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A carragena é o principal hidrocoloide alimentício derivado de algas marinhas, sendo amplamente utilizada por sua funcionalidade textural, particularmente em produtos lácteos, geleias e confeitos e em produtos de carne processada.
A carragena foi descoberta em 1785, no Norte da Irlanda, onde as algas eram utilizadas para aumentar a viscosidade do leite consumido pela população. Seu nome derivada de carrigan ou carrageen, palavras irlandesas para Chondrus crispus ou musgo irlandês, a espécie mais conhecida de carragena. Hoje, outras algas vermelhas também são utilizadas como matéria-prima para fabricação de carragena, como as das espécies Euchema cottonii e Euchema spinosum, ambas da família das Solieriaceae.
A carragena é obtida de diversos gêneros e espécies de algas marinhas da classe Rodophyceae. O teor de carragena nas algas varia de 30% a 60% do peso seco, dependendo da espécie da alga e das condições marinhas, tais como luminosidade, nutrientes, temperatura e oxigenação da água. Algas de diferentes espécies e fontes produzem carragenas de diferentes tipos, como Kappa, Iota, Lambda, Mu e Nu. Algumas espécies de algas podem produzir carragena de composição mista, como Kappa/Iota, Kappa/Lambda ou Iota/Lambda. As espécies produtoras de carragena tipo Kappa são a Hypnea Musciformis, a Gigartina Stellata, a Eucheuma Cottonii, a Chondrus Crispus e a Iridaea. As espécies produtoras de carragena tipo Iota são a Gigartina Teedi e a Eucheuma Spinosum. As espécies produtoras de carragena tipo Lambda são em geral do gênero Gigartina.
Do ponto de vista comercial, os três tipos principais de carragena são iota (ι), kappa (κ) e lambda (λ).
A carragena do tipo Lambda pode atuar como agente espessante a frio ou a quente, a do tipo Iota e Kappa além de ser amplamente utilizada como agente espessante em produtos que se preparam a altas temperaturas, também permitem a obtenção de géis estáveis em água à temperatura ambiente sem necessidade de refrigeração.
Quimicamente, a carragena é um poligalactano, ou seja, um polímero sulfatado de moléculas alternadas de D-galactose e 3-6 anidro-D-galactose (3,6-AG) unidas por ligações α(1-3) e β(1-4) glicosídicas. As moléculas de galactose e 3,6-AG encontram-se parcialmente substituídas por grupos sulfato e parcialmente substituídas por grupos sulfato e piruvato, razão pela qual a carragena apresenta-se geralmente como sais de sódio, potássio ou cálcio. O conteúdo e distribuição dos grupos éster sulfato nessas moléculas são responsáveis pelas diferenças primárias entre os diversos tipos de carragena. A proporção dessas diferentes frações também varia em função da espécie, do habitat e da época da colheita das algas.
A posição e o número de grupos de éster sulfato, bem como o conteúdo de 3,6-AG determina as diferenças primárias entre os tipos de carragena Kappa, Iota e Lambda. Maiores níveis de éster sulfato implicam em menor força de gelificação e baixa temperatura de solubilização. A carragena tipo Kappa contém de 25% a 30% de éster sulfato e de 28% a 35% de 3,6-AG; a do tipo Iota contém de 28% a 35% de éster sulfato e de 25% a 30% de 3,6-AG; e a carragena tipo Lambda contém de 32% a 39% de éster sulfato e não contém 3,6-AG.
A carragena Kappa pode ser dividida em Kappa I e Kappa II, sendo que o tipo Kappa I contém entre 24% e 25% de éster sulfato e entre 34% e 36% de 3,6-AG. Devido a esse alto teor de 3,6-AG, essa carragena forma géis firmes e quebradiços, em água e em leite, com certa sinérese, oferecendo boa retenção de água. Já o tipo Kappa II apresenta conteúdo entre 24% e 26% de éster sulfato e 32% e 34% de 3,6-AG. Forma géis firmes e elásticos, tanto em água como em leite; apresenta baixa sinérese e reatividade muito alta com o leite.
O tipo Iota contém entre 30% e 32% de éster sulfato e entre 28% e 32% de 3,6-AG. Forma géis elásticos em água e leite, com baixa sinérese. Apresenta boa estabilidade aos ciclos congelamento-descongelamento.
O tipo Lambda apresenta o maior conteúdo de éster sulfato, aproximadamente 35%, e 0% de 3,6-AG. Pela ausência de 3,6-AG, não gelifica e, devido ao seu alto grau de sulfatação, é a mais solúvel em água e leite frio, propiciando alta viscosidade.
Industrialmente, a carragena pode ser refinada (gel claro, transparente, alto grau de pureza) ou semi refinada (gel opaco, com muita celulose e fibra, baixo grau de pureza).
Para produção de carragena refinada podem ser utilizados três métodos: drum drying, precipitação por álcool e gel press.
O processo de extração para produção industrial da carragena é baseado nas suas duas principais propriedades, que são a solubilidade em água quente e a insolubilidade em solvente orgânico polar. O processo industrial se compõe de várias fases, sendo as principais o tratamento inicial, a extração, filtração/clarificação, concentração, moagem e blending.
