indústria de ingredientes, em especial porque há uma expectativa de que a situação se normalize logo. No entanto, as empresas já devem traçar as suas estratégias para lidar com o cenário atual e futuro.
Impactos diretos na cadeia de ingredientes
1. Redução na demanda de aditivos para alimentação animal
Com a expectativa de retração da produção avícola em função das restrições comerciais e sanitárias, fornecedores de aditivos para nutrição animal, como aminoácidos essenciais (lisina, metionina, treonina), vitaminas lipossolúveis (A, D3, E) e minerais quelatados, devem observar um desaquecimento nas encomendas. Esses aditivos são fortemente dependentes da escala produtiva e da eficiência das operações integradas da avicultura.
Além disso, há o risco de desbalanceamento logístico de estoques e contratos de fornecimento em andamento. Para formuladores e gestores de portfólio, isso representa a necessidade de avaliar cenários de ajuste em capacidade industrial, previsão de demanda e estratégias de redirecionamento para mercados secundários, como pet food ou aquicultura.
2. Pressão sobre preços de subprodutos avícolas e impactos em formuladores de alimentos processados
A interrupção das exportações pode resultar em sobreoferta de subprodutos da cadeia avícola no mercado interno, como farinha de vísceras, gordura de aves, colágeno e proteínas hidrolisadas. Essas matérias-primas, utilizadas na formulação de sopas, snacks proteicos, suplementos e produtos cárneos reestruturados, poderão ter seus preços pressionados no curto prazo.
Sob a ótica dos compradores industriais, este cenário exige revisão tática de contratos de fornecimento, avaliação de shelf-life para maximização de aproveitamento de lotes excedentes e ajustes na matriz de formulação. Já para os gestores de P&D, surge a oportunidade de testar variações técnicas de aplicação desses ingredientes em novas categorias de produto.
O que esperar?
A crise acelera a necessidade de diversificação da base proteica na indústria alimentícia. Ingredientes como proteínas isoladas e concentradas de ervilha, fava e lentilha, além de fontes emergentes como microalgas e biomassas fúngicas (mycoproteins), são opções viáveis para substituição parcial ou total de ingredientes de origem avícola.
Com isso, as empresas que investem em linhas de formulação flexíveis e adaptáveis a matérias-primas com menor variabilidade microbiológica e maior previsibilidade de fornecimento tendem a se destacar. Além disso, o uso de proteínas vegetais fermentadas e texturizadas permite a manutenção da funcionalidade tecnológica em produtos como nuggets, recheios cárneos e barras funcionais.
Há também uma tendência de expansão de aditivos com apelo funcional e perfil clean label. A crescente exigência por transparência e segurança alimentar deve impulsionar a aplicação de aditivos de origem natural que reforcem atributos como conservação, estabilidade oxidativa e integridade de proteínas em situações de estresse logístico. Os exemplos incluem antioxidantes naturais à base de extratos vegetais ricos em polifenóis (como alecrim, chá verde e azeitona), culturas bioprotetoras para controle microbiológico em processados cárneos e fibras funcionais com papel estrutural e efeito prebiótico.
A crise sanitária também amplia a pressão por sistemas robustos de rastreabilidade, certificação sanitária e gestão de risco em ingredientes de origem animal. Para executivos do setor, isso exige ações como o reforço nos protocolos de biossegurança e auditoria de fornecedores de matéria-prima primária, a integração de sistemas digitais de rastreabilidade (blockchain, QR codes de origem) e a adoção de rotinas preventivas para recall, com base em análise de risco e simulações de contingência.



