Page 9 - Aditivos | Ingredientes Ed. 158
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ENTREVISTA "De imediato, a aplicação das tecnologias da Indústria 4.0 permite monitorar e reduzir desperdícios em tempo real e em escalas nunca antes imaginadas em qualquer processo de manufatura". consideravelmente o custo do frete e a necessidade de capital imobilizado na manufatura. Uma indústria que conseguisse trabalhar neste modelo seria mais competitiva do que uma tradicional. Recentemente, o senhor participou de uma palestra do Congresso Internacional do WellFood Ingredients - Summit Internacional de Ingredientes Funcionais, Nutracêuticos e Naturais - falando sobre as principais implicações da Indústria 4.0 na produção de alimentos e bebidas. Quais são essas implicações? Fizemos uma estimativa sobre os postos de trabalho na cadeia de valor dos alimentos no Brasil que poderiam ser impactados imediatamente pelas tecnologias da Indústria 4.0, com base na RAIS 2017. Descobrimos que 1,13 milhão de postos de trabalho podem se tornar obsoletos nos próxi- mos anos, apenas com a aplicação das tecnologias já disponíveis em escala comercial. Este montante representa 42% dos empregos. E não estamos considerando aqui impactos difíceis de serem medidos, como o surgimen- to de modelos de negócios disrupti- vos, o surgimento de novas oportu- nidades por conta da automação ou mesmo o deslocamento da produção para mais próximo do consumidor final. Historicamente, o Brasil tirou uma vantagem geográfica por estar voltado para o Atlântico, uma vez que o polo econômico mais dinâmico do mundo estava entre Europa e Estados Unidos. Agora, este eixo se desloca para o Pacífico, com o crescimento da Ásia, e isto nos torna menos competi- tivos em termos logísticos. Isto torna ainda mais urgente aderirmos à nova fronteira tecnológica. Quais as principais mudanças que a Indústria 4.0 pode trazer para esse setor? Acredito que a principal trans- formação deve ser a separação entre empresas de “projeto” e empresas de “fabricação”. Graças aos estudos sobre a “curva do sorriso”, iden- tificada originalmente por Stan Shih, fundador da Acer, vemos que o retorno sobre capital investido está se concentrando cada vez mais nas áreas de projeto e marketing e se reduzindo na manufatura. A separação entre “donos de fórmu- la” e “fabricantes de alimentos” já é uma realidade na indústria, mas isso tende a se intensificar graças às possibilidades da Indústria 4.0. Hoje, os fabricantes de alimentos ainda se concentram em grandes parques de manufaturas, mas acredito que será possível construir mini usinas de alimentos com as especificações sanitárias adequadas exclusivas para a mistura de ingredientes de dife- rentes fórmulas, focadas no mercado local. Isto pulverizaria a indústria de uma forma sem precedentes. O parque industrial brasileiro, e mais especificamente o setor de alimentos e bebidas, está preparado para incorporar essa nova “tecnologia”? O assunto está em pauta, mas fal- ta muito. Primeiro temos o problema do capital humano. Quando o Brasil resolveu se industrializar, ainda nos anos 1930, fez uma escolha por basear sua competitividade na mão de obra barata e de baixa qualifica- ção. Isto agora cobra o seu preço, e a nossa performance em indicadores educacionais, como o PISA, mostram que há muito a ser feito. Mas mesmo a indústria ainda está reativa. De acordo com a CNI, apenas 1,8% da agroindústria e 2% da indústria de bens de consumo já adota alguma tecnologia 4.0. Neste momento, 75% de toda a indústria sequer está no 3.0, ou seja, nem atingiu os padrões adotados na reestruturação produti- va dos anos 1990. A perspectiva para 2027 é que este percentual caia para 39,20%, o que é ainda alto. Prova- velmente, essa parcela do parque industrial estará condenada de forma irreversível à irrelevância. Quais os desafios que a indústria brasileira precisa enfrentar para se adaptar a essa nova realidade? Esses desafios também se aplicam ao setor de alimentos e bebidas? Os desafios são os mesmos em toda a indústria. O primeiro pas- so é incorporar a filosofia lean de produção, com a documentação de processos, definição de indicadores e uma cultura de melhoria contínua. A tecnologia por si só não trará ganhos de produtividade, se a manufatura não estiver pronta para gerar dados que possam ser processados digital- "A regulamentação sanitária aparece como o principal gargalo para a indústria de alimentos. E aqui, não se trata de contrapor tecnologia e regulamentação, mas encontrar caminhos para que a flexibilização trazida pela tecnologia incremente e aperfeiçoe a segurança alimentar". 9 ADITIVOS | INGREDIENTES