Antes de qualquer processamento deve-se eliminar todas as impurezas possíveis, tais como sais, areias, conchas, etc. A lavagem é seguida pela operação de secagem em estufa e moagem para otimizar o contato entre as algas e os solventes nas diversas operações subsequentes. Nessa fase também ocorre a despigmentação; as algas moídas são tratadas com acetona, álcool fervendo e éter para solubilizar as gorduras no intuito de extrair parte importante dos pigmentos.
A carragena é um composto muito solúvel em água e esta propriedade é aproveitada na fase de extração. Depois das algas serem lavadas, para tirar as impurezas, a extração da carragena é efetuada com água em altas temperaturas, em processo denominado de hot extract.
As algas moídas são aquecidas em água a 90ºC, com pH ligeiramente alcalino (8 a 9), no qual a carragena é suposta como estável. Neste pH é possível aumentar o rendimento em carragena, desagregando as ligações entre a carragena e as proteínas.
Um pH ácido ou básico demais pode destruir as moléculas de carragena, por hidrólise do polímero ou por eliminação do agrupamento sulfato em C6 e formação de uma ligação anidra.
No processo de filtração/clarificação, o extrato aquoso quente passa por um primeiro estágio de filtração mais grosseira para retirar os resíduos das algas. Em um segundo estágio, adiciona-se um auxiliar de filtração, como a terra diatomácea, por exemplo, sendo filtrado sob pressão.
Desse polimento se obtém um xarope transparente contendo carragena em solução.
O processo de purificação é baseado na capacidade da carragena em formar um precipitado. No processo de concentração, o xarope obtido na etapa anterior passa por um procedimento de precipitação que pode ocorrer seja na presença de um excesso de álcool, por precipitação dos polissacarídeos na forma de polímeros, eliminando-se assim as pequenas moléculas; seja de forma mais seletiva, pela adição de íons metálicos. Isso pode ser feito com a adição de um sal quaternário de amônio (por exemplo, brometo de cetiltrimetilamônio ou CTAB) ou pela adição de uma solução diluída de KCl.
Após secagem por evaporação a vácuo, o produto é moído até obter-se um pó branco ou bege claro, com o tamanho de partículas desejado. O pó obtido é inodoro e insípido.
Antes de ser comercializado, o produto passa por uma etapa (blending) na qual é diluído com a adição de açúcares e misturado com sais para alcançar as características gelificantes e espessantes oferecidas por cada marca ou produto.
Obviamente, nas várias fases da produção existem operações de controle de processo destinadas a garantir a qualidade do produto acabado.
A produção de carragena semi-refinada começa da mesma maneira que o processo refinado, no entanto, neste caso, a temperatura é mantida abaixo de 80°C para impedir que as algas se dissolvam e para manter a conversão dos precursores dentro das algas. O próprio álcali quente e as etapas de lavagem são usadas para remover impurezas, como minerais, proteínas e gorduras, mas não há precipitação ou etapa de gelificação para separar a carragena.
Cada hidrocoloide se comporta de maneira diferente sob diferentes condições de processamento e em diferentes formulações. Temperatura, pH, presença/ausência de açúcares e sais afetam parâmetros importantes, como solubilidade e estabilidade do gel e, portanto, adequação geral em aplicações finais.
A solubilidade é uma das principais propriedades da carragena. Todos os tipos de carragena são solúveis em água quente a temperaturas acima da temperatura de fusão do gel. A amplitude normal de temperaturas é de 40ºC a 70ºC, dependendo da concentração e da presença de cátions.
Em água fria, somente a carragena tipo Lambda e os sais de sódio dos tipos Kappa e Iota são solúveis. Os sais de potássio e cálcio da carragena Kappa e Iota não são solúveis em água fria, porém exibem expansão por hidratação considerável em função da concentração, tipos de cátions presentes, temperatura da água e condições de dispersão.
A gelificação é outra importante propriedade da carragena. Soluções quentes de carragenas Kappa e Iota possuem a habilidade de formar géis termorreversíveis através do seu resfriamento. Esse fenômeno ocorre devido a formação de uma estrutura de dupla hélice pelos polímeros da carragena. Em temperaturas acima da temperatura de fusão do gel, os polímeros da carragena existem na solução como espirais aleatórias.
A viscosidade das soluções de carragena também é uma importante propriedade funcional e deve ser determinada em condições onde não exista nenhuma tendência de gelificação da solução. Quando uma solução quente de carragena é resfriada, a viscosidade aumenta gradualmente até que seja atingida a temperatura de gelificação. À medida que se inicia a formação do gel, há um aumento repentino e intenso da viscosidade. Portanto, a medida de viscosidade de soluções de carragena deve ser determinada a temperaturas suficientemente altas (75ºC) para evitar o efeito da gelificação. A concentração de carragena na solução é em geral de 1,5% em peso do volume de água. As carragenas disponíveis comercialmente apresentam em geral viscosidades variando de 5 a 800cps, medidas a 75ºC em soluções de 1,5% de carragena. A viscosidade de soluções de carragena depende da concentração, temperatura, presença de outros solventes, tipo de carragena e peso molecular. Maior peso molecular, maior concentração ou diminuição da temperatura da solução aumentam consideravelmente a viscosidade.
A estabilidade da carragena é outro fator determinante, sendo a solução bastante estável em pH neutro ou alcalino. O pH baixo afeta a sua estabilidade, especialmente a altas temperaturas. A diminuição do pH causa a hidrólise do polímero da carragena, resultando na diminuição da viscosidade e da força de gelificação. Entretanto, uma vez formado o gel, mesmo a pH baixo (3,5 a 4,0) não há mais ocorrência da hidrólise e o gel permanece estável. Para aplicações práticas, é importante estar atento às limitações da carragena em meios ácidos (solução e gel). O processamento de soluções de carragena com pH baixo a altas temperaturas por um tempo prolongado deve ser evitado.
Uma das propriedades que diferenciam a carragena de outros hidrocoloides é a sua reatividade, ou seja, a habilidade de interagir com as proteínas do leite. A alta reatividade da carragena no leite deve-se à forte interação eletrostática entre os grupos de éster sulfato negativamente carregados da molécula da carragena, com a micela de caseína do leite que possui regiões de forte carga positiva. Outra forma de interação é através de pontes entre grupos de éster sulfato da carragena com resíduos carboxílicos dos aminoácidos que compõem a proteína. A reatividade com proteínas depende de muitos fatores como concentração de carragena, tipo de proteína, temperatura, pH e ponto isoelétrico da proteína. Esse fenômeno de interação e reatividade da carragena com as proteínas do leite em combinação com sua habilidade de formar gel e reter água torna-o um ingrediente eficaz para a estabilização e gelificação de produtos lácteos.
A interatividade da carragena com outros ingredientes é considerada uma importante propriedade funcional. A carragena Kappa, por exemplo, apresenta uma sinergia incomum com a goma alfarroba (LBG) em sistemas aquosos. O gel obtido da mistura de carragena com LBG apresenta considerável aumento da força de gel, melhora na capacidade de retenção de água, redução de sinérese e uma alteração da textura do gel de quebradiça para elástica.
A carragena Iota apresenta sinergia com amidos. Um sistema que contenha uma mistura desses dois ingredientes apresenta um aumento de viscosidade até 10 vezes superior à viscosidade de um sistema que contenha somente o amido. Desta forma, a carragena Iota torna-se muito útil para a alteração de textura, palatabilidade e propriedades de processo de sistemas baseados em amido.
As carragenas do tipo Kappa I e II são altamente reativas com as proteínas do leite, em particular com a Kappa caseína. A alta reatividade da carragena no leite deve-se a forte interação eletrostática entre os grupos sulfatos, negativamente carregados, da molécula de carragena com a micela da caseína que possui regiões de forte carga positiva. Outra forma de interação é através de pontes entre o grupo éster sulfato da goma e resíduos carboxílicos dos aminoácidos que compõem a proteína. Ambos os mecanismos ajudam a estabilizar as emulsões à base de leite e observa-se que essas interações aumentam sinergicamente a consistência do gel em cerca de 10 vezes.
As carragenas Kappa e Iota apresentam forte interação com os íons de potássio e cálcio, respectivamente. A presença deles aumenta a dureza, a fragilidade, a temperatura de gelificação e a sinérese de seus géis em água. Os sais de sódio não afetam a textura desses géis. Os sais de sódio e potássio de polifosfatos e citratos ajudam na solubilidade das carragenas em soluções frias e quentes, diminuindo a viscosidade devido ao fato deles sequestrarem os íons divalentes. Além disso, ajudam a manter a estabilidade das carragenas em meios ácidos.
pH
Os géis e soluções à base de carragena são estáveis em pH entre 4 e 12. A ação combinada de temperatura e acidez pode gerar uma degradação das carragenas, provocando assim a hidrólise do conjunto, e tendo como resultado uma perda de viscosidade e dureza. A máxima estabilidade das soluções está a pH 9,0 e não se deve processá-las a quente com pH inferior a 3,5. A pH 6,0 ou superior, as soluções contendo carragenas resistem a condições normais de processo, como no caso de esterilização de latas de alimentos à base de peixe e carne, para pet foods. Em sistemas ácidos recomenda-se adicionar às carragenas o mais tarde possível no processo ou antes da operação de enchimento.
Como já mencionado, as principais áreas de aplicação da carragena estão em carnes processadas; laticínios e sobremesas e geleias. Com seu conjunto específico de propriedades funcionais, não é difícil entender por que sua aplicação é mais adequada para essas áreas. As diferentes propriedades de gelificação e espessamento dos tipos Iota, Lambda e Kappa oferecem boa flexibilidade em vários setores de aplicação, bem como em áreas de produtos que exigem texturas diferentes, como por exemplo, sobremesas lácteas. A reatividade com a proteína do leite proporciona à carragena Kappa uma vantagem imbatível em termos de custo quando usada em achocolatados e sorvetes, assim como a capacidade de uso de carragena semi refinada em carnes e laticínios oferece benefícios de custo